A crise chega aos animais do presépio
O Papa dispensou a vaca e o burro do presépio, não obstante tantos séculos de antiguidade e uma assiduidade irrepreensível. Logo no meio desta crise. Mas a vaca e o burro não baixam os braços. São animais pró-activos. Este anúncio da Opal conta toda a história. Carregar na imagem para aceder ao vídeo.
Anunciante: Opal. Título: Natal Vitae. Agência: Opal Publicidade, Porto. Direcção artística: Tiago Ribeiro e Gonçalo Santos. Portugal, Dezembro 2012.
Inchaços
Os romanos estão loucos! Os franceses, também! E os japoneses não destoam. Mas o que me interessa são os inchaços dos portugueses. Não conheço país onde os patrões e os patrões dos patrões consigam tamanha notoriedade mediática. Algo como uma bolha (im)pressionante. Dizem que a função pública está inchada! Se Portugal está mal, cumpre-lhe a ela tomar o remédio! Menos 200 000 funcionários, e talvez não seja suficiente!
Quem, nas últimas décadas, inchou foi o sector empresarial financeiro. Até deu um arrombo no barco lusitano. Remédio: injecta-se dinheiro nacional e europeu. Não sei se as empresas e o tecido empresarial incharam muito ou pouco. Cada mês, mais de 700 empresas entram em processo de insolvência. E o desemprego não dá sinais de desinchar… It’s the econonomics, stupid! Até onde poderemos emagrecer o nosso Estado duplamente social? Duplamente, porque apoia a base mas também o topo da pirâmide. Temos o RSI, para sustento dos mais carenciados, mas também temos as OP e as PPP para as empresas, sobretudo as grandes. Obras públicas desenfreadas e parcerias público-privadas generosas. Uma barrigada que levará décadas a esvaziar. Resgate-se, estimule-se e pague-se até ao último anel! Em Portugal, os inchaços são maiores do que o pé do japonês. E estão onde se sabe. Querem, no entanto, que seja o Estado a emagrecer: 200 000 despedimentos, nem mais nem menos. Uns engordam, e os outros que tomem o laxante. É melhor calar-me, para dar o exemplo.
Marca: Sunshine Sakae. Título: Táxi. Agência: ADK (Tokyo). Japão, 2012.
O Fado e a Fava
Palavras poucas! Às vezes, apetece-me escrever palavras poucas. Como estas…
Segundo o Índice Vida Melhor, um estudo da OCDE envolvendo 36 países, no que respeita à satisfação com a vida, só os húngaros se sentem pior que nós. É o fado, vaticinarão os analistas da alma lusitana. Esta nossa propensão para o trágico e para o melancólico. O resto é resíduo. E a fava? Nunca em tão pouco tempo calhou tanta fava ao povo português. Convenhamos, desta vez, a insatisfação conjuga o fado e a fava. Perdigão que perdeu a pena, não há fava que lhe não venha! E nós acordamos depenados.
Portugal é um país cheio de relíquias não exportadas. O bolo-rei é uma delas. Quem se lembraria de esconder uma fava empedrada em massa mole? E um brinde igualmente duro e com arestas agressivas? O contemplado com a fava pagava o próximo bolo-rei. Ainda bem que a ASAE aboliu tamanho risco sanitário. Naquele tempo, ou engolíamos a fava ou pagávamos o bolo. Agora, engolimos a fava e pagamos o bolo. Quanto ao brinde, é mais uma fava.
Pois, Portugal, há uns tempos para cá, anda bem favado. Só para exercício de memória: corte até 10% nos vencimentos; corte do subsídio de férias; corte do 13º mês; corte nas deduções e nos benefícios fiscais; criação e aumento de portagens nas autoestradas; aumento do IMI; aumento do IVA; aumento das taxas moderadoras; aumento dos combustíveis… Não esquecendo o desemprego. Tanta fava, pouco arroz e nenhum chouriço!
As favas não tocam a todos. Assim como “alguns animais são mais animais do que outros”, também há portugueses mais favados do que outros. Por exemplo, os cortes dos subsídios salariais são apanágio dos funcionários públicos e dos trabalhadores de empresas públicas. Todos? Todos não, há umas tantas aldeias de irredutíveis que resistem: o Banco de Portugal, pela autonomia, a TAP ou a Caixa Geral de Depósitos, por “adaptação”. Pior que ser favado é ser favado à parte.
O que torna esta chuva de favas mais amarga é ter sido precedida por uma chuva de fadas. Lembro, como se fosse ontem, os novos troços de autoestrada, as eólicas, os submarinos, a duplicação do orçamento da ciência e da investigação, os protocolos com Harvard e Austin, o choque tecnológico, a Parque Escolar, o Magalhães… Recordo uma reunião com a participação de representantes de uma quinzena de países da Comunidade Europeia. A distribuição do Magalhães pelas escolas suscitou boa impressão. Um tanto gelada, no entanto, pelo comentário do representante de um dos países mais ricos da Europa: “Nós também gostaríamos, mas não temos recursos”.
A chuva de fadas era de tal ordem que até parecia que todos participávamos no desenho das despesas. Era uma despesa participativa. Discutia-se durante meses e anos a fio se o futuro aeroporto de Lisboa ia para a margem sul ou para a margem norte do Tejo. Se o TGV devia entrar em Espanha por um, dois ou três sítios.
Os portugueses disputavam os dinheiros do Estado. Pois, em menos tempo do que leva a pronunciar Troika, passou a ser o Estado a disputar o dinheiro dos portugueses. A causa da insatisfação dos portugueses reside no fado? São favas, Senhor, são favas!
Barcos de papel
À semelhança do Público, o jornal francês Metro optou por reduzir o formato, a modos como encolher para crescer num barco de papel em águas da crise. Com contos de fadas ou brincadeiras de criança, a publicidade persiste em colocar, como um cuco, o seu ovo no ninho dos nossos desejos.
Marca: Metro. Título: Goodbye former large Metro, Welcome to the new smaller one. Agência: 6: am – Fullsix Group, Paris. Direção: Jonty Toosey. França, Março 2012.
Crónica de um País Depenado
Depois de tanto prenúncio e tanto sofisma, Portugal acorda trágico. Não é uma mera reincidência da tragédia do fado ou da tragédia sebastiânica, trata-se de uma tragédia da acção, que nos faz e desfaz todos os dias. Não há, agora, guitarra ou nevoeiro que nos valha. Nem Castela ou Inglaterra que nos indigne. Cumpre-nos escolher sem chaves, apostar convictos numa travessia incerta. Não somos heróis, nem cretinos, transportamos apenas, à imagem do Zé Povinho, um peso que nos verga sem promessa de alívio. Mas, está escrito, a nossa alma não é pequena. Portugal é, sem dúvida, um país depenado, onde em cada esquina encontramos um Pedro Só (ver trailer e canção) dominado por “pequenos deuses caseiros”. Mesmo assim, indo além da “Cantilena” de Francisco Fanhais, conseguiremos cantar sem bico e voar sem asas, porque somos herdeiros da noite!
Trailer do filme “Pedro Só”, de Alfredo Tropa (1972); canção homónima de Manuel Freire.
Francisco Fanhais, Cantilena, 1969.