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Avalanche de imagens

Netflix. Resident Evil, Official Trailer. 2022.

Estou a ver A Roda do Tempo. Queixo-me ao meu rapaz: tudo passa muito depressa. Estás desfasado. Agora não é como dantes! Parodia, em câmara lenta, as cenas do Tarkovsky, do Bergman, do Fellini, do Kurosawa, do Oliveira… Mas condescende: o primeiro episódio é o mais concentrado, inicialmente estava previsto ser desdobrado em dois. Resisto: o Senhor dos Anéis é lento! Repara, o conjunto dos livros da trilogia dos Senhores dos Anéis tem cerca de 1 230 páginas e os três filmes duram 12 horas; os 14 volumes da Roda do Tempo têm mais de 11 000 páginas e a primeira temporada dura pouco mais de 7 horas. Parece um cocktail [um shot?] de economia e estética. A juventude hoje sabe tudo!

Sinto-me ultrapassado. Estranho estas avalanches de imagens aceleradas, densas, acentuadas e cortadas. Opto por me refugiar na publicidade. Estava longe de suspeitar o que me aguardava. Nem me apetece comentar.

“For the launch of their new horror series Resident Evil this week, global streaming platform Netflix installed a terrifying live installation on the streets of Santa Monica. Created by US creative agency, Founders, part of By The Network, the activation takes place on one of Santa Monica’s busiest streets. Played out by an actor, a man infected with the T-Virus (the virus from the series) is imprisoned in a huge glass cage and over the space of four hours turns into a Zero (the frightening infected creatures from the series) before breaking free from the cage and chasing into the crowd, thirsty for blood. The TikTok film has already attracted over 15 million views, and counting” (https://www.adsofbrands.net/en/ads/netflix-resident-evil/14451).

Marca: Netflix / Resident Evil Season 1. Título: Man Infected with T-Virus | Pedestrians React. Agência: Founders, NY. Direção: DIGBY. Estados-Unidos, julho 2022.
Marca: Netflix. Título: Resident Evil | Official Trailer. Estados-Unidos, julho 2022.

Mudo para uma base de dados francesa. Espera-me uma declaração de amor pátrio precipitada num carrossel de imagens fugidias e músicas sincopadas. Tamanha velocidade ultrapassa-me!

Marca: Renault / Nouveau SUV Renault Austral. J’aime la France. Agência: Publicis Conseil. Direção: Maud Robaglia. França, março 2022.

Vida à distância

Samsung. The Awesome Product Adventure, abril 2022.

Cúmulo de grotesco, fantasia e magia, o anúncio The Awesome Product Adventure, da Samsung é, parafraseando Luc Boltanski (La souffrance à distance, 1994), uma paródia criativa e desenfreada de uma vida à distância refastelada num sofá ubíquo. A instalação Emoções Confortáveis da exposição Vertigens do Barroco, no Mosteiro de Tibães, em 2007, já convocava o fenómeno: chamava-se Emoções confortáveis. Esta género de paródia tem precedentes na própria publicidade, por exemplo, o anúncio chileno Digital Tv, da VTR CABEL TV (2008). Mas existe quem aprecie abandonar o sofá para desfrutar de outras vidas.

Marca: Samsung. Título: The Awesome Product Adventure. Agência: Wieden + Kennedy (Amsterdam). Direção: Keith Schofield. Reino Unido, abril 2022.
Marca: VTR CABEL TV. Título: Digital Tv. Agência: Lowe Porta Santiago. Direção: Cucho Olivares. Chile. 2008.

O menino de suas mães

01. Mãos segurando flores de lótus que simbolizam a eternidade. Detalhe de escadaria de Persópolis.

“Estava invadido face à fotografia por um desejo “ontológico”. Queria a todo o preço saber o que ela “em si mesma”, através de que traço essencial se distinguia da comunidade das imagens” (Roland Barthes, La chambre claire – Note sur la photographie, 1980. Minha tradução).

Participo no projeto Quem somos os que aqui estamos, coordenado por Álvaro Domingues, focado nas freguesias do concelho de Melgaço: concluímos o estudo dos agrupamentos de Parada do Monte & Cubalhão (ver A sociedade dos guarda-chuvas: https://tendimag.com/2019/04/10/a-sociedade-dos-guarda-chuvas/); e Prado & Remoães (ver https://tendimag.com/2019/08/11/o-egomundo-e-a-pavimentacao-da-vida/). Debruçamo-nos, neste momento, sobre as freguesias de Castro Laboreiro e Lamas do Mouro (ver http://mdocfestival.pt/projetoquemsomos.php). Entre os resultados obtidos, constam quatro livros (de textos e de fotografias), exposições de fotografia documental, com os respetivos catálogos, exposições de fotografias a partir de álbuns familiares e um registo audiovisual (Fotografias faladas; ver O Baloiço: https://tendimag.com/2019/10/23/na-paz-do-senhor/).

Estes projetos, imersivos e interativos, acabam por influenciar as pessoas. As coletividades aderem e reagem. Em Prado, minha terra natal, tal como de Álvaro Domingues, despoletou-se e acentuou-se o amor pela fotografia local familiar, e o consequente entusiasmo pela revisitação e pela partilha. Dedica uma página, concorrida, no Facebook: Freguesia de Prado (https://www.facebook.com/search/top/?q=freguesia%20de%20prado). Mas estes projetos também se pautam como fonte de reflexividade. Quem estuda também se revê e reinventa. A realidade desafia-nos e sensibiliza-nos. Normalmente, como diria Marcel Mauss, quem recebe sabe dar.

02. “Grande Borga no Rio Minho” (Freguesia de Prado: https://www.facebook.com/search/top/?q=freguesia%20de%20prado). Familiares: Mãe Ilda, baixo esquerda; avô Amadeu, baixo direita; prima Delfina, tia Esperança e tia Celina, meio esquerda; tio Nino, cima à esquerda.

Surpreenderam-me duas fotografias com parentes próximos que desconhecia, a primeira colocada por Maria Morais, no dia 24 de Novembro de 2020 (fotografia 2), a segunda por Daniel Maciel, no dia 18 de dezembro de 2020 (fotografia 3). Figuram o meu avô Amadeu, a mãe Ilda, o tio Nino, as tias Celina, Leonor e Esperança, bem com a prima Delfina (ver legenda). Todos maternos. As fotografias, mais ou menos conservadas, brilham como testemunhos, memórias, afetos e fábulas.

03-. “Amigas de Melgaço” (Freguesia de Prado: https://www.facebook.com/search/top/?q=freguesia%20de%20prado). Tia Leonor, prima Eduarda, e mãe Ilda.

Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada.
(Zeca Afonso. Minha Mãe. Baladas e Canções. 1964/1967)

Pois eu tenho quatro mães: a minha mãe, Ilda, cuidou de mim até aos cinco anos e dos dezoito aos vinte e dois, já em Paris; emigrada, prossegui com a tia Celina até aos doze anos; por seu turno, emigrou; acolheu-me a tia Leonor até aos dezassete; antes do casamento, reparti-me entre a tia Celina, em Prado, e a tia Edite, paterna, em Braga. Três tias segundas mães. A minha mãe e a tia Leonor partiram, desacompanhadas, em plena pandemia. Na mesma semana, com diferença de dois dias. Conserva-se a tia Celina, um regaço de amor, felicidade e dissabores.

Quatro mães e oito irmãos. Recordo um episódio. Já docente na Universidade do Minho, regressava aos fins-de-semana a casa, ao conforto da tia Celina. Noite dentro, aguardava-me o cão, na paragem do autocarro, e, na cozinha, um escalope de vitela, com ovo estrelado e batatas fritas. Atentas ao ritual, as primas, gêmeas infantes, protestavam que a mãe cozinhava melhor para mim do que para as próprias filhas. Ainda agora se mostram, com humor, ciumentas! A diferença residia, obviamente, no apetite de um desaninhado. Anedotas de uma vida ávida de pequenos nadas.

04. O menino.

Já Tininho não sou! Não se é, contudo, menino de quatro mães em vão, redobra-se a biografia e a personalidade. Dou graças ao criador por esta fragmentação fluída e entrelaçada! Diz-se que sabe escrever direito por linhas tortas.

Albertino Gonçalves, 30 de agosto de 2021.

Blasfémia

Todos temos um anjo da guarda e um demónio pessoal. Às vezes, atravessam-se no pensamento. Perdemos lucidez e postura.

Devils and Hell’s flames. Séc. XIV.

“À liquidez de Zygmunt Bauman (Liquid Modernity. Cambridge: Polity Press, 2000), prefiro a moleza de Abraham Moles (Les sciences de l’imprécis, Paris, Ed. Seuil, 1990). Permite conceber as pessoas como pedaços de plasticina. O homem pós-moderno é um pedaço de plasticina arco-irisada. Um contexto, uma cor, outro contexto, outra cor. Esta moleza camaleónica caracteriza-nos por dentro e por fora. “Eu sou vários”, logo proliferação; eu sou versátil, logo multiusos. Uma complexidade flexível? Uma equação para quase nada. Líquido? Mole? Quase nada?

Emil Nolde. Masks Still Life III. 1911.

Dos falecidos de infância, ainda lembro, cinquenta anos depois, o feitio, o carácter. Naquela pobreza, não havia ninguém incaracterístico. Mortos com identidade. E os novos mortos multidentitários? Quanto tempo vão persistir na memória colectiva? Arrisca-se não ser nada quando se é tudo. Uma pessoa estilhaçada é uma nuvem de estilhaços. Um nada volumoso em órbita de electrão. Quantos eus, quantas expressões de si, cabem numa única sepultura? Quais são as flores preferidas do defunto? O que nos impede de conduzir uma metáfora até aos últimos limites?” (Assinatura: Demónio de trazer por casa).

Marca: Rocket Morgage. Título: Comfortable. Agência: Highdive. Estados Unidos, Fevereiro 2020.

Beleza oriental

O anúncio turco Giysilerin Askina, da Yumos, é uma raridade estética. Tudo é bonito, as pessoas, frescas, a paleta de cores, fantástica, e a banda sonora, que inclui uma música cantada em português. Diga o que disser, diga-o com flores.

Acrescento o anúncio da Elidor, Güç Doğamızda Var, produzido pela mesma agência: Wunderman Thompson Turkey. Comparativamente, o colorido desbota um pouco e a banda sonora é menos elaborada, o que resulta, de algum modo, compensado pelo diálogo criativo entre fragmentos, metades, do ecrã.

Dois anúncios excelentes!

Marca: Yumus. Título: Giysilerin Askina. Agência: Wunderman Thompson Turkey. Direcção: James f. Coton. Turquia, Janeiro 2020.
Marca: Elidor. Título: Güç Doğamızda Var. Agência: Wunderman Thompson Turkey. Turquia, 2018.

Podia ser pior

Circle of Giuseppe Arcimboldo. Housewife. An Anthropomorphic Still Life With Pots Pans Cutlery A Loom And Tools

Circle of Giuseppe Arcimboldo. Housewife. An Anthropomorphic Still Life With Pots Pans Cutlery A Loom And Tools.

“Eu é um outro” (Arthur Rimbaud. Carta a Paul Demeny, 15 de Maio de 1871).

Usamos máscaras; somos máscaras. Fragmentados, somos um puzzle desencaixado e instável. Tudo se decompõe, tudo se move, menos as doenças de estimação. Hoje, fiz uma ecografia. Temia um problema, afinal tenho dois: fígado gordo e calhau na vesícula! Apetece-me celebrar! Por exemplo, com vídeos musicais focados na miscelânea de cacos que nunca deixamos de ser. Os dois primeiros são suaves, o terceiro é cáustico.

Antes de passar aos vídeos, uma anedota que o meu avô gostava de contar.

Dois amigos conversam.

  • Ontem um comboio atropelou uma procissão que atravessava a passagem de nível.
  • Podia ser pior…
  • Como podia ser pior?
  • Se o comboio viesse atravessado…
  • Ontem, Fulano matou um homem que estava com a mulher no quarto.
  • Podia ser pior…
  • Como podia ser pior?
  • Se fosse na noite anterior, o morto era eu.

Katie Melua. I Cried For You. Piece by Piece. 2009.

Damien Rice. 9 Crimes. 9. 2006.

Pearl Jam. Life Wasted. Pearl Jam. 2006.

Desfragmentação

Tim Richardson é um fotógrafo e realizador australiano com uma carreira notável. Trabalhou com Spike Lee, os LCD Soundsystem, os Radiohead, Lady Gaga… Dirigiu anúncios publicitários para as seguintes marcas: Van Heusen, Nars Cosmetics, Mugler e Givenchy. O vídeo 6 Breaths resultou de uma encomenda do coreógrafo Rafael Bonachela. Foi exibido durante a Bienal de Dança de Veneza. Decanta uma fragmentação que raia a pulverização, ora decomposta, ora recomposta, com elevado primor técnico e estético.
Para aceder ao vídeo, pode carregar na imagem ou utilizar o seguinte link: http://timrichardson.tv/six-breaths.

Tim Richardson

Tim Richardson. 6 Breaths. 2010.

Palavras com imagens

A palavra sempre foi importante na publicidade. Em alguns anúncios é, porém, muito importante. A França é um país que cultiva sobremaneira a palavra. Vê-se nestes dois excelentes anúncios produzidos pela mesma agência de publicidade, a Publicis Conseil (Paris), para marcas francesas (Galeries Lafayette e Orange), com realizadores franceses (Philippe André e Bruno Aveillan). A palavra como eixo da imagem.

Marca: Orange. Título: Les Mots. Agência: Publicis Conseil, Paris. Direcção: Philippe André. França, 2009.

Marca: Galeries Lafayette. Título: Recette d’une femme mode. Agência : Publicis Conseil, Paris. Direcção : Bruno Aveillan. França, 1998.

Pós

Sissy Boy JeansEste anúncio da Sissy Boy Jeans acaba de inventar a figura da Pigmaleoa Narcisa? Pelos vistos, a identidade não se fragmenta, duplica-se. Na fragmentação, a aritmética é feita de divisão e subtracção. Esta aritmética é diferente, é feita de multiplicação e adição. Não produz retalhos, antes réplicas. Uma mitose. Fragmentação ou clonagem? Caberá a Pigmaleoa Narcisa na pós-modernidade? E na pós-humanidade? Há conceitos felizes. Albergam tudo. Ocos como os fantasmas. Quase tudo por fora e quase nada por dentro. Como diria o meu avô paterno, se calhar, é tudo uma questão de escala. E o meu avô materno acrescentava: e de perspectiva. Está tudo dito! Apesar da liquidez em que navegamos, continuo a preocupar-me com a réplica, com a mesmidade arregimentada, com as identidades sedimentadas em moldes comuns. Não se afoitem a arquivar a primeira metade do séc. XX como período historicamente extraordinário. Extraordinários somos nós! Brinquemos, pois! Com coisas sérias.

Marca: Sissy Boy Jeans. Título: Unwrapped. Agência: M&C Saatchi. Direção: Ian Gabriel. África do Sul, Julho 2013.

Expressão

Um momento de boa disposição, em especial para os amantes de histórias bem contadas! Quase sem palavras… O paradoxo da individualização em grupo. Desde o recorte inicial do espelho até à montagem da anamorfose final, este anúncio lembra, sequência a sequência, a microssociologia de Georg Simmel.

Marca: Philips. Título: Exprésate todos los días. Agência: Phantasia, Lima. Perú, Agosto 2012.