As botas de Gulliver. Magritte em Chicago
Há dias, abordei numa comunicação a questão das barreiras e das distâncias entre os espaços culturais e determinados segmentos da população.
Para a avaliação do impacto de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, foram realizados 19 inquéritos noutros tantos eventos (para aceder ao pdf do relatório final, carregar na imagem ou no link: Impactos Económicos e Sociais. Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura).
Os resultados revelam que a frequência de recintos abertos é relativamente mais elevada entre as pessoas com menos habilitações literárias (Gráfico 1). Cerca de metade dos licenciados pelo ensino superior foram a eventos em recintos fechados (45,2%). Este valor desce para um quinto nas pessoas com ensino básico (20,2% e 22,1%).
Estes resultados não surpreendem. Pierre Bourdieu e Alain Darbel chamaram, há meio século, a atenção para esta desigualdade em termos de cultura legítima (L’Amour de l’art. Les Musées et leur public, Paris, Minuit, 1966). Em suma, nos eventos, a natureza do espaço é socialmente discriminante. Ao contrário da ponte, que une, a porta separa ou filtra mundos. Os nossos e os dos outros. Se a ponte remete para a passagem, a porta pode funcionar como barreira, que abre ou fecha consoante a origem e a condição social. Apesar da generosidade do apelo dos espaços sociais, nem todos os visados se sentem chamados.
A reserva face aos recintos fechados por parte da população menos escolarizada reaparece nos resultados de outro estudo promovido para a Capital Europeia da Cultura: um inquérito aos residentes no concelho. O gráfico 2 contempla as respostas respeitantes à visita aos espaços culturais locais. Quatro espaços foram visitados, pelo menos uma vez, por mais de 90% dos vimaranenses: Penha (99%), Centro Histórico (97%), Castelo (95%) e Parque da Cidade (92%). Em contrapartida, as visitas situam-se aquém dos 70% no Centro Cultural de Vila Flor (69%), na Citânia de Briteiros (67%), no Museu Alberto Sampaio (66%) e no Museu Martins Sarmento (63%).
Entre os espaços culturais mais visitados pelos vimaranenses, predominam os recintos abertos; e entre os menos visitados, os recintos fechados. As excepções fazem sentido. O Paço dos Duques é, dos espaços museológicos sob a alçada da Direcção Regional da Cultura do Norte, o mais visitado do Norte de Portugal: 137 402 visitas no primeiro semestre de 2015. Neste, como noutros casos, é mais adequado falar em fluxo, capaz de se sobrepor à ponte e à porta. Quanto ao Pavilhão Multiusos, há portas que abrem mais do que fecham: aproximam as pessoas e sintonizam mundos (neste domínio, os centros comerciais surgem como um exemplo extremo (ver Albertino Gonçalves. Um perfume de utopia. Ir às compras ao hipermercado).
A abertura dos espaços culturais a novos públicos é um desafio antigo, que se agudizou com o advento do triângulo virtuoso da sustentabilidade, que submete os espaços culturais a três pressões algo desencontradas: redução do orçamento por parte do Estado, incremento das verbas próprias e aumento da afluência de visitantes. Neste cenário, dificuldades, empenho e empreendedorismo não têm faltado. Para aceder ao vídeo seguinte, carregar na imagem.
Unthink Magritte. Exposição no Instituto de Arte de Chicago. Leo Burnett. Chicago. 2014.
O vídeo sobre a exposição de René Magritte no Instituto de Arte de Chicago evidencia algumas destas preocupações. Primeiro, a preocupação com a eliminação de barreiras entre o museu e os públicos, bem como com a promoção da participação dos visitantes. Segundo, a eficiência e a atractividade da exposição, com recurso a novas tecnologias, incluindo uma aplicação para tablets e telemóveis. Terceiro, uma campanha de envolvimento, disseminada por diversos locais de Chicago. É certo que as portas do Instituto de Chicago se abrem. Mas, neste caso, abrem-se para sair, para cativar públicos; informação nos telemóveis, cartazes nas ruas e botas na praia. Sobre o efeito no número de entradas, pouco se sabe. Pressupõe-se….
Subsiste um problema. Tão velho quanto a sociologia da arte. As portas e as pontes mais decisivas são interiores, estão na cabeça das pessoas. Aquém e além das tecnologias. São vidas. Não obstante a qualidade da campanha, muitas pessoas não vão porque não lhes interessa. Pressentem que não vão gostar.Como diria Pierre Bourdieu, é difícil gostar de uma obra de arte quando não se dominam os códigos que possibilitam o acesso ao seu valor. As diferenças e as hierarquias culturais são as principais barreiras à democratização da cultura e ao alargamento dos públicos.
Sociologia sem palavras 11. Espetáculo
O circo é uma heterotopia, um outro mundo, quase uma utopia. Esteio do imaginário, o circo é tema recorrente nos filmes cómicos: Charles Chaplin estreia, em 1928, The Circus; em The Chimp (1932), Laurel & Hardy destroem a tenda de um circo. Buster Keaton nasceu, em 1895, numa troupe de artistas itinerantes. Segue a sequência final do filme At The Circus (1939), dos Marx Brothers. Este episódio (11) da série Sociologia sem palavras incide sobre as artes do espetáculo.
Marx Brothers. At The Circus. 1939. Excerto.