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O empoderamento do público

France 3

Se bem me lembro, houve telenovelas cujo final era escolhido pelos telespectadores. Agora, graças às novas tecnologias, pode-se acertar, quase em tempo real e sem sair do lugar, no assassino de um thriller.

O canal de televisão France 3 propõe um jogo sentado com assistência electrónica. Parafraseando uma campanha publicitária da Citroen, “nem imaginamos o que a France 3 pode fazer por nós”. Assistimos ao “empoderamento” do público com espinafres digitais. A televisão tem a arte de fazer do espectador um actor, com telecomando em riste. Detectives caseiros passam a rivalizar em inteligência com o Sherlock Holmes (Arthur Conan Doyle), o Hercule Poirot (Agatha Christie) e o Nero Wolfe (Rex Stout). Parafraseando René Descartes (Discurso sobre o Método, 1637), as “celulazinhas cinzentas” são a coisa mais bem distribuída do mundo.

Marca: France 3 + Winamax. Título: La Forêt. Agência: Publicis Conseil. França, Novembro 2017.

A Unilever e a Natalidade

UnileverA Ana enviou-me este anúncio extra longo (4:25) da Unilever, uma multinacional que reúne várias marcas: Axe, Lipton Ice Tea,  Knorr, Alsa, Olá, Calvé, Maizena, Hellmann’s, Skip, Cif, Omo, Vasenol, Lux, Rexona, Pepsodent, Dove, Azeite Gallo…  Este anúncio é “mais um exemplo da escalada, na publicidade, da auto-proclamação de responsabilidade social, do coro da consciencialização social e da reciclagem da figura do bom samaritano” (http://tendimag.com/2013/12/14/o-bom-samaritano-na-comunicacao-viscosa/). Acrescente-se a este cocktail o simulacro da participação e da interacção! É pelo coração que se cativam os seres humanos. Se pela boca morre o peixe, pelo coração engolimos os anzóis. As grandes causas e altos valores são a nossa perdição. Neste anúncio, a grande causa é a natalidade, o valor, a paternidade, e a promessa, a criação de um mundo melhor.  Why bring a child into this world é um anúncio bem concebido e bem produzido. Na vanguarda da moda, permanece clássico. Sustenta-se que os tempos nunca estiveram tão bons para ter filhos. Hoje melhor que ontem e pior que amanhã…  E no País do azeite Gallo?

Marca: Unilever. Título: Why bring a child into this world. Agência: Ogilvy & Mather London / David Latin America. Direção: Errol Morris. UK, Novembro 2013.

Participação

Coca-cola. The Wearable MovieA publicidade apela cada vez mais à participação das pessoas: performances, apanhados, eventos, iniciativas com efeito colectivo… Imagens de participação, sem dúvida. Deles e nossa. Existe uma dupla magia: aquela que religa os participantes e aquela que induz a nossa identificação. Trata-se, portanto, de um duplo simulacro mágico: do acontecimento e do envolvimento. São três os momentos chave para o sucesso deste tipo de anúncio: a abrangência da convocatória, a criatividade do processo e a qualidade da produção, particularmente exigente. Este tipo de publicidade aposta na estética, no efeito de beleza, naturalmente, mas sobretudo no sentido etimológico prezado por Michel Maffesoli: sentir em conjunto, que inclui o tribal sentir-se em conjunto, to be a part of it. Depois do inglês, peço desculpa por terminar em francês, mas não resisto: l’esthétique comme forme et lieu du lien.

Marca: Coca-cola. Título: The Wearable Movie. Agência: Ogilvy & Mather, New York. EUA, Junho 2013.

Coro Virtual

Eric Whitrake. Coro virtual 3.A dar aulas também se aprende. Tenham os alunos a oportunidade… Uma aluna do curso de licenciatura em Música apresentou, para a unidade curricular de Sociologia da Arte, um trabalho dedicado ao Coro Virtual do compositor norte-americano Eric Whitacre, que lançou um apelo na internet desafiando as pessoas a cantar os seus excertos (soprano, alto, tenor ou baixo) gravando resultado de acordo com o vídeo disponibilizado  (https://www.youtube.com/watch?v=8vPqtu02BXM). Na primeira iniciativa (Lux Aurumque, 2010), Whitacre consegue reunir 185 participantes provenientes de doze países. O primeiro coro virtual adquiriu, desta forma, voz e imagem. A iniciativa mais recente (Virtual Choir 4: Fly to paradise, 2013) juntou 5 905 participantes de 101 países. O vídeo do primeiro coro é mais esclarecedor quanto ao processo. Com o tempo, os vídeos tornaram-se mais sofisticados e mais barrocos. O aparato encobre o ato. Não obstante, todas as versões revelam as potencialidades da internet, nomeadamente ao nível da participação.

Fenómenos como este surpreendem-nos, contanto ainda tenhamos uma folga para o espanto. O concerto para máquina de escrever e orquestra (Leroy Anderson, The Typewriter, 1950: http://www.youtube.com/watch?v=g2LJ1i7222c) também surpreendeu, a seu tempo, os nossos pais e os nossos avós. A Orquestra de iPhones sugerida para um workshop na Casa da Música também gera alguma perplexidade.

Junto o vídeo com o Coro Virtual 1, mais elucidativo, e acrescento o vídeo do Coro Virtual 4, mais monumental. A segunda metade deste último vídeo é tomada pela “vertigem das listas”: como num memorial, regista o nome de todos os participantes. Aconselho, porém, a consulta do artigo da aluna: http://sociologiarte.wordpress.com/2013/06/08/o-coro-virtual-criacao-de-eric-whitacre/. É mais completo, original e preciso.

Eric Whitacre. Virtual Choir 1: Lux Aurumque. 2010.

Eric Whitacre. Virtual Choir 4: Fly to paradise. 2013.