Portas que não fecham
Há portas a que não convém bater. Nunca mais se fecham. O rio Minho também é uma fronteira que não separa. Existem culturas que nos trazem cativos. Alice é uma cantora italiana que iniciou a actividade nos anos setenta. Ganhou o Festival de Sanremo em 1981. A canção Prospettiva Newskij convoca o bailado, a música e o cinema: Nijinsky, Stravinsky e Eisenstein.
Insisto em colocar obras transalpinas que o Tendências do Imaginário ostensivamente ignora. Cultura boa, só salgada. Dos mares e dos oceanos. Melhor do que cultura salgada, só o bacalhau. É difícil apregoar a diferença a quem tem a cabeça cheia do mesmo. Conhece-se mal a cultura italiana. E depois? Um dia será como a nossa…
Leve, levemente
O tempo passa, mas não para
Nos anos sessenta, as baladas italianas apoderavam-se da rádio. Dar o que as pessoas gostam é um reforço. Dar-lhes o que desconhecem, uma promessa, habitualmente perdida. O siciliano Peppino Gagliardi alcançou vários sucessos. Por exemplo, Che vuole questa musica stasera … (1967) e Sempre… Sempre (1971).
Viver para a vida. Ennio Morricone
Faleceu Ennio Morricone. Obrigado pelo prazer! “Como devem estar felizes os anjos”.
O trovador
Compositor, cantor, multi-instrumentista, “trovador”, Angelo Branduardi destaca-se como um dos artistas mais emblemáticos da Itália contemporânea. Nos anos setenta, obteve um franco sucesso em França. Algumas das suas canções são em língua francesa. É o caso de uma das canções selecionadas (La demoiselle). O intercâmbio entre a Itália e a França não é de menosprezar. A este propósito, Jean Cocteau graceja: “os italianos são franceses com bom humor”. Já coloquei várias músicas do Angelo Branduardi: La Luna; Alla Fiera Dell’ Est; La Pulce D’Acqua; Ballo in fa diesis minore; e Si può fare. Coloquei ainda a música Nelle Palludi di Venezia, com Teresa Salgueiro (ver https://tendimag.com/2015/04/24/a-passo-de-caranguejo-a-cancao-da-morte/). Seria estranho neste ciclo do Tendências do Imaginário dedicado à Itália ignorar Angelo Branduardi. Tem mais de vinte álbuns publicados. Dá para retirar mais três canções: Gli Alberi Sono Alti (1975); La Demoiselle (1979) e Confessioni di un malandrino (1980). É demasiado. A maior parte das pessoas não vai gostar. Mas os outros vão consolar-se.
Incompreendido
A Itália é um santuário do cinema. Os anos cinquenta e sessenta foram gloriosos. Sobressaem o neorrealismo e a comédia. O filme Incompreso (Quando o amor é cruel, em Portugal), de Luici Comencini (1966), não é neorrealista nem cómico. Após a morte da mãe, o pai pede ao filho mais velho (Andrea) para manter segredo perante o irmão mais novo (Milo), bem como para o proteger. Acontece que, dos dois irmãos, o mais frágil é o mais velho. A situação agrava-se culminando na morte de Andrea. É um filme sobre o luto, a vulnerabilidade humana, a solidão e a incomunicação entre gerações (pai e filho). O filme é um melodrama denso e opressivo. Um misto de olhar psicológico e microssociológico. O Incompreendido é um filme marcante. Vi-o com o Marino Trancoso, um amigo jesuíta colombiano, que fez doutoramento com Claude Bremond. Faleceu há anos. Um dos principais anfiteatros de Bogotá tem o seu nome. Tanto olho para trás que fiquei com a cabeça torta e o pescoço dorido.
Consultei a Wikipedia a propósito do cinema italiano. Propõe uma lista com os trinta “principais directores”. Não contempla o Luigi Comencini. Tenho um gosto depravado; não acerto nos valores consagrados. Resolvi aceder à versão em inglês. Nos primeiros lugares, aparecem Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Roberto Rossellini, Vittorio De Sica, Luchino Visconti, Ettore Scola, Sergio Leone e, em oitava posição, Luigi Comencini. Na Wikipedia portuguesa ocorreu, algures, um lapso.
Segue o filme completo, original, com legendas em inglês.
Nuvens azuis. Ludovico Einaudi
Franceses, espanhóis, portugueses e italianos, somos latinos. Quase PIG, não fosse a Grécia grega e a França, galo. Estranhamos o distanciamento social. Nada como um abraço, uma mão nas costas, outra no ombro, eventualmente, um encosto. Gosto-me latino. Ou, eventualmente, galego celta.
O que tem isto a ver com o Ludovico Einaudi? Nada, conversa fiada. A conversa fiada é primordial na socialização e na comunicação humanas. Erving Goffmann sublinhou esta importância na tese de doutoramento On Cooling the Mark Out, nas ilhas Shetland, defendida em 1952, sob a orientação de Gregory Bateson (Goffman, 1981; Goffman, 1988).
É provável que quem goste de Ezio Bosso, Philip Glass e Yann Tiersen, goste também de Ludovico Einaudi. O Daniel Noversa partilhou, no Facebook, o álbum Seven Days Walking // Day Three, de Ludovico Einaudi. Já publiquei a música Passaggio (Le Onde, 1996; ver https://tendimag.com/2018/05/23/o-espirito-de-erasmo/). Hoje, acrescento Nuvole bianche (2004), Primavera (2006) e Divenire (2006).
Referências Bibliográficas:
GOFFMAN, Erving (1981). Forms of Talk, Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
GOFFMAN, Erving (1988). Les moments et leurs hommes, Textes recueillis et présentés par Yves Winkin, Paris: Seuil/Minuit.
À espera do inimigo
Num texto publicado no Facebook, no dia 2 de Junho, José Miguel Braga escreve:
“Qualquer bocadinho de sono me serve. Puseram-me de sentinela e o inimigo pode aparecer por ali, está a ver, meu coronel, detrás daqueles montes, é por onde se diz que virá a invasão. Quem diria que ainda vinha dormir uma noite ao “Deserto dos Tártaros”! Leiam, leiam, é um belo livro do Dino Buzzati.”
Nos anos setenta, uma amiga italiana ofereceu-me o Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, publicado em 1940.
Retribuí com Un amore, do mesmo autor, publicado em 1963.
Dino Buzzati é um dos grandes escritores do século XX. Não há mapa mental que o apague.
Acarinho a cultura italiana. Um quase nada esquecido deixa-me bem-aventurado.
Paolo Conte é um veterano da canção italiana. À semelhança de Jacques Brel, Edith Piaff ou Sérgio Godinho, reconhece-se uma música antes de ela começar. O Tendências do Imaginário já contempla duas canções de Paolo Conte: Via Con Me e Sparring Partner. Acrescento Azzurro.
Quando a alma fecha a porta
A alma adormeceu. Ezio Bosso (1971-2020), compositor, maestro e pianista italiano, faleceu há três semanas, vítima de doença neurodegenerativa. Desde setembro de 2019, sem agilidade nas mãos, deixou de tocar piano. Gosto da cultura italiana. Sou latino. As músicas Clouds, The mind on the (Re)Wind e Rain, in Your Black Eyes são excelentes para elevar a alma. Acrescento uma pequena reportagem, Concerto per la terra, capaz de a estremecer.
A beleza da coragem
Chegou a hora de fazer um intervalo para publicidade. Multiplicar as canções de medo, morte e pranto não prima pelo sentido de oportunidade. Embora a maior parte seja vitalista, isto é, convoca a morte para dar vida à vida, menos pelo ânimo e mais pela reacção. Aliás, ninguém provou que a estética do bom é melhor que a estética do mau. A qualidade da estética não depende da qualidade do motivo. Seja como for, importa retomar os gestos edificantes. As pessoas estão a precisar reforço e não de desalento. Vou continuar a publicar as ditas canções, mas não o digo!
#ResilientItaly, da Barilla, é uma ode ao povo italiano, une, ajuda e resiste. As imagens são belas e a voz é da Sophia Loren. Há anúncios que não precisam de voz. Basta a ideia e as imagens. É o caso de Courage, da Dove.