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Mafalda Veiga

“E deixar-me devorar pelos sentidos
E rasgar-me do mais fundo que há em mim
Emaranhar-me no mundo
E morrer por ser preciso
Nunca por chegar ao fim
(Mafalda Veiga).

Tenho um nó na palavra. Para escrever cinco letras, preciso de uma dúzia de teclas. Chama-se a isto tremura de mãos e gaguez digital. Desfasada do pensamento, a escrita não discorre, tropeça. Encolhe como o caracol. Gosto da Mafalda Veiga

Mafalda Veiga. Por outras palavras. Zoom. 2011.

Um pouco de céu

Encounter by M.C. Escher, 1980

A liberdade é poder escolher as suas cadeias (AG).

As cadeias são compostas por laços e acasos. Algumas são circulares: passam pelo ponto de partida, à semelhança de algumas gravuras de M.C. Escher. As cadeias, nem líquidas, nem sólidas, porventura moles, estão em voga. O anúncio The Red Ball, da Mastercard, é uma cadeia galáctica, com “um pouco de céu”: Ana Ivanovic, Annika Sorenstam, Bryan Habana, Dan Carter, Lionel Messi, Neymar Jr., Valeri Kamenskyco… Por mais estrelas que convoque, o esquema deste anúncio não é novo.

Marca: Mastercard. Título: The Red Ball. Agência: McCann XBC New York. Direcção: Rodrigo Saavedra. Estados Unidos, Abril 2019.
Fleetwood Mac. The Chain. Rumours. 1977.
Mafalda Veiga. Um pouco de céu. Tatuagem. 1999.

Um pouco de céu

Hoje, foi dia de pequenas coisas. Ressonâncias que não pesam no juízo final. Memórias sem história. Nada para arquivar. Quando escrevi, há 10 anos, o artigo Lembranças tinha mais memória e menos barriga. Mas agrada-me. Centra-se no insignificante. Amanhã, recomeçam os vazios importantes. Aumenta a pose e encolhe a pessoa. Entretanto, apetece-me ouvir Mafalda Veiga.

Mafalda Veiga. Um pouco de céu. Tatuagem. 1999.

Lembranças

Neto de comerciante, foi-me dado assistir à morosa hesitação da escolha dos postais ilustrados. Não deixa de constituir tarefa penosa, quase um milagre, conseguir acomodar, num rectângulo tão exíguo, emissor, destinatário, pretexto, mensagem e imagem. Lembro-me, também, da recepção de alguns postais. Ao estremecimento e à comunhão iniciais, com o postal a passar de mão em mão, sucedia-se a exposição num “altar improvisado” e o recolhimento numa gaveta, caixa ou álbum destinado às relíquias memoráveis. Quase todos nós, apesar dos anos e das mudanças, preservamos alguns destes tesouros semi-privados. Compõem uma espécie de bálsamo para as rugas da nossa identidade.

Postal 3

Postal 3

Os postais ilustrados comportam uma vertente estética. Podem ainda apresentar uma aura de magia, virtualidade, aliás, própria de um objecto que se interpõe entre duas pessoas. Absorvem o emissor que neles se inscreve (“estou aqui!”) e convocam o destinatário que neles se adivinha (“Esta menina és tu a pedir à Nª Sª pª vires passar as férias a casa”: postal 1). Podem, inclusivamente, aspirar a uma certa tangibilidade das almas ou, se se preferir, a um magnetismo dos corpos separados: “Se o pensamento fosse visível, ver-me-hias sempre ao teu lado” (postal 2). Muitos postais ilustrados são dádivas. Antes de mais, dádivas de si. São lembranças, “something between a message and a present” ( Andrew Martin:http://blogs.guardian.co.uk/travelog/2008/07/postcards_back_from_the_edge.html). 

Postal 4

Postal 4

São prendas! Apreciadas, exibidas e guardadas. Pessoalizadas em sintonia com o outro, pedem criatividade, dedicação e sentido de oportunidade. Confesso nutrir alguma predilecção pelos postais ilustrados anteriores a 1902, aqueles em que “de um lado só se escreve a direcção”. Reduzem o importante ao essencial. E o essencial, como bem sabemos, cabe no buraco de uma agulha. As soluções, variadas, oscilam entre a incontinência de letras que afoga a imagem e o gesto discreto e precioso que lhe acrescenta valor. Mesmo com a possibilidade de escrita no reverso do postal, as marcas e as inscrições na imagem perduraram, como uma espécie de luxo ou de requinte pessoal ( atente-se no postal 3 e, sobretudo, no pormenor do postal 4: estes postais podem ser vistos no blogue Postais Antigoshttp://postais.do.sapo.pt/). É certo que, na maioria dos casos, estas prendas são surpresas esperadas, ao sabor das efemérides ou das viagens. Se tardam, sente-se a falta, num misto de frustração e inquietação.