Arabescos

O arabesco, de origem islâmica, é um entrançado decorativo com predomínio de formas geométricas. Na origem, não contemplava figuras humanas (ver figuras 1 a 3). Encontram-se obras precursoras no Império Romano e na Grécia Antiga (ver figuras 4 a 6). Os grotescos aproximam-se dos arabescos (ver https://tendimag.com/2012/02/12/desgravitar-sem-conta-peso-e-medida/).
1. Santa Sofia de Constantinopla. Séc VI. 2. Painel decorativo. Sé. IX. 3.-Grande mesquita de Kairouan. Tunísia. 4-Pella. Grécia. Séc. IV aC. 5.-Mosaico romano. Séc. III. 6.-Mosaico romano. Termas de Diocleciano. Roma.-Séc. III.
O arabesco inspira a música. A composição Arabesque, de Claude Debussy, é uma referência. Os Coldplay publicaram, recentemente, uma canção intitulada Arabesque.
Desigualdade nas imagens de género
Tantos pénis pintados e esculpidos e tão poucas vaginas!… Uma discriminação que remonta a tempos imemoriais. Na pré-história a representação do pénis concorre com as esculturas de Vénus (Fig 1 a 3). Até os monólitos pecam por excesso. No antigo Egipto, os jardineiros da religião viram-se gregos para podar os falos das estátuas de deuses e faraós (Fig 4 e 5). Por seu turno, no império romano, os tintinábulos pendurados à entrada das casas eram compostos por falos inconfundíveis, eventualmente, voadores (Fig 6, 7 e 8).
01. Vénus de Lesppugue 02. Hole Fels Cave near Ulm in the Swabian Jura. 28 000. 03. Filitosa monoliths (Corsica, France). Foto Paul Harp. 2014. 04. Min. Deus egípcio da fertilidade. 05. Deus Min. Templo de Hathor Deir El Medina. 06. Tintinábulo encontrado em Pompeia. 07. Tintinábulo. Roma Antiga. Museu de Arqueologia de Catalunha. 08. Tintinnabulum with an polyphallic Mercury, 1st century CE. Pompeii. Archaeological Museum, Naples. 10. ‘Roman de la Rose’ France, 15th century. 09. Castration of Saturn, MS Douce 195 Guillaume de Lorris & Jean de Meung, Roman de la Rose. France, 15th century. 11. Attis castrates himself (The Hague, MMW,10 A 11 fol. 43r). Séc, XV. 12. A flying penis copulating with a flying vagina. Gouache Credit: Wellcome Library, London. Wellcome Images.
Que fazer? Multiplicar as imagens de vaginas? Eliminar as relativas ao pénis? Cortar e tapar o sexo das esculturas e das pinturas com uma folha de figueira? “Vestir” a nudez do Juízo Final original de Michelangelo na Capela Sistina (ver Vestir os Nus: https://tendimag.com/2012/11/13/vestir-os-nus/)? Ou, ao jeito medieval, enveredar pela castração (Fig 9 a 11)?
No anúncio Dessine-moi un pénis, a ONF, um organismo público canadiano de produção e distribuição de filmes, estima que semelhante discrepância de género provém da nossa ignorância acerca do clítoris. Nem sequer o sabemos desenhar.

Na realidade, segundo as estatísticas, existem na população mais vaginas do que pénis. O problema reside, porventura, no imaginário. Mas deixemos as retóricas. O guache A flying penis copulating with a flying vagina (Fig 12), da Welcome Collection, sugere uma solução paritária: um pénis para uma vagina ou uma vagina para um pénis, sem prejuízo de outras localizações e sexualidades.
Telemóvel Superstar. Parada de mitos
Não sei se o homem e a mulher são religiosos, mas adoram ídolos e símbolos. Até na cozedura do pão! O anúncio Phone History, da Three, comprova-o o valor dos ídolos e dos símbolos. O naufrágio do Titanic, a fome na pré-história, as esposas de Henrique VIII, a Serpente de Eva, o incêndio de Roma, Moisés no mar Vermelho, todos estes episódios teriam sido diferentes se, no seu tempo, existissem telemóveis. Nem roda, nem máquina a vapor. Glória! Graças ao telemóvel, vivemos uma viragem excepcional na história da humanidade. Vai mais uma paródia de um mito? O rei Don Sebastião, o Encoberto, foi finalmente descoberto graças ao GPS de um telemóvel. Estava à espera de um barco no Entroncamento.
O anúncio é criativo e o ritmo das sequências é admirável. Felizes as marcas que se expõem ao próprio humor.
Marca: Three. Título: Phone History. Agência: Wieden+Kennedy (London). Direcção: Ian Pons Jewell. Reino Unido, Outubro 2018.
Domus Aurea: o sonho enterrado (revisto em 07.08.2022)
As primeiras figuras que foram designadas como “grotescas” remontam, pelo menos, ao primeiro século da era cristã. Os frescos fabulosos descobertos nos finais do século XV nas “grutas” subterrâneas das “termas de Tito” pertenciam, de facto, à Domus Aurea, o palácio edificado por Nero após o incêndio de Roma no ano 64 d.C. Era, anacronismo à parte, o palácio de Versalhes da antiguidade romana.
Ocupava entre 40 e 80 hectares, consoante as estimativas, junto ao futuro Coliseu. Ostentava uma cúpula dourada e comportava 300 aposentos. Entre os acabamentos extravagantes, contavam-se frescos com grotescos que cobriam paredes e tectos.
O estilo grotesco já era patente na Domus Transitoria, anterior palácio imperial de Nero (figuras 2). Um século antes, os “grotescos” já se multiplicavam em Pompeia (figuras 3), cuja escavação arqueológica só começou no século XVIII (a partir de 1749). A maior parte das casas de Pompeia adornavam-se com frescos ao jeito grotesco, com efeitos de ilusão a que se associa uma profusão de figuras fantásticas. Um estilo de decoração retomado na Domus Transitoria e na Domus Aurea.
O sucesso da descoberta dos frescos da Domus Aurea, por finais do século XV, acabou por lhes ser fatal. A curiosidade imprudente dos visitantes, o vandalismo, a rapinagem e a exposição aos elementos naturais contribuíram para que poucos fragmentos tenham sobrevivido. Há vestígios de buracos abertos nos tetos para acesso. A humidade, a chuva e a oxidação foram inclementes. A pilhagem dos monumentos e das ruínas em Roma era, na época, de tal ordem que o Papa Benedicto XIV ( 1675-1740) classificou o Coliseu como lugar sagrado para tentar obstar à sua degradação.
Existem gravuras antigas elucidativas de como era a Domus Aurea aquando da sua descoberta. Nos séculos XVI a XVIII, a pintura e o desenho de monumentos eram apreciados. Graças a essas obras, é possível conceber o aspecto exterior ( (Figuras 5 a 7) e interior das ruínas (Figuras 8 a 15).
Francisco de Holanda esteve em Roma entre 1537 e 1540, no rescaldo da descoberta das “grutas das Termas de Tito”. Teve o ensejo de produzir 29 desenhos sobre a decoração da Domus Aurea, com um rigor que, aliás, reivindica, em 1540, para uma das suas cópias: “tal como eu mesmo vi e tal como me coloquei”. Infelizmente, destas 29 gravuras, apenas restam três aguarelas reproduzidas no Álbum dos Desenhos das Antigualhas (Livros Horizonte, 1989): o teto da Sala Dourada, a divisão principal da Domus Aurea (figura 08), e dois frescos parietais entretanto destruídos (figuras 9 e 10).
Volvidos dois séculos, em 1774, Ludovica Mirri, um mecenas da arte, contratou Vicenzo Brenna, Francesco Smuglewiz e Marco Carloni para copiar as decorações interiores da Domus Aurea. Resultaram mais de sessenta gravuras. As figuras 11 a 15 constituem uma pequena amostra dos resultados da missão. A figura 07, da autoria da mesma equipa, é sugestiva da popularidade das ruínas. Convém ressaltar que estas gravuras foram concebidas em finais do século XVIII, em pleno período neoclássico. É possível que, dois séculos após a descoberta da Domus Aura, alguns frescos já não apresentassem contornos tão precisos.
Os artistas não se limitaram a retratar as ruínas e os frescos sobreviventes. Giacomo Lauro, em 1612, e Fischer von Erlach , em 1721, arriscam reconstruir a Domus Aurea original (Figuras 16 e 17). Os seus desenhos não se afastam muito da reconstituição avançada, em 2014, pela Altair4 Multimedia (Figura 18; ver documentário Domus Aurea outside: https://www.youtube.com/watch?time_continue=102&v=5b1xKrVEM0c). Coincidem quanto à envergadura gigantesca, nomeadamente da fachada, e na existência de um lago. O colosso de Nero, uma estátua com 30.3 metros (segundo Plínio, História Natural, xxxiv, 39) não consta das gravuras dos séculos XVII e XVIII.
- 16. Giacomo Lauro. Domus Aurea Neronis. Antiquae Urbis Splendor. 1612. a 1615
- 17. Domus Aurea Neronis. Gravura de Fischer von Erlach. 1721
- 18. Altair4 Multimedia. Reconstituição da Domus Aurea. Exterior. 2014
“A Domus Aurea abraçava toda a Roma” (Plínio, História Natural, XXXII, 54). Apesar da sua imponência, foi destroçada e enterrada em poucas décadas. Nero “suicidou-se” em 68 d.C. O seu sucessor, Galba, declara a herança de Nero não grata (damnatio memoriae). A Domus Aurea começa a ser, de imediato, despojada e entulhada.

19. Ruínas das termas de Trajano
Dois anos após a morte de Nero, em 70, Vespasiano inicia a construção do Coliseu, no espaço do lago da Domus Aurea. Em 81, as Termas de Tito erguem-se sobre os escombros do palácio de Nero. Trajano acrescenta novas termas, também sobre a Domus Aurea (Figuras 19 e 20). Em 121, Adriano inicia a construção do Templo de Vénus e Roma (Figura 1), deslocando para o efeito o colosso de Nero, cuja cabeça tinha sido, entretanto, substituída. Em pouco mais de 50 anos, a Domus Aurea foi arrasada e esmagada por edifícios de grande dimensão. Foi enterrada à nascença.
Fotografias do interior da Domus Aurea
Reis Magos
De mago e de rei, todos temos um pouco
Assim como de sábio, de juiz e de louco
Adiantados, atrasados, parados ou sem alento
Guardamos sonhos maiores que o movimento (AG).

Adoração dos magos. Sarcófago romano do séc. IV, proveniente do cemitério de Santa Inês. Museu Pio Christiano. Roma.
Journey of the Magi, álbum Barry & Beth Hall, A Feast of Songs: Holiday Music from the Middle Ages, 2002.
No friso de um sarcófago romano do séc. IV, figuram os três reis magos e respectivos camelos. Parecem clones. A estrela paira sobre a cabeça de Maria. Não há sinal do burro nem da vaquinha. O menino nasceu crescido. A música medieval, Journey of the Magi, é pequena mas encantadora.