Longe, tão perto

O nome Halloween provém do escocês All Hallows’ Eve, que significa véspera do Dia de Todos-os-Santos. A data é também conhecida como Dia das Bruxas. Convoca uma espécie de comunhão dos vivos e dos mortos que não se cansa de inspirar o nosso imaginário. Tão longe, tão perto! O tema não podia escapar a Nick Cave e às suas “obsessões líricas pela morte, religião, amor e violência”. Seguem duas canções: Earthlings e Faraway, So Close.
Earthlings
Children Halloweened in sheets
Go running up and down the streets
I thought these ghosts had gathered here for me
I thought these songs would one day set me free
Laughter fills the sky above
How can such a thing provoke our love?
I thought these ghosts were there to set me free
I thought these songs had traveled here for me
(Excerto de Nick Cave. Earthlings).
Terráqueos
Envoltas em lençóis, crianças tomadas pelo Halloween
Percorrem as ruas para cima e para baixo
Pensei que estes fantasmas se tivessem reunido aqui por mim
Pensei que estas músicas um dia me libertariam
As gargalhadas enchem, acima, o céu
Como pode uma coisa assim suscitar o nosso amor?
Pensei que esses fantasmas estavam ali para me libertar
Pensei que essas músicas tivessem viajado até aqui por mim
(Excerto de Nick Cave. Earthlings. Tradução livre).
- Faraway, So Close
- And the world will turn without you
- And history will soon forget about you
- But the heavens they will reward you
- And the saints will be there to escort you
- So faraway
- So faraway and yet so close
- Longe, Tão Perto
- E o mundo girará sem ti
- E a história depressa te esquecerá
- Mas os céus recompensar-te-ão
- E os santos estarão lá para te acompanhar
- Tão longe
- Tão longe e, portanto, tão perto.
- (Excerto de Nick Cave. Faraway, So Close).
Sucesso

“Encarrega-se os homens, desde a infância, do cuidado da sua honra, dos seus bens, amigos e ainda do bem e da honra dos seus amigos. Enchemo-nos com problemas, com a aprendizagem das línguas e com exercícios, e faz-se-lhes entender que não podem ser felizes sem que a sua saúde, honra, a fortuna e a dos amigos estejam em bom estado e que basta falhar uma só coisa para os tornar infelizes. Assim, atribuem-se-lhes cargos e questões que os inquietam desde o despontar do dia. Direis que esta é uma estranha maneira de os tornar felizes! Ora, o que se poderia fazer de melhor para os tornar infelizes” (Pascal, Pensamentos, Artigo XXI: Miséria do Homem).
Tenho um amigo que, desde os trinta anos, tem receio do sucesso. Produz, o melhor que sabe, livros, artigos, comunicações… Enterra-os como as tartarugas os ovos. Trinta anos depois, continua a evitar o sucesso. Nunca mo disse, mas creio que, para ele, o sucesso é coisa pouco saudável.
Contos de solidão e mal viver

Podem repetir os sábios que não existem velhos, que velhos são os trapos. Mas o envelhecimento persiste. Até os trapos envelhecem. Sinto-me a envelhecer: as pernas pesam, os olhos turvam-se e a memória esquece-se. A rede de relações encolhe, como um polvo na panela, rumo à solidão. E nós insistimos que não há velhos, que velhos são os trapos. Recorremos à esconjuração retórica, como se o envelhecimento fosse uma figura de estilo ou um descuido da perfeição. Como se não rezássemos todos no templo do abraço perdido…
Quem me mergulhou neste estado de desentendimento lamentável foi o Nick Cave. Dos três anúncios que seguem, o último é o mais confrangedor: os netos “visitam” o avô mas para assistir a uma emissão de futebol facultada aos idosos por um canal televisão.
As asas das migrações
“Quando tudo acelerar ao ponto que, comparado à velocidade de hoje, parecerá que estamos parados?” (John). Estaremos provavelmente parados parecendo andar para trás sugados para a frente. Mas existe uma alternativa: virar as costas. Agora, estamos parados parecendo andar para a frente puxados para trás. Mas deixemos a inteligência descansar e observemos preguiçosamente os gansos a passar.
A Sofia Afonso doutorou-se, esta semana, em Sociologia, com uma belíssima dissertação dedicada à segunda geração e ao regresso. À segunda geração da emigração, pertencemos nós, John. Seja lá o que isso for! Eu parti e regressei; tu regressaste e repartiste. Numa entrevista recente, perguntaram-me se foi difícil ir para França. Respondi que mais difícil foi regressar. Foi há cerca de quarenta anos e sinto que ainda não pousei os dois pés. Deve ser da coluna. As pinturas pedem uma certa distância. Portugal, também! Parafraseando Fernando Pessoa, Portugal é um país que é mais fácil estranhar do que entranhar. “Perdigão perdeu a pena / Não há mal que lhe não venha (…) / Não tem no ar nem no vento / Asas com que se sustenha” (Luís de Camões). Perdigão que perdeu a pena só voa até aterrar. Um, abraço, John!
O documentário Winged Migration (2001) ganhou um César e foi nomeado para um Óscar. Tem imagens quase impossíveis. A música foi composta por Bruno Coulais.
Documentário Winged Migration, com música de Bruno Coulais. 2001.
To be by your side. Banda Sonora do documentário Winged Migration composta por Bruno Coulais. Interpretação de Nick Cave. 2001.
Return of the cranes. Documentário Winged Migration, com música de Bruno Coulais. 2001.
Rosas selvagens
Adoro aproximar o que nasce separado. É um vício. A Ofélia de Sir John Everett Millais (1851-2) lembra o vídeo Where The Wild Roses Grow (1996), de Nick Cave & Kylie Minogue. Não quer descobrir as diferenças entre a Ofélia do Millais e a Kylie Minogue do Nick Cave?
Nick Cave & The Bad Seeds / Kylie Minogue. Where The Wild Roses Grow. 1996.
Humor Negro e Humor Colorido
O humor é a perdição da publicidade actual. Há para todas as doses, todos os feitios e todos os gostos. Os anúncios que seguem, da Volkswagen e da PETA, incidem sobre situações de elevada carga simbólica: o roubo, a moda e o cativeiro. Mas os procedimentos adoptados são distintos. Mask, com a assinatura de Noam Murro, alonga-se em torno de um equívoco: o “ladrão”, afinal, não pretende roubar a loja; o “gang”, afinal, não é um “gang”; as máscaras, afinal, não se destinam a disfarce em caso de assalto mas para desfrutar de um Volkswagen descapotável em pleno inverno. Runway Reversal, como o título sugere, aposta na inversão de papéis, à boa maneira de “O Planeta dos Macacos”. Animais desfilam vestidos ostensivamente com peças humanas; os seres humanos, por sua vez, rastejam nus e indefesos em jaulas acanhadas. O humor de Mask é colorido, regenerador e aprazível; o humor de Runway Reversal é negro, corrosivo e incómodo. Aproveito a embalagem para acrescentar uma música: Nick Cave & The Bad Seeds publicaram há dias um novo cd: Push the Sky Away. Segue o vídeo com a primeira faixa: We Know Who U Are. Algo como um pouco mais do mesmo.
Marca: Volkswagen. Título: Mask. Agência: The Mill. Direção: Noam Murro. EUA, Fevereiro 2013.
Anunciante: PETA. Título: Runway Reversal. Agência: Ogilvy & Mather Beijing. China, Fevereiro 2013.