Habilidade e criatividade

Durante a viagem, na rádio a palavra de ordem era skills, skills e mais skills. Triste língua aquela que não sabe dizer o que está na moda. Habilidades ou competências são vocábulos de que prescindimos. S-kill them! Mas há casos de resistência, por exemplo, weekend. Houve um tempo em que a palavra fim de semana passou vergonhas. A língua só se dobrava para dizer weekend. A gente passava o weekend fora. Havia discotecas que se chamavam Weekend. Agora, com a pandemia, passamos o fim de semana em casa. Um destes dias vou escrever um post sobre o assunto.
Gostava de ter as skills estéticas de Bruno Aveillan, o meu realizador de anúncios preferido. De um escaravelho ou de um tecido consegue fazer uma obra de arte. Veja-se este longo anúncio para a empresa de tecidos italiana RATTI. Gorgeous! A ver com tempo e disposição.
Na Gruta do Rei da Montanha

Costumo pedir aos alunos trabalhos que confrontem dois géneros distintos. Dizem que é difícil…
O anúncio Ópera, da Nintendo, realizado por Bruno Aveillan, é extraordinário e a música fabulosa. De quem é a música? Será Na Gruta do Rei da Montanha, de Edvard Grieg (ver vídeo)? A gruta de Grieg está pejada de monstros (trolls). Será que existe alguma relação entre os monstros do anúncio e os “trolls” da música? O pop/rock é permeável a influências. Haverá músicas pop/rock inspiradas em Grieg? Com o mesmo nome? Por exemplo, os Deep Purple, os Rainbow e, entre outros, os Apocalyptica (ver vídeo). O que perfaz três géneros. Vários artistas retrataram a história de Peer na Gruta do Rei da Montanha. Por exemplo, Theodor Kittelsen (ver imagem). Multiplicaram-se os vídeos de animação. Por exemplo, o vídeo da TVP SA, de 1996 (ver vídeo). Acrescente-se que Edvard Grieg compôs esta música (1876) a partir da obra Peer Gynt, do escritor Henrik Ibsen (1867). Somamos seis géneros: publicidade, música clássica, música pop/rock, pintura, cinema de animação e literatura. Material suficiente para um trabalho? Se for do meu interesse e valorizar as minhas competências. Por exemplo, se estiver inclinado para a semiótica da monstruosidade, é um excelente cocktail. Mas, aqui chegados, o que me estimula é comparar Na Gruta do Rei da Montanha, de Edvard Grieg, com a Dança Macabra, de Camille Saint-Saens (1875). São do mesmo género, será possível? Nunca se sabe…
Estética da guerra

Bruno Aveillan é o Bernini da publicidade. Habituou-nos a vídeos belos, lentos e poéticos. Não é o caso deste “Eternels”, para o parque temático Puy du Fou, o segundo mais visitado em França a seguir à Disneylândia. O anúncio é brutal, acelerado e fragmentado. A sucessão de cenários lembra o anúncio Handle Doors, do Ford S-Max (incluído no vídeo A Construção do Impossível). De violência em violência, o anúncio regride desde as trincheiras da I Guerra Mundial até a um circo romano, para regressar no fim ao início: uma mulher despede-se do homem compartilhando uma fotografia rasgada, presente em todos os episódios. Bruno Aveillan, mais que um contador, é um encantador de histórias.
O anúncio de Bruno Aveillan Dolce Vita, para a Gaz de France, fecha a sequência de anúncios associada à comunicação “A Construção do Impossível” (2009), que versa sobre o espaço nos anúncios publicitários. Creio que ainda não a coloquei no Tendências do Imaginário. Como nenhum tesourinho deprimente merece aparecer só, acrescento o artigo correspondente: “Como nunca ninguém viu – O olhar na publicidade” (in Martins, Moisés de Lemos et alii, Imagem e Pensamento, Coimbra, Grácio Editor, 2011, pp. 139-165).
Beleza e libertação

“A beleza desperta a alma para agir” (Dante Alighieri).
Bruno Aveillan consta entre os melhores realizadores de anúncios publicitários. O Tendências do Imaginário inclui cerca de 40 anúncios com a sua assinatura. Desenvolveu um estilo próprio. Minucioso, talha os pormenores que nem diamantes. O olhar de Bruno Aveillan combina a câmara de filmar e a câmara fotográfica. Embeleza a beleza. É um operário de afrodites, com ou sem Adónis. A banda sonora é cuidada até à última nota. Há combinações memoráveis. No anúncio La vie est belle, da Lancôme, a música eleita é Diamonds, um cover de Rihanna, pelo australiano Josef Salvat, por sinal, já utilizado noutros anúncios, incluindo da Sony.
Para apreciar a mão de Bruno Aveillan, proponho um exercício: comparar o anúncio de 2018 com o anúncio da Lancôme, de 2016. Partilham o mesmo título, La vie est belle, e a mesma protagonista: Julia Roberts, embaixadora da marca desde 2009. O anúncio de 2016 foi dirigido por James Gray (realizador dos filmes Os donos da noite, 2007; Amantes, 2008; Era uma vez em Nova York, 2013; e Laços de sangue, 2013). O convite não é para hierarquizar, mas relevar as diferenças. Aos dois anúncios da Lancôme, acrescento duas interpretações ao vivo de Josef Salvat: Shoot and run e Night swim, esta mais despojada, acompanhada apenas pela guitarra eléctrica. Pertencem ao álbum Night Swim, de 2016.
40º à sombra
Gostar a dobrar é um privilégio. O anúncio Labels, da Miller, junta o realizador Bruno Aveillan e o cantor José Gonzalez. Sequências curtas atropelam-se ao ritmo da música. Quase toda a obra do Bruno Aveillan está publicada no Tendências do Imaginário. Passo a concentrar-me em José Gonzalez. O seu maior sucesso, Heartbeats (ver Máquinas desejantes), é a música do anúncio Bouncy Balls, da Sony Bravia. Acrescento duas canções: Stay Alive, da banda sonora do filme The Secret Life of Walter Mitty (2013); e Teardrop, do álbum In Our Nature (2007). 40º à sombra! Bom tempo para explorar uma mina de água.
Marca: Miller. Título: Miller Labels. Produção: QUAD Productions. Direcção: Bruno Aveillan. 2014.
Marca: Sony Bravia. Título: Balls. Agência: Fallon London. Direcção: Nicolai Fuglsig. Reino Unido, 2005.
José Gonzalez. Stay Alive, da banda sonora do filme The Secret Life of Walter Mitty (2013).
José Gonzalez. Teardrop, do álbum In Our Nature (2007).
Tecno-imaginário
Tecnicidade, religiosidade; funcionalidade, ficcionalidade; potência, sentido; dão as mãos numa sociedade polifónica. A obra de Bruno Aveillan joga com esta espécie de tecno-imaginário (Georges Balandier). São exemplo os anúncios Attachez vos ceintures, da Sécurité Routière, e Shape your time, da Cartier, ambos com imagens lentas, próprias destas danças.
Marca: Sécurité Routière. Título: Attachez vos ceintures. Agência: La Chose. Direcção: Bruno Aveillan. França, 2017.
Marca: Cartier. Título: Shape your time. Agência: Marcel (Publicis) / Wam. Direcção: Bruno Aveillan. França, Julho 2015.
Salvo pelos lobos
Tendências do Imaginário deixou escapar este anúncio de Bruno Aveillan. Imperdoável. A fotografia e o ritmo de Bruno Aveillan desprendem uma aura quase sagrada. Neste It’s in our nature, da cadeia de hotéis Shangri-La, um jovem perde-se na neve. Exausto, adormece. Morte certa. Uma alcateia de lobos aproxima-se. O lobo é um animal temível, infernal. Mas as bocas devoradoras mantêm-se fechadas. Os lobos rodeiam o jovem formando uma espécie de abrigo contra a adversidade. Por entre tanta maldade mítica, o lobo esconde uma centelha de bondade. Lembra-se da loba de Rómulo e Remo? E de Mogli, a criança selvagem criada por uma alcateia de lobos? Existem muitas histórias semelhantes. Sobra um canto para os lobos nos nossos mitos de estimação. Os lobos compuseram um abrigo. Shangri-La é um abrigo, “pronto a receber um estranho como membro da casa”.
Marca: Shangri-La. Título: Wolves. Agência: Ogilvy & Mather Hong Kong. Direcção: Bruno Aveillan. Hong Kong, 2010.
Se conduzir, não beba!
Regresso regularmente a Bruno Aveillan. É vício. Os onze minutos que dedica ao Château Margaux, um dos melhores vinhos do mundo, são onze minutos de arte. A curta-metragem “Prodigy of the Architect” acompanha a construção do Palácio no início do século XIX. Esta é a sua história, contada mais com imagens do que com palavras. Fica na memória a “Musa do Vinho” que inspira o arquitecto Louis Combes.
Marca: Château Margaux. Título: Prodigy of the Architect. Direcção: Bruno Aveillan. França, Outubro 2015.
Não há um sem dois. Mais um anúncio do Bruno Aveillan. Tudo é arte? Assim o defende Marcel Duchamp. “Tudo é arte” ou “tudo pode ser arte”? Nada, porém, sem a assinatura dos artistas, das galerias, dos críticos, das escolas, dos movimentos, dos museus e dos coleccionadores. Tudo pode ser arte! Ou, caso se ajuste, criatividade. Até numa estrada pode circular a arte ou a criatividade. Por exemplo, A Rua da Estrada, de Álvaro Domingues (https://tendimag.com/?s=rua+da+estrada) ou o anúncio Road Speak, de Bruno Aveillan para a Bridgestone.
Marca: Bridgestone. Título: Road Speak. Agência: The Richards Group Dallas. Direcção: Bruno Aveillan. Estados Unidos, 2009.
A casa das sete cores
Tendências do Imaginário dedicou 22 artigos ao realizador Bruno Aveillan. É um vício. Poucos realizadores terão filmado tantas modelos de elite. Em cada um dos seguintes anúncios da L’Oréal, desfilam sete modelos associadas à L’Oréal. No primeiro, tantas quanto as cores da paleta de bâton, sombras e esmaltes da linha Color Riche. Lembra A Casa das Sete Cores, da Rua Sésamo, com uma cor por cada divisão e cada hóspede.
O segundo anúncio, Red Obsession, é monocromático. Vermelho, só vermelho. Mantém-se o número de modelos. Trata-se de ilustrar a diversidade de vermelhos do bâton Color Riche. O que representa um risco e um desafio para a arte de Bruno Aveillan. Resultado global: classe, charme e elegância.
Marca: L’Oréal. Título: Color Riche. Agência: Quad. Direcção: Bruno Aveillan. França, 2015.
Marca: L’Oréal. Título: Red Obsession. Agência: Quad. Direcção: Bruno Aveillan. França, 2016.