A viragem gastronómica

Este mundo é um grande banquete a que natureza convida todos os seres vivos, com a condição de os convivas se comerem uns aos outros: De morte vita datur” (Antoine de Rivarol, Pensées Inédites de Rivarol, Paris, Imprimerie de J. A. Boudon, 1836, pp. 63-64).
Comemos, logo somos! O apetite é a mola da nossa existência. O banquete medieval era servido com músicos e saltimbancos. Hoje, a animação subsiste, mas o espectáculo é o próprio banquete, estilizado e estetizado. Como no anúncio The Party, da Barilla, o centro tende a deslocar-se da sala para a cozinha.

A culinária assemelha-se a uma arte média expressa em livros de receitas, séries de televisão, concursos, anúncios e fotografias digitais. Comemos cada vez mais com os olhos e os ouvidos um manjar audiovisual. Mas, embora mergulhados na hipermodernidade neobarroca, ainda não saímos da “galáxia Gutenberg” (Marshall McLuhan, A Galáxia Gutenberg, 1962). O gosto enrola-se em discursos e cenários. O paladar descentra-se. Ocorre uma segunda deslocação do ritual alimentar: do privado para o público, da casa para praça e para a Internet, a grande omnívora. A alimentação valorizou-se: subiu uns degraus, do estômago para a cabeça.