Partindo do princípio
Hoje, tive o privilégio de reouvir a expressão “partindo do princípio”. Eloquente! No que me respeita, partir por partir, prefiro partir do fim. O anúncio tailandês Who says tiny has to be weak?, da Kleenex, intriga-me. Focaliza-se no bullying. O anúncio parte de princípios: 1) o bullying é, sobretudo, físico; 2) a resposta é individual, da iniciativa da vítima. Em suma, a solução quer-se individual e física. Para lidar com o bullying, nada como a vítima tornar-se campeã de artes marciais: “follow Rika Ishige’s journey from former bullying victim to becoming Thailand’s top female ONE Championship athlete”.
Aproveito para disponibilizar um guia online de auto defesa: The Art Of Self Defense, da Walt Disney.
Marca: Kleenex. Título: Who says tiny has to be weak? Agência: J. W. Thompson BangKok. Direcção: Baz Poompiryia. Tailândia, Fevereiro 2018.
The Art Of Self Defense, Walt Disney Studios, Dezembro 1941.
Tolerância covarde
La mise au point é um anúncio promovido pelo Ministère de l’Éducation Nationale (França) dedicado ao bullying nas escolas. É, antes de mais, um anúncio sóbrio, o que é raro nos anúncios de denúncia. Sente-se a opressão quotidiana que sufoca as vítimas. O seu medo da próxima série de agressões, ao mesmo tempo iminente e imprevisível. Uma angústia escrita com letras de maldade. O bullying não é um quisto, é uma mancha que nos polui e nos degrada. A vítima podia ser nosso filho; o agressor, também. O anúncio centra-se na figura da testemunha que é incitada a falar. Apresenta duas vozes: a da vítima e a da testemunha. A voz da testemunha revela a dificuldade em assumir uma posição. Abordámos a questão da testemunha de bullying no artigo O Dilema da Testemunha (https://tendimag.com/2017/10/23/o-dilema-da-testemunha/).
Quando acordo maldisposto, surpreendo-me a pensar inconveniências. Por exemplo, que, em relação ao bullying, como em relação a outras formas de violência, há por parte de todos nós uma certa tolerância covarde. Mas se em vez de ocorrer na realidade, acontecer no ecrã, a reacção afigura-se-me outra: intolerância heróica, ou seja, o oposto. Tolerantes covardes na realidade; intolerantes heróicos face ao ecrã.
Anunciante: Ministère de l’Éducation Nationale. Título : La mise au point. França, Novembro 2017.
O dilema da testemunha
Bullying Jr., da Burger King, é mais um anúncio-causa promovido por uma marca. Não deixa, porém, de ser interessante. O bullying envolve, pelo menos, três tipos de actores: quem o pratica, quem o sofre e quem o tolera. Neste anúncio, testemunhas de uma agressão a uma criança, nove em cada dez pessoas incomodam-se, mas não intervêm. Reagem, porém, perante um hamburger maltratado. O que significa este comportamento? Não sei, mas pode arriscar-se um palpite.
Um espectador compulsivo de uma situação de bullying depara-se com uma situação de duplo vínculo: intervém, expõe-se à violência, logo à justiça; não intervém, permite a violência, logo incorre em não assistência a pessoa em perigo. Subsistem mais opções: a tentativa diplomática e a comunicação às autoridades.
“Preso por ter cão, preso por não ter”. Em que assenta este dilema das testemunhas de bullying? O cidadão moderno não tem direito ao uso da violência. Nem sequer a uma agressão verbal. Pode configurar um crime. Retomando Max Weber, o Estado detém o monopólio da violência legítima. Os fora da lei detêm o monopólio da violência ilegítima. Entre ambos, posiciona-se o cidadão domesticado, sem qualquer direito à violência, seja ela legítima ou ilegítima. Segundo Norbert Elias, o processo de esvaziamento do uso da violência por parte do cidadão remonta, pelo menos, à Idade Média. Este processo ainda continua.
O anúncio da Burger King coloca uma segunda questão: será, na nossa sociedade, mais razoável proteger os objectos do que proteger as pessoas? Todo o anúncio aponta nesse sentido.
Marca: Burber King. Título: Bullying Jr. Agência: David. Reino Unido. Outubro 2017.
Apolo e Dionísia
Videojogos, anime, bullying e artes marciais. Acresce a inversão dos papéis de género: a irmã mais nova luta pelo irmão mais velho, todo ele bondade e virtude. Estes temas são caros às novas gerações. Confluem alegoricamente num carro not more nice, o “juvenil” Nissan Micra.
O anúncio da Nissan lembra a antropóloga Ruth Benedict, que, na esteira de Friedrich Nietzsche, opõe culturas dionisíacas, mobilizadas para a guerra, e apolíneas, apostadas na paz (Padrões de Cultura, 1934). Num estudo dedicado à cultura japonesa, por encomenda do governo norte-americano durante a Segunda Grande Guerra Mundial (O Crisântemo e a Espada, 1946), Ruth Benedict retoma, de algum modo, a mesma tipologia: a sociedade japonesa é percorrida por dois modelos culturais opostos, simbolizados pelo crisântemo e pela espada.
Não será um exagero convocar Friedrich Nietzsche e Ruth Benedict a pretexto da publicidade? O anúncio ilustra a relação entre o dionisíaco e o apolíneo, num contexto de inversão das relações tradicionais de género, designadamente em termos de violência.
Marca: Nissan. Título: No more nice car. Agência: In the Compagny of Huskies (Dublin). Direcção: Dermote Malone. Irlanda, Abril 2017.
Sociologia sem palavras 13. Laços familiares
Michel Simon é um dos grandes actores do cinema francês do século XX. Participou em mais de uma centena de filmes. Como ele próprio o admite, não era bonito, mas era bom. No filme Le vieil homme et l’enfant, de Claude Berri, um jovem casal envia, durante a Segunda Guerra Mundial, o filho para junto dos avós. O filme também existe em inglês, com o seguinte título: The Two of us. No excerto existem alguns diálogos: optei pela versão original. A mcdonaldização invade tudo, até a ciência, mas algumas das minhas raízes cresceram para baixo, o que, em tempos de inconsistência, ajuda a resistir. São tantas as raízes crescem para cima…
Claude Berri, Le vieil homme et l’enfant, 1966. Com Michel Simon.
O Ceptro e a Misericórdia
O canal de música Vh1 acaba de lançar um anúncio (um vídeo musical com a canção I Will Survive de Gloria Gaynor) que é, à primeira vista, um manifesto contra o bullying. O próprio conceito resulta alargado: vítima, hoje; patrão, amanhã. Um bullying a dois tempos, invertido e compensado, como apraz ao nosso sentido de justiça. “Quem com ferro mata, com ferro morre”. Este anúncio não parece relevar de uma campanha anti bullying consequente. A vingança, serve-se fria? Quantas vítimas de hoje serão patrões amanhã? Sentam-se, como mártires contemporâneos, à direita do Poder? O bullying é uma fatalidade contra a qual nada se pode fazer a não ser estetizá-la?
Alto e pára a crítica! Por que motivo haveria o Vh1 de lançar uma campanha efectiva contra o bullying? É, por acaso, uma entidade oficial ou oficiosa financiada para o efeito? Não são as audiências que movem o Vh1? A miscelânea entre lucro e misericórdia corrente na publicidade “responsável” traz-nos vesgos e confusos. Torna-se cada vez mais penoso destrinçar o dedo de Deus do rabo do Diabo. São Bartolomeu nos valha! Em suma, um anúncio bem concebido e bem realizado, com um não sei quê de polémica que o vai tornar viral. Acrescento um segundo vídeo, dos Everynone, contra o bullying, num registo social e estético distinto.
Marca: Vh1. Título: I will survive. Agência: Delcampo Saatchi & Saatchi. Direcção: Agustin Alberdi. Argentina, Abril 2014.
Losers. Por Everynone e Époché Films. Música: Keith Kenniff. Produtores: Jon Messner, Alexandra Brown e Brielle Murray. 2011.
Acordar o silêncio
Tenho andado ocupado a falar. Quinta, sobre o público dos eventos da Capital Europeia da Cultura, no Centro Cultural Vila Flor, sábado sobre as funções e os públicos dos museus, na Casa do Professor, sexta sobre o bullying, no Agrupamento de Escolas de Briteiros. Assim como há impressoras, também há papagaios multifunções. . É engraçado como o acto de falar tem um lado pré-capitalista que o aproxima da economia dos caçadores-recolectores: não se leva nada e com nada se fica, a não ser a leveza dos tesouros simbólicos. Importa falar, mesmo quando as palavras não são de ouro. Em Briteiros, chegou-se à conclusão que o silêncio é um obstáculo e a comunicação, uma solução. Encontrei hoje, por coincidência, este anúncio a sugerir o mesmo: quando o silêncio, seja lá de quem for, é cúmplice, importa dar o alarme.
Anunciante: CKNW Orphans’ Fund. Título: Car Alarm. Agência: Taxi, Vancouver, Canada. Direção: Curtis Wehrfritz. Canadá, Janeiro 2013.
Bullying de Estado
Adesf. One Thing Leads to another – lungs. Neogama bbh. Brasil. 2012.
Há bons anúncios contra o tabaco. Também há boas razões para os promover. Não obsta que a maior parte configura práticas de bullying de Estado. Bullying legal de massas. Maltratam e assustam. O medo é a equação, e o medo é medonho.
Caro fumador, agradecia que respondesses a uma simples questão:
Depois de ver este anúncio do Department of Health do Reino Unido, o que te apeteceu fazer?
- Nada.
- Deixar de fumar.
- Uma ecografia torácica.
Se respondeste A, o anúncio foi, no teu caso, um desperdício. Para o Estado. Já para a agência de publicidade, foi um negócio e para a instituição anunciante, uma prova de desempenho.
Se respondeste B, o anúncio foi um sucesso, para ti e para o Estado.
Se respondeste C, o anúncio teve um efeito perverso. Aumentou a despesa do Estado.
Anunciante: Department of Health. Título: Mutation. Agência: Dare. Direção: Simon Ratigan. Reino Unido, Outubro 2012.
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