Velocidade pedagógica: o novo futurismo

“Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente” (Filippo Tommaso Marinetti, Manifesto Futurista, 1909).
A sensação que se desprende do anúncio Never Stop, da Universidade de Aukland, é velocidade, vertigem e futurismo.
O ensino é admirável. Um mundo novo, na era das learning machines. Antes do tempo, sem parar e sempre a subir, até ao pináculo. Educação acelerada, numa sociedade sem fios. Aguarda-se a aprendizagem instantânea: o implante de um chip, com actualizações automáticas, reciclável e sem plástico.
Acrescento, mais por vício do que por virtude, um hino hard rock à velocidade:a música Highway Star, dos Deep Purple (álbum Machined Head, de 1972, que inclui o consagrado Smoke on the water). Canta Ian Gillan que “ninguém lhe rouba a vida porque a guarda no inferno”.
O Rácio e a Fotografia
Não devia queixar-me das teses para ler no fim-de-semana. Um português não se queixa, aguenta! Como o valente Zé Povinho.
Marca: Fotoprix. Título: Babies. Agência: Casadevall Pedreno & Prg. Espanha, 1994.
Em 2006, a portaria nº 231/2006 hierarquiza os cursos de ensino superior atribuindo-lhes um rácio alunos/docente ETI. Salomónica e geómetra, fixa o rácio das Ciências Sociais e das Letras em 20 (simplificando, 20 alunos justificam um docente a tempo inteiro); o rácio de outras Ciências Sociais, como a Comunicação Social ou as Ciências da Educação, desce para 12. Na Enfermagem e nas Artes do Espectáculo, o rácio fixa-se em 8 e 5, respectivamente. Extrapolando, o resto permanecendo igual, a um sociólogo compete-lhe ler duas teses, a um cientista da educação, uma e a um docente das Artes do Espectáculo, meia.
Qual a razão destes rácios? Abreviando, enquanto uma aula teórica nas Ciências Sociais é uma aula teórica, nas outras Ciências Sociais, uma aula teórica é uma aula teórica;enquanto nas Ciências Sociais, uma aula prática é uma aula prática, nas outras Ciências Sociais, uma aula prática é uma aula prática; enquanto nas Ciências Sociais, uma aula laboratorial é uma aula laboratorial, nas outras Ciências Sociais, uma aula laboratorial é uma aula laboratorial; enquanto nas Ciências Sociais, uma tutoria é uma tutoria, nas outras Ciências Sociais, uma tutoria é uma tutoria… A este nível, estamos esclarecidos!
Quem diz docência, diz cargos de gestão. Respeitando as proporções definidas pelos rácios, enquanto nas Ciências Sociais para cada cargo existe, na prática, suponhamos, um docente, nas outras Ciências Sociais existem dois e na Enfermagem, quatro. Existem departamentos de Ciências Sociais em que dois terços dos docentes desempenham, pelo menos, um cargo na direção do departamento ou na direção de cursos. Precise-se que não são contemplados cargos como a coordenação dos estágios ou a coordenação dos alunos Erasmus, nem cargos exercidos fora do departamento, ao nível das escolas, dos centros e das extensões culturais, ou fora da Universidade. Não sobram os dedos das mãos para os contar. Há membros com dois ou três cargos. Em suma, há departamentos nas universidades portuguesas em que há mais cargos do que membros! Uma massagem de poder, um milagre de multiplicação das responsabilidades! Uma benção colectiva!
Os departamentos com maior densidade de cargos de gestão são departamentos com mais poder? Desencantemos. No essencial, os cargos de gestão são fonte de desgaste e não fonte de poder. Comportam, ainda, custos de oportunidade.
A portaria n.º 231 / 2006 introduz, ao nível da gestão, uma desigualdade entre departamentos: todos partilham as mesmas tarefas administrativas mas não os mesmos recursos humanos. Será que tal como a diferença entre as bebés, Mary e Andrea, do anúncio da Fotoprix, as diferenças entre departamentos residem na fotografia?
“Nasceram no mesmo dia, no mesmo momento, no mesmo lugar, acenavam do mesmo modo, o choro era idêntico, uma única coisa as tornava diferentes… Agora, as suas fotos 30% maiores pelo mesmo preço. Fotoprix, as melhores fotos, o melhor preço”.
Em 2011, escrevi a Fábula das Formigas Sabichonas inspirado nos rácios fixados pela portaria nº 231/2006. É, por sinal, o terceiro artigo mais visualizado do Tendências do Imaginário: http://tendimag.com/2011/11/13/fabula-das-formigas-sabichonas/.