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Notável e notório. A formiga e a cigarra, o galo e a galinha

Moledo, domingo. Proporciona-se um mergulho no adubo humano.

Notável é aquilo que é “digno de nota”, “merecedor de consideração e apreço”; notório, o que é notado, “conhecido por um grande número de pessoas”. Pode-se ser notável sem ser notório; e notório, mas não notável. Numa sociedade da imagem, da rede e do artifício, prevalece o notório. Chegados a esta encruzilhada, apetece reequacionar a fábula de La Fontaine: hoje, quem morre de fome não é a cigarra, notória, mas a, a formiga, notável. A cigarra polariza o reconhecimento. Sendo esta a verdade mundana, importa refundar as pragmáticas, as éticas e as teodiceias.

A propósito da cigarra e da formiga, acode-me a relação entre o galo e a galinha, cantada, com inspiração e humor, por Sérgio Godinho.

Sérgio Godinho. O Galo é o Dono dos Ovos. Pano-Cru. 1978. Ao vivo no Centro Cultural de Belém.

Publiquei, em 2011, uma fábula no ComUm, boletim da Universidade do Minho, com o título “Fábula comUM” (contemplada no Tendências do Imaginário com o título “Fábula das formigas sabichonas”). A Universidade tinha a virtude da homeopatia: sabia digerir o “mal”, a adversidade, expondo-se à crítica mordaz e sarcástica. É certo que as farpas se afogavam na gordura académica. Destilada e delirante, a escrita enferma de um vício que não me larga: discorrer sem explicitar o assunto. O leitor que adivinhe e o resto reverbere. O “segredo” remetia para a implementação da política dos rácios alunos/docentes consoante os cursos, depressa extrapolada, abusivamente, para os departamentos. Um veneno que as universidades, em particular a do Minho, devoraram. Este desvio de uma fórmula de financiamento para uma forma de governo desvirtuou o mundo académico, resultando numa legitimação e num reforço dos interesses e privilégios instalados ou em vias de instalação. Uma deformação que, a par do controverso processo de Bolonha, contribuiu estruturalmente para o atual desequilíbrio institucional das universidades portuguesas.

Para aceder à “Fábula das formigas sabichonas”, carregar na imagem seguinte ou no endereço https://tendimag.com/2011/11/13/fabula-das-formigas-sabichonas/

Desequilíbrio fórmico

Galinhas acrobáticas

Galos de Barcelos.

Aquelas que vão morrer te saúdam! Galinhas, ovo acrobático na pata, esmeram-se desportivamente. Não desmerecem dos galos da seleção francesa. Brilham, brilham até à embalagem final. Desde o ovo até ao churrasco. Brilhar ou não, eis a questão.

Marca: KFC. Título: Selection des meilleurs poulets. Agência: Havas (Paris). Direção: J&L. França, Junho 2021.

Bem-estar animal

« Na produção de ovos, as galinhas poedeiras são sistematicamente abatidas por volta dos 18 meses, idade a partir da qual se tornam menos produtivas, logo menos rentáveis, quando podem viver, em média, 6 anos (…) A start-up compromete-se a alimentá-las, alojá-las, cuidar delas, durante toda a sua vida graças à venda dos ovos Poulehouse” (Poulehouse).

O anúncio L’Oeuf qui ne tue pas la poule, da Poulehouse, é uma iniciativa ética e estética notável. Um belo gesto, uma bela história e uma bela animação. Confesso não conhecer nenhum criador de galinhas que espere pela sua morte natural. Aguarda-se pelo direito à vida e à reforma dos frangos.

Há animais felizes. “A Queijaria de Melgaço cria cabras em ambiente de SPA” (Alto Minho TV). Têm música ambiente, massagens, espaços diversificados… Cabras descontraídas dão mais e melhor leite.

“As cerca de 400 cabras são massajadas e ouvem música relaxante, num autêntico ‘parque anti- stress’. O agradecimento é uma média diária de 250 litros de leite de qualidade, que originam seis variedades de queijo” (Alto Minho TV).

Alto Minho TV. Queijaria de Melgaço cria cabras em ambiente de SPA. Maio 2017.

A ascensão das galinhas

SergioGodinho-Pano-CruAs aves cantam ou chilreiam. Diz-se: “quando te vejo, o meu coração canta”. Com menos frequência, também se diz: “quando te vejo, o meu coração chilreia”.

Atente-se nos seguintes versos do poema A Omeleta de Egito Gonçalves:

Respiro-te. A voz do frigorífico
entoa sobremesas com a arte da poesia.
O poema leveda no trigo dos olhares.
Ao transcrevê-lo
direi que o nosso coração chilreia
no ar do jardim
como se fosse um pássaro no mais alto
ramo.

Egito Gonçalves, A Ferida Amável,
Porto, Campo das Letras, 2000.

Mas ninguém diz “quanto te vejo, o meu coração cacareja”. Os melros cantam, os pardais chilreiam e as galinhas cacarejam. Sendo a língua um bom indicador, a nossa consideração pelas galinhas é mínima. Degustamos os ovos, afagamos os pintainhos e menosprezamos as galinhas. Mas assiste-se, nos últimos tempos, a um chicken turn, uma revolução na imagem das galinhas. Irradiam um novo potencial cívico, ético e estético. O filme A Fuga das Galinhas e a série Cow & Chicken são apenas dois exemplos. A publicidade tem abraçado esta revalorização simbólica das galinhas. Neste anúncio da Reebok, dirigido por Noam Murro, a protagonista é uma galinha amante da liberdade. Um dia correrá com sapatilhas Reebok e será um expoente do sex appeal galináceo. Entretanto, as galinhas ao poder! Os galos já chateiam. A dialéctica da capoeira é contudo complicada. As galinhas põem os ovos, “os galos são os donos dos ovos” e os pintos só pensam em ser galos no lugar do galo (ver Sérgio Godinho, O galo é o Dono dos Ovos).

Marca: Reebok. Título: Live Free Range. Agência: Venables Bell & Partners. Direcção: Noam Murro. USA, Janeiro 2015.

O voo da galinha

tigerairÀ semelhança do que sucedeu com as tartarugas, os sapos e os porcos, as galinhas estão em vias de valorização simbólica (http://tendimag.com/2013/10/06/a-galinha-e-o-politico/). Menos estúpidas, mais vistosas, as galinhas são, agora, empreendedoras. Ainda não voam, mas estão prestes a fazê-lo, tal como os clientes potenciais da companhia de aviação australianaTigerair.

 “The Infrequent Flyer program represents exceptional value for Australians who don’t fly all that often. And who better than the chickens of Australia to represent those who just don’t fly that much? It’s a deliberately fun and unconventional spot, just like the program itself” (McCann Melbourne).

Marca: Tigerair. Título: Chickens. Agência: McCann Melbourne. Direcção: Raphael Elisha. Austrália, Novembro 2014.

Galináceos

Cow and Chicken.

Cow and Chicken.

Este artigo não acerta uma. É um disparate. Nem método  tem, só abre caminho. Não releva da doxosofia (Pierre Bourdieu), mas da metanóia (Philippe Tacussel). Assim se vê como se pode escrever caro e obscuro sem dizer nada de jeito. Chamo a isso o efeito da língua morta, como nas missas em latim (Mikhail Bakhtin). É uma arte que se aprende nas oficinas do saber. Este artigo é um albergue espanhol.
But I like it!

As galinhas da horta

Toca a esgaravatar! Esgaravatar com as patas inquietas e a crista a abanar… Que as asas só servem para correr rente ao chão.

Doidas, doidas, doidas, andam as galinhas
Para pôr o ovo lá no buraquinho
Raspam, raspam, raspam
P’ra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam
Para fazer o ninho
Raspam, raspam, raspam
P’ra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam
Para fazer o ninho…
(canção infantil  – excerto)

Em França,  existe uma canção infantil semelhante:

Une poule sur un mur
Qui picotait du pain dur
Picoti, picota,
Prends tes cliques et puis t’en va !

Psycho-Chicken Geocoin

Psycho-Chicken Geocoin

Esta canção infantil encerra boas lembranças. Olivier Revault d’Allonnes, falecido em 2009, foi um filósofo da estética do tempo de Lucien Goldman, Jean Duvignaud e François Châtelet. Revault d’Allonnes propôs aos alunos a interpretação do  texto desta canção, ensaiando diversas metodologias: a história literária tradicional, o estudo das fontes, a etnografia, o estruturalismo, a psicanálise, a crítica marxista… Resultou um texto incisivo e divertido: “Sur un art des “masses enfantines” (L’art de masses n’existe pas, Union génerale d’éditions, col. 10/18, Paris, 1974). Tive o livro, raro, mas emprestei-o. Procuro-o há anos, para sensibilizar, com criatividade e humor, os alunos para a diversidade de abordagens nas ciências sociais. Encontrei-o hoje, graças às galinhas, que andam doidas, doidas, doidas. Para aceder ao pdf do texto de Revault d’Allonnes, carregar aqui: Olivier Revault d’Allonnes. Sur un art des masses enfantines.

A galinha vai ao palácio

Mudando de género musical,convide-se a galinha ao palácio. La Poule, de Jean-Philippe Rameau (1583-1764), é contemplada com imensos vídeos na internet. Alguns com animação interessante. A interpretação de Grigory Sokolov alia a qualidade do artista a um movimento de mãos que dispensa qualquer outra forma de animação.

Jean-Philippe Rameau. La Poule. Piano: Grigory Sokolov.

 E o galo treme no poleiro

Na Quinta dos Animais, para além da galinha e dos porcos, vive, naturalmente, o galo, o dono dos ovos (Sérgio Godinho: O galo é o dono dos ovos – Pano-cru, 1978).

Sérgio Godinho. O galo é o dono dos ovos. Ao vivo no CCB. Lisboa.

Amalgamámos, num único artigo, música popular, música erudita e música de intervenção. Deveras inconveniente, senão de mau gosto. Mas é uma tentação aproximar o que está separado (comparare, comprehendere). Que se abrace quem tanto se afasta! Juntar o que está separado não é menos gratificante do que separar o que está junto (disparare, discernere).

 

A nova Mata Hari

Domino's chicken

Este anúncio da Domino’s é curtido. Uma galinha é a vedeta de um video musical de dança techno. Podia ser um galo. E o anúncio, em vez de australiano, podia ser francês ou português. Mas não, nem sequer frango. Uma galinha, nem mais nem menos, a criatura de Deus simbolicamente mais desprestigiada. Para promover o lançamento de uma nova pizza, à base de bacon e frango, a agência The Campaign Palace, de Sydney, desencantou, em boa hora, este one chicken show.

Marca: Domino’s. Título: Domino’s pizza: Techno Chicken. Agência: The Campaign Palace, Sydney. Direcção: Luke Savage. Austrália, 2008.

A maldade compensa

Jaguar vs chickenNem tudo é fé, esperança e caridade na quadra natalícia. Há anúncios que parodiam a marca rival e, num assomo de malvadez, comem-lhe a mascote, a célebre galinha com controlo corporal mágico. Good to be bad! A maldade compensa.

Marca: Jaguar. Título: Jaguar vs chicken. USA, Dezembro 2013.

Não fazer compras dá azar

Sears. The Denskies. MediumEvitar fazer compras dá azar. Os Denksies são uma família que anda sempre à cata de esquemas alternativos às compras. O resultado é uma série de catástrofes. Medium é um dos anúncios da campanha da Sears. Foi publicado por altura do Halloween, com bruxas, monstros, feitiços e metamorfoses a condizer. Registe-se, por último, a ascensão da galinha no ranking mediático.

Marca: Sears. Título: Medium. Agência: mcgarrybowen, Chicago. Direção: Martin Granger. USA, Novembro 2013.

Galinha

Andes. The miraculous henEste anúncio argentino apresenta uma nova versão da fábula de Esopo “A galinha dos ovos de ouro”. Só que o ovo é, agora, uma garrafa. Gosto de galinhas. Em francês, ma poule (minha galinha) é uma expressão de afecto. Em Portugal, “galinha choca” aproxima-se do insulto. Saussure diria que a palavra poule em francês e a palavra galinha em português não têm o mesmo valor. Não se prestam ao mesmo.

Marca: Andes Barley. Título: The miraculous hen. Agência: Delcampo Saatchi & Saatchi. Direção: Agustin Alberdi. Argentina, Outubro de 2013.