Velho do Restelo
A publicidade dita de consciencialização suscita algumas reservas. Às vezes, engana-se no alvo. Em vez de denegrir o produto ou o processo, denigre o consumidor ou o portador (por exemplo, o alcoólatra ou o condutor infrator). Aponta ao vício ou ao dano e acerta na vítima. É certo que as vítimas não são anjos, mas nós também não somos os reis magos. A publicidade de consciencialização pode produzir efeitos nocivos. Acerta-se na vítima e falha-se o objetivo. Descuida-se a adesão e a eventual conversão das vítimas. Alguns anúncios sofrem de excesso de focalização. Têm mais palas do que olhos. Embrenham-se em túneis do entendimento. Mas o efeito mais nocivo de alguma publicidade de consciencialização prende-se com o modo, com a orgânica, dos anúncios. Raros resistem ao rebaixamento das vítimas, dos “protagonistas”. Para lutar contra um vício ou uma mentalidade, serão imprescindíveis imagens de uma mulher a vomitar na cara de outra?

Theodor W. Adorno
Um homem a agredir à paulada uma mulher transeunte? Comparar alguém a um zombie? Pavonear um carro carnavalesco com um coro de doentes com cancro da boca, da garganta e dos pulmões? Cena mais grotesca do que as aberrações dos filmes Galerie des Monstres (1924) e Freaks (1932). Vale a pena ler A Personalidade Autoritária (Adorno et alii,1950), principalmente a parte relativa à Escala F (F de fascista; ver artigo de Theodor Adorno, em anexo).
Acrescem questões de foro ético, senão civilizacional: é desejável amesquinhar os outros? E exibir publicamente a miséria alheia? Com meios de comunicação que atingem toda a população? Que atitudes e que valores queremos promover? Um estudo de Esmeralda Cristina Tauber mostra que a maioria das crianças não percebe estes anúncios. E os adultos? Eu também não. Maquiavel sustentou que os meios justificam os fins. Se o disse, pelos vistos, nunca o escreveu. No entanto, para justificar os meios com os fins não é preciso dizer nem escrever, basta fazer.
Gosto de desconversar. O anúncio espanhol La gran sala de espera, da FAD (Fundación de Ayuda contra la Drogadicción) representa o tipo de anúncio de consciencialização digno de particular apreço. Os toxicodependentes são caracterizados como pessoas comuns, sem o mínimo sinal de distinção. Nenhuma degradação, nenhum estigma. O slogan dirige-se a todas as pessoas, toxicodependentes ou não: “los que esperan el momento perfecto para hacer algo que sepan que quizás nunca lo sea. No esperes para construir”.
Anunciante: FAD. Título: La gran sala de espera – Chica. Agência: Publicis. Direcção: Toño Mayor. Espanha, Fevereiro 2016.
Diz a Psicologia que é a “gota”.