As crianças na escola

Contar histórias curtas é uma arte. Os anúncios Clean Conscience, da Usa, e Love Note, da Protection Environnement, constituem um bom exemplo. Duas pérolas do arquivo culturepub. Mas outros anúncios parecem requerer mais tempo como que para uma maior abertura ou massagem do espírito. É o caso do anúncio The Lunchbox, da Bufdir.


Indecisão

Começar a semana com uma música é uma boa prática. Para a música do lado A, Lonely Boy, falta-me energia; para a música do lado B, Nocturne, falta-me a tranquilidade. O mais avisado é não começar a semana.
A menina dos fósforos

Pelos vistos, existem dois tipos de confinamento: o insular e o peninsular. No primeiro, confina-se por todo o lado. No segundo, confina-se por todo o lado menos por um, por sinal, enorme e tentacular. Afinal, quais são os objetivos do confinamento. Salvar vidas? Evitar o colapso da Saúde? Tudo isto é confuso. Estamos a queimar fósforos?
Entrar no mundo dos contos é um deslumbramento. A Menina dos fósforos, de Hans Christian Anderson, é um dos contos mais ilustres da humanidade. Um concentrado de ternura, compaixão e revolta. Contra a exclusão social. A adaptação da Save the Children propõe um final alternativo menos desolador. Não é um caso isolado. Sucedeu o mesmo com o Capuchinho Vermelho, de Charles Perrault. Segue o anúncio The Little Match Girl e o conto A menina dos fósforos.
“A menina dos fósforos
Estava tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de Dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
Por isso, a rapariguinha seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre rapariguinha! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava.
Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina julgou que estava sentada em frente de um fogão de sala cheio de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a rapariguinha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
E acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direcção à terra, deixando atrás de si um comprido rasto de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!
— Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o fogão de sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda.
Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.
Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… mor ta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.”
Hans Christian Andersen
Os melhores contos de Andersen
Editora Verbo, s/d
Até que a morte nos separe? (revisto 12.08.2022)

Na Internet, a escultura contemplada reproduzida na figura 1 de Gustav Vigeland é quase sempre designada com o seguinte título: “Até que a morte nos separe” (Till Death Do Us Part). A designação original é, no entanto, A Morte Separando um Homem e uma Mulher” (Death Parting Man and Woman). A ressonância semântica é praticamente a mesma: a separação pela morte.
Apetece desconversar. Retomemos o olhar. A escultura apresenta a Morte a interpor-se entre um homem e uma mulher abraçados. Lembra as danças macabras em que a Morte entremeia os vivos não permitindo que se toquem. Mas o casal ainda não está separado nem a morte evidencia uma pose de triunfo. O casal persiste abraçado e a morte concentrada no seu propósito. Será que o Amor pode resistir à Morte?

Alude Camões àqueles “que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando. “Todos resistimos à morte, uns valerosamente, outros nem tanto”. Camões sabe que não são apenas as obras valerosas que “nos vão da lei da morte libertando”, importa não esquecer o Amor. No Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel o Velho, ninguém escapa à devastação de Morte. Ninguém exceto um par de namorados, alheados da tragédia envolvente: concentre-se o olharver canto inferior direito do quadro (Figura 11). Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Pedro e Inês, “da lei da morte se libertaram”.

As obras de arte prestam-se a várias interpretações, por vezes, opostas. São polissémicas. Afinal, quem vence? O Amor ou a Morte? Depende do ponto de vista, da perspetiva. À semelhança do poema Não te amo mais, atribuído a Clarice Lispector, se o olhar desce, surpreende a morte a separar o casal; se o olhar sobe, vislumbra o casal a aguentar, a resistir à Morte. As obras de arte beneficiam em ser ambivalentes.
Não te amo mais
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais…(Poema atribuído a Clarice Lispector)
Qual foi a intenção do escultor? Ignoro. Mas, por importante que seja, a sua opinião não é a única nem, porventura, a mais decisiva. Esta é uma questão polémica no seio da sociologia da arte. Resumir-se-á a proposta avançada a um enxerto de sentido apressado, senão atrevido? Naturalmente. Trata-se de um mero exercício de pensamento que convoca o provérbio alternativo “nem a morte nos separa”. Mas a sorte das obras de arte reside, precisamente, em incorporar as interpretações que suscita, incluindo as mais bárbaras. Esta é outra questão polémica da sociologia (da receção) da arte.

Gustave Vigeland (1869-1943) é um reputado escultor norueguês. Em 1921, a cidade de Oslo disponibilizou-lhe um estúdio em Frogner, nos arredores de Oslo. É o início de uma obra monumental que culmina no atual parque Vigeland. Projeta, desenha, o parque, ao mesmo tempo, que introduz as esculturas. Começa com o Monólito (Fig 3) e a Fonte (Fig 6 ). No conjunto, ascendem a mais de 200 esculturas da sua autoria. O Parque Frogner/Vigeland, o maior da cidade de Oslo, destaca-se como uma maravilha mundial.
Esculturas de Gustav Vigeland. Vigeland Park. Oslo. Noruega.










Passar pela Noruega, nem que seja em pensamento, e não ouvir Edward Grieg não se afigura curial. Tanto mais que a famosa Solveig’s Song culmina, a preceito, com os seguintes versos:
“If you are in heaven now waiting for me
In heaven for me
And we shall meet again love and never parted be
And never parted be!”(Edward Grieg. Solveig’s Song).
Edward Grieg. Solveig’s Song. Peer Gynt. Intérprete: Marita Solberg. Direcção de Neemi Jarvi.
Incerteza
Janus tem duas faces. Cristo, três. Hoje, os jovens parecem ter dezenas. Têm resmas de identidades e fronteiras. E cabe tudo na cabeça. No anúncio Clones, do DNB Bank, as faces são muitas e conflituosas. Todos nos comprazemos a receitar incerteza, uma palavra para uns, um desafio corrosivo para outros.
Marca: DNB Bank. Título: Clones. Agência: try. Direcção: Joe vanhoutteghem. Noruega, Maio 2018.
Odisseia no espaço
Era uma vez um astronauta que evacuou uma estrela cadente, a qual, segundo a norueguesa Flax Instant Lotttery, dá sorte ao jogo. Trata-se de uma bênção sideral. A crença nas virtudes propiciadoras dos excrementos remonta aos primórdios da humanidade. “The world is full of lucky signs”. Felizes aqueles a quem o adubo cai do céu!
Marca: Flax Instant Lottery. Título: Lucky Signs. Agência: TRY, Oslo. Direcção: Matias & Mathias. Noruega, Junho 2018.
Sentinelas da desgraça
O anúncio It’s a hard knock life, da empresa de lacticínios norueguesa Tine, faculta um minuto de choques, quedas e pancadas de crianças. Mostra-nos os incidentes, bem como o sofrimento decorrente. O que seria sem o leite Tine? A acompanhar o anúncio, uma notícia enfatiza que nenhuma criança se magoou durante as filmagens. Este tipo de reparo adquire, por vezes, mais relevo do que o próprio anúncio.
Vídeos semelhantes, com acidentes e desastres humanos, infestam a Internet. Com milhões de visualizações. As pessoas gostam! Tine tão pouco pensa incomodar e, ainda menos, afastar as pessoas, pretende, outrossim, cativá-las.
Os próprios telejornais parecem um rosário de desgraças. Inflacionam as notícias associadas ao sofrimento e encolhem as notícias susceptíveis de gerar felicidade.
A empresa Tine e os canais de televisão sabem o que fazem. Não é sadismo. Tudo indica que o espectáculo do sofrimento é atraente.

Exposição Vertigens do Barroco. Baú. Séc. XVIII. Paço dos Duques de Bragança.
O que significa este voyeurisme de massas?
Com Aida Mata e Anabela Ramos, participei na organização da Exposição Vertigens do Barroco: em Jerónimo Baía e na actualidade, aberta ao público de 24 de Março até 2 de Setembro de 2007, no Mosteiro de São Martinho de Tibães. No recanto das “emoções confortáveis”, um baú barroco, um sofá e um ecrã com anúncios publicitários. Emoções aconchegadas no regaço da segurança. Falso ou verdadeiro, o espectáculo do sofrimento comove, revolta e mobiliza. Afloramentos efémeros de solidariedade inconsequente. A quintessência da identificação e da tele-solidariedade traduz-se na seguinte equação: “não é a mim, mas é como se fosse”. Luc Boltanki (1993, La souffrance à distance, Paris, Metailié) fala em “sofrimento à distância”. Uma espécie de tele-sofrimento. Um sofrimento que ressoa no vazio, estremece a bondade e recompõe a alma.
Marca: Tine. Título: It’s a hard knock life. Agência: Try (Oslo). Direcção: Martin Werner. Noruega, Outubro 1017.
Publicidade consagrada
O crescimento de anúncios consagrados a causas públicas é exponencial. Hoje, dia 1 de Outubro, na página Culturpub , seis dos dez novos anúncios são dedicados a causas:
- Alzheimer: E-Axz. Memory Error; da Entel (Perú);
- Antidroga: I Got This , da Face the Music and Recovery Unplugged (USA);
- LGBT: Love, do Canal Digital (Noruega);
- Violência sexual: It’s Illogical: The Wedding Caterer, da It’s on us (USA);
- Doação de órgãos: Speed dating as you’ve seen it before, da Speed Donating (UK);
- Prevenção rodoviária: When you get home, da Road safety (Holanda).
Outros anúncios:
- Um hambúrger salva uma criança: Icelandic boy, da Chicken Licken (África do Sul);
- Um Audi defende-se de condutores palhaços, Clowns, da Audi (UK);
- Uma mama espacial aleita crianças: Spaceship, da Rakunoh Mother, Japão;
- Uma carreira desportiva original, History is history, da Gatorade (USA).
Com ou sem causas, não há anúncio que não seja interessado. Alguns têm, inclusivamente, “interesse no desinteresse” (Bourdieu, Pierre, 1976, “Le champ scientifique”, Actes de la recherche en sciences sociales Année 1976 Volume 2 Numéro 2 pp. 88-104). Muitos não são interessantes. Importa, actualizar as ferramentas de análise dos anúncios publicitários.
Dos seis anúncios “consagrados”, destaco três:
- I Got This, pela exibição da miséria humana, com laivos de desrespeito e, até, sarcasmo para com as vítimas a resgatar. Lembra, pelo modo e pela música, o anúncio Unsweetened Truth, da America Legacy Foundation/Truth.
- Love, pela exibição eufórica do amor (homossexual) consubstanciado num beijo inesperado entre dois homens num santuário da masculinidade (um estádio de futebol).
- When you get home centra-se na relação entre um polícia e uma criança vítima de um acidente rodoviário.
Marca: Face the Music and Recovery Unplugged. Título: I got this. Agência: Ari Merkin. Direcção: Jared Knecht. USA, Setembro 2017.
Marca: Canal Digital. Título: Love. Agência: Try, Oslo. Direcção: Martin Werner. Noruega, Setembro 2017.
Marca: Road Safety. Título: When you get home. Produção: 25FPS Amsterdam. Direcção: Ben Brand. Setembro 2017. Carregar na imagem para aceder ao vídeo.
A música do silêncio
As palavras são um milagre e uma poluição. Como o plástico e o monóxido de carbono. O silêncio apraz-se nos países nórdicos. Não sei se é verdade, mas, aqui, a verdade não é critério. Quero também acreditar que a música embala o silêncio. É o caso do trio norueguês Building Instrument (https://tendimag.com/2014/03/28/a-musica-que-veio-do-frio/). Os pastores de rebanhos recorrema aos números para avaliar o desempenho das ovelhas. No que respeita a visualizações na Internet, a notoriedade dos Building Instrument ínfima.
Building Instrument. Bergen Jazzforum. 08 Fevereiro 2013.
Building Instrument. Fall. Kem Som Kan å Leve (2016).