Arqueologia do slow

Ontem apresentei uma comunicação sobre “a música na publicidade de automóveis” no âmbito de um encontro online dedicado ao tema Identidades e Comunidades Musicais. Quando termino uma comunicação, evito o rescaldo. Esgoto o pensamento. O interesse imediato por parte da audiência é bênção que declino. Os encontros online tendem a reduzir o risco. Após uma comunicação, sabe bem desligar, pasmar… Brejeirice à parte, com esta alergia cerebral, não enjeitaria dançar um slow, comunicar, em silêncio, por outros meios. Embalar até anestesiar a inteligência. Uma extravagância improvável nos encontros públicos, bem como no discurso online, condução solitária de um automóvel sem volante. Não se dança um slow sozinho. Contento-me com um sumo de laranja e um par de cigarros. Nas pistas de dança dos anos setenta, os corpos extremavam-se: ora aceleravam, separados, nos shakes; ora abrandavam, reencontrados, nos slows. Volvidos alguns anos, as séries de slows começam a desertificar as pistas. O corpo pedia cerveja, whisky, gin tónico; preferia dialogar noutras órbitas. Entalados entre a ressaca dos sessenta e a rampa dos oitenta, os anos setenta compuseram uma década estranha, que o tempo se apressou a varrer e a memória se obstina a acarinhar.

Jean-François Maurice. Pas De Slow Pour Moi. 1978.
Jean-François Maurice. 28º à l’ombre – Monaco. 1978.

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