A lupa e o telescópio. O tango das escalas

“Lorsqu’on change d’échelle les phénomènes changent non seulement de grandeur mais aussi de nature / Quando se muda de escala os fenómenos mudam não só de dimensão mas também de natureza” (Olivier Dollfus, L’espace géographique, Paris, P.U.F., 1970, p. 22)
Importa cruzar escalas: observar de perto, para sentir, senão partilhar, o que as pessoas fazem; e com algum recuo, para saber, senão estranhar, o que se está a fazer.
Procissão, de Jean Villaret, e Amsterdam, de Jacques Brell, possuem a virtude de oscilar entre o pormenor e o conjunto, o ato e o resultado, os participantes e uma realidade coletiva, a procissão, os marinheiros e a cidade, Amsterdão. São, certamente, diferentes, mas a diferença não constitui, necessariamente, um problema.
Por quem dobram os sinos?

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” (John Donne. “Meditação XVII”, 1623), do livro Devotions Upon Emergent Occasions. 1624).
Para os amigos do Brasil, duas obras de autores/artistas portugueses.
Procissão
Vou lhes dizer
Procissão
Festa na aldeia
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja
Vai passando a procissão
Mesmo na frente, marchando a compasso
De fardas novas, vem o solidó
Quando o regente lhe acena com o braço
Logo o trombone faz popopó, popó, popó
Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole
Trazem ao ombro brilhantes machados
E os capacetes rebrilham ao sol
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Vai passando a procissão
Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!
Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos
E o mais pequeno perdeu uma asa!
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Vai passando a procissão
Pelas janelas, as mães e as filhas
As colchas ricas, formando troféu
E os lindos rostos, por trás das mantilhas
Parecem anjos que vieram do céu!
Com o calor, o Prior vai aflito
E o povo ajoelha ao passar o andor
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de nosso senhor!
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Já passou a procissão
Fonte: Musixmatch
Compositores: Varios Artistas / António Lopes Ribeiro
Sentidos Pêsames
Ele há gente que vive de si
Ele há vícios de que a gente se ri
Todos me falam, nunca os conheci
Assisto ao seu enterro metam-nos pr’aí
Os meus sentidos pêsames
Que pena não viveres mais aqui
Ele há músicos que eu nunca ouvi
Ele há estilistas que eu nunca vesti
Ele há críticas que eu nunca percebi
E até managers de quem nada recebi
Os meus sentidos pêsames
Sinceros parabéns por desistires de vencer
Os meus sentidos pêsames
Saudades de quem não se sabe vender aqui
Onde eu já vivi, sem saber como nem quando, onde eu já dormi
Condolências p’ra quem continua sem saber o que faz aqui
E como eu só vivi, também já acordei um dia sozinho
E no entanto, no entanto lembrei-me de ti
Aceita as condolências, deixa-te morrer, não fazes falta aqui
Quando te fores haverá sempre elogios
E alguém que se riu de ti
Onde eu já vivi
Fonte: MusixmatchCompositores: Rui Reininho / Alexandre Soares / Gnr