Archive | Setembro 2015

Contos de fadas

“Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares)

Western-Sydney-University-Deng-Thiak-Adut-UnlimitedQuem não gosta de contos de fadas? De gatas borralheiras princesas e de sapos príncipes? Não obstante o filtro da razão, contos de fadas não faltam. Por exemplo, na publicidade e, em particular, nos anúncios a universidades, onde estas, “espectros da razão”, convivem com os contos de fadas, “fantasmas da fé”. As universidades são dos maiores viveiros de sonho acordado. Estes anúncios da Western Sydney University regalam-nos com dois contos de fadas, porventura reais. No primeiro, Jay Manley Unlimited, um estudante australiano apaixonado por mecânica ingressa na vanguardista Tesla Motors, no Silicon Valley. No segundo, Deng Thiak Adut Unlimited, uma criança negra raptada por guerrilheiros no Corno de África consegue tornar-se um advogado de sucesso.

Marca: Western Sydney University. Título: Jay Manley Unlimited. Agência: WCD + WE. Collective. Direcção: Jae Morrison. Austrália, Setembro 2015.

Marca: Western Sydney University. Título: Deng Thiak Adut Unlimited. Agência: WCD + WE. Collective. Direcção: Jae Morrison. Austrália, Setembro 2015.

A força das palavras

CCHR

As palavras, mais do que dizer, constroem mundos. As palavras convocam di-visões do mundo (Pierre Bourdieu, Ce que parler veut dire, 1982). Ferdinand de Saussure demonstrou-o (Cours de Linguistique Générale, 1916), bem como, mais tarde, Mikhail Bakhtin (Marxisme et Philosophe du Langage, 1929) e J. L. Austin (How to do things with words, 1962). Este anúncio da CCHR International ilustra o poder, polémico, das palavras em termos de identidade e comportamento. Retirei-o do mural da Esmeralda Cristina, com quem tive o prazer de partilhar uma comunicação sobre os letreiros (banners) na publicidade.

Anunciante: CCRH International. Título: Childhood is Not a Mental Disorder. 2010.

Desfiguração

“Das coisas cuja visão é penosa temos prazer em contemplar a imagem quanto mais perfeita; por exemplo, as formas dos bichos mais desprezíveis e dos cadáveres” (Aristóteles, Arte Poética).

Reshma, before she was attacked with sulphuric acid

Reshma, before she was attacked with sulphuric acid

Na arte, a história do feio é antiga, tal como a história da interação entre o belo e o feio. As artes convocam o feio como polo oposto do belo. O feio entra no atelier do artista pela mão do belo. E se o polo do feio se reforça? E se o belo passa a polo do feio? E se o belo começar a entrar no atelier do artista pela mão do feio? E se a estética do feio rivalizar, enfim, com a estética do belo? Quem diz feio, diz horror, violência…

Beauty tips by Reshma: How to get perfect red lips, da organização indiana Make love not scars, é um anúncio de consciencialização impressionante. A desfiguração apodera-se, sem tréguas, do ecrã e do olhar. Reshma, 18 anos, vítima, na cidade de Mumbai, em 2014, de um ataque com ácido sulfúrico, conclui que “é tão fácil comprar ácido concentrado como bâton para os lábios”.

Anunciante: Make love not scars. Título: Beauty tips by Reshma: How to get perfect red lips. Agência: Ogilvy & Matter. Índia, Agosto 2015.

Uma aventura no teletransporte

Central InstitutEm França, a publicidade representa 1,1% do Produto Interno Bruto (Chiffres clés des annonceurs 2013). A publicidade expande-se. O ensino superior é um caso de potencial crescimento, já consolidado em países como os Estados Unidos, a Austrália e o Reino Unido.

O anúncio do Western Australia Central Institute of Technology desafia os esquemas habituais de leitura. O Humor aprazível inicial transforma-se numa experiência macabra. O sonho à Star Trek descamba no “pesadelo em Elm Street”. Salta-se do grotesco bakhtiniano para o grotesco Kayseriano, sem transição.

O anúncio foi produzido, a título gracioso, por Henry Inglis e Aaron McCann, ambos graduados pelo Central Institute of Technology. Com carreira firmada no âmbito da publicidade e do audiovisual, eles são, ao mesmo tempo, produtores, diretores e atores do anúncio. Nos dias seguintes ao lançamento, o anúncio contabilizou mais de dois milhões de visualizações online.

Marca: Central Institute of Technology. Título: It’s a snap. Produção/Direcção/Interpretação: Henry Inglis e Aaron McCann. Austrália, 2012.

A arte do design

m & S

Às vezes, sabe bem um anúncio que é simplesmente um anúncio. Por sinal, um bom anúncio.

Marca: Marks & Spencer. Título: The Art of. Agência: RKCR/Y&R London. Direcção: Sam Brown at Rogue. Reino Unido, Setembro 2015.

A multidão solitária

Misha Gordin New Crowd. 1999-2000.

Misha Gordin. New Crowd. 1999-2000.

“Na solidão, o solitário corrói o seu coração; na multitude, é a multidão que lho corrói”
(Friedrich Nietzsche, Humano, demasiado humano, 1878-1879).

“Sofrer de solidão, mal sinal; até agora, só sofri de multitude”
(Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra, 1893).

Misha Gordin. Newcrowd 54. 2001

Misha Gordin. New Crowd 54. 2001

O livro A Multidão Solitária (The Lonely Crowd), de David Riesman, publicado em 1950, foi um dos primeiros best-sellers da Sociologia. Com recurso a noções tais como inner directed e other directed, Riesman sugere que as pessoas “perdem liberdade e autonomia individual ao tentar ser como as outras”. Esta é mais uma obra clássica posta em pousio pela sociologia avançada.

Misha Gordin, Crowd #37. 1999-2000.

Misha Gordin. Crowd #37. 1999-2000.

Leo_Ferre_la_solitudeLa solitude (1971) é uma canção francesa da autoria de Léo Ferré. Que me perdoe, mas opto pela versão italiana. Por um motivo: o vídeo, com fotografias de  Misha Gordin (Letônia, 1946), é extraordinário. Interpela-nos desvelando várias faces da Multidão Solitária.


Léo Ferré. La Solitudine. Gravado em Maio e Junho de 1972. Fotografias de Misha Gordin.

Morte social

Louis-Vincent Thomas

Louis-Vincent Thomas

“Nunca estou só com a minha solidão” (Georges Moustaki, La Solitude, 1971).

Este anúncio é  poesia com imagens. Há séculos que se faz poesia com imagens. Agora, também.

A solidão pode aproximar-se da morte social (Louis-Vincent Thomas, Anthopologie de la mort, 1975).

Perdura, é verdade, a vida biológica, mas afrouxam-se os laços sociais e o sentido da vida. O mundo perde calor.

Marca: Les petits frères des pauvres. Título: Poisson d’Avril. Agência Euro RSCG. Direcção: Christelle D’Aulnat. França, 2001.