Virtualidades pouco virtuosas

Cada vez se torna mais complicado distinguir a realidade do imaginário. Por vezes, somos mais estimulados pela cópia do que pelo original. Tomamos, inclusivamente, como reais realidades que nunca existiram. Jean Baudrillard fala em hiper-realidade. Estes três anúncios da Fotoprix são duplamente dúbios: pela ilusão e pela mensagem. Virtualidades pouco virtuosas.
Cirurgia à memória coletiva

Interessa-me a questão da destruição da arte. É uma modalidade de erosão da memória coletiva mais frequente do que estamos, espontaneamente, inclinados a pensar. A arte não detém, contudo, o exclusivo. Longe disso. Existem outros mundos alvo de apagamento da memória coletiva, alguns relativamente próximos da arte. É o caso de espaços de diversão e lazer tais como a Feira Popular de Lisboa ou o Palácio de Cristal do Porto devorados pela reconversão urbana. Em Braga, sucedeu algo semelhante à Bracalândia.

A propósito da exposição e do livro de fotografias, ambos com a mesma designação (Despedido), de Valter Vinagre (Narrativa, Alvalade), o jornal Público / ípsilon de hoje (18 de Dezembro de 2022, 7:46), dedica um artigo de fundo, da autoria de Sérgio B. Gomes, às “feridas” e às “cicatrizes” da Feira Popular de Lisboa, com o título “Notícias de um fantasma: Feira Popular de Lisboa”. Ousando extrair dois parágrafos, recomendo a leitura.
Nas sete fotografias de destruição da feira escolhidas por Vinagre — as mesmas, tanto para o livro (edição da Pierrot Le Fou, com ensaio de Emília Tavares), como para a exposição — só se vislumbram pormenores em segundos planos que identificam Lisboa. Este “fotografar de dentro para dentro” foi uma opção deliberada na tentativa de provocar “mais curiosidade” e de alargar o campo de discussão. “Ao fechar estas imagens, posso falar mais amplamente sobre destruição de memória colectiva, porque não as vemos apenas como fotografias de entulho da antiga Feira Popular, mas de qualquer processo de destruição de memória colectiva. Claro que elas pertencem a uma geografia, neste caso lisboeta, mas eu quero falar de um problema que é mundial, sobretudo das grandes cidades.
Se se perguntar hoje porque é que a Feira Popular de Lisboa acabou (ou foi acabando, consoante quem perguntar), a resposta pode ser tudo menos evidente ou simples. Um pouco como se se perguntar no Porto porque é que o antigo Palácio de Cristal foi destruído. Aqui, a resposta pode ser: porque a cidade não tinha um espaço para organizar o Campeonato Mundial e Europeu de Hóquei em Patins Masculino de 1952. Mas é sempre mais complexo do que um facto, um soluço, uma dificuldade, a falta de um campo de patinagem, um presidente, um vereador. E não é por acaso que muitos, dentro e fora do Porto, se referem ao actual Super Bock Arena — Pavilhão Rosa Mota como “Palácio de Cristal”. Será um sinal de que as cidades são as pessoas, o usufruto que delas fazem, carregado com os seus imaginários, os seus quotidianos? Que cidade é Lisboa agora? É de ruínas que ainda falamos? “É. Quando olho para a cidade hoje, sobretudo a cidade que foi despejada, vejo-a cheia de cores, mas o que está à minha frente parece um filme — o que nos é dado a ver, porque já só quase vemos a cidade de fora —, é como se fosse um cenário. Os que viveram a cidade antes não conseguem abstrair-se do que existia. Por muito que gostemos de ver os bairros de Lisboa sem a decrepitude ou com condições de habitabilidade infra-humanas, aquilo que aconteceu é que deixou de ser isto para ser um artifício, um lugar a que não se tem acesso — ou melhor, só se entra nele se for para trabalhar, não para viver, porque não há poder económico para viver na cidade.
(Sérgio B. Nunes. Público / ýpsilon. “Notícias de um fantasma: Feira Popular de Lisboa”. Jornal Público, 18 de Dezembro de 2022, 7:46)
Plenitude afetiva

A relação entre pai e filha nem sempre é fácil, mas pode propiciar, com a ajuda da tecnologia HP, momentos inesperados de satisfação e plenitude afetivas. Um pouco à margem no anúncio Little Moments, da HP, resulta surpreendente a figura da “mãe”, quase reduzida ao papel, decisivo mas discreto, de fotógrafa.
Apego à terra. Fotografias de Castro Laboreiro
Segue o artigo “A despovoada, bela e bravia Castro Laboreiro vive no passado à espera do fim”, do Jornal Público, com 8 fotografias magníficas de Bruno Fernandes. Carregar na imagem para aceder ao artigo.
Caras sorridentes

I just want to celebrate another day
Oh, I just want to celebrate another day of livin’
I just want to celebrate another day of life
Don’t let it all get you down, no, no
Don’t let it turn you around
And around and around and around and around
Round, round, round
Round, round, round, round, round
Don’t go round(Rare Earth. I Just Want To Celebrate. 1971).

Rare Earth é o nome de uma excelente banda dos anos sessenta e setenta bastante ignorada na altura e muito esquecida depois.
Testemunhos

O mundo precisa de testemunhas e de testemunhos. A fotografia é um dos mais válidos, oportunos e expressivos. A não ser quando é fabricada. Neste último caso, pode, eventualmente, aproximar-se da arte ou, inclusivamente, tornar-se mais real do que o real. O anúncio da Leica, The World Deserves Witnesses, providencia uma magnífica galeria de imagens.
A riqueza humana

Prima irmã (beneficiei do cuidado e do afeto de quatro “mães”: a mãe Ilda e as tias Celina, Leonor e Edite), a Salomé enviou-me, discretamente, esta “muy hermosa y sencilla canción”, The Haves, do Eddie Vedder. Mais do que qualquer outra realidade, a partilha da música é uma entrega pessoal, uma dádiva de si. Como é bom receber! Embora esteja em crer que é mais grato dar.

Bem hajas, pelo gesto e pelo exemplo! Não hesites em repeti-lo. Na autoestrada entre Viana de Castelo e Braga, destaca-se, num dos suportes para publicidade, o seguinte provérbio: “O que não é visto não é lembrado”. É uma meia verdade. Pelo sim, pelo não, junto três fotografias para regalar o olhar e a memória.

Dou-me bastante bem com o isolamento. Não convivo mal a sós comigo próprio. Aflige-me, no entanto, a clara consciência de que o outro é que é a minha maior riqueza.
Adolescência militante

A escassos dias das eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975, tinha 16 anos e pouco siso. Atravessava o meu cúmulo de envolvimento político. Poucos meses depois, desligava-me, para sempre, de qualquer militantismo político. A bipolaridade do costume.
Em pose híbrida, um misto de estudante e ativista, sento-me no “poleiro” do quarto que partilhava com o Álvaro, amigo com bonomia suficiente para suportar extravagâncias. Numa época em que predominavam os posters com modelos femininos e carros de corrida, a decoração é monopolizada por cartazes eleitorais. Nas costas daquele pequeno casaco, gravei, com precioso esmero, o rosto de Karl Marx!
Estudante no Liceu Sá de Miranda, estava interno no Colégio D. Diogo de Sousa, onde beneficiava de um vislumbre de tolerância especial. As autoridades entenderam por bem ignorar esta quase subversão institucional. Mas não permitiram, contudo, que o cartaz da janela estivesse virado, como inicialmente, para o exterior.
O John, outro companheiro de aventuras, enviou-me esta fotografia com um momento expressivo de uma biografia feita de altos e baixos. Naquele tempo, proporcionava-se a criação de grandes amizades. Saudades!
Abrir a porta

Não sei porque escrevo, nem para quem! Não escrevo para convencer, nem sequer para seduzir. Não sou um almocreve de ideias e sentimentos. Escrevo porque me dá prazer! Com ironia e uma pitada de poesia. Gosto de dar ao mundo letras que dançam desequilibradas. Escrevo enquanto me dá prazer. Já me preocupei com as coisas e as pessoas. E pouco aprendi. As pessoas, as pessoas são fantásticas. Andam tão ocupadas. E eu a ruminar à sombra como uma vaca grávida! A ponte une mundos; a porta separa-os, mas liga e desliga. Já não estou onde estou. A porta é uma tentação. Acontece cair em melancolia, mas esta melancolia não presta, não vem de dentro mas de fora. Não aprecio a melancolia azeda, esgrimida, mas a melancolia destilada, que pinga gota a gota, depois de muito penar no alambique.
Hoje, o meu amigo faz anos, os mesmos que eu. Creio que ainda gosta destas músicas. As duas primeiras remontam aos tempos de estudante. A terceira é especial. Acompanhou-nos numa viagem entre Monção e os Arcos de Valdevez, pela estrada de Sistelo. A música é amiga da memória.