Ainda bem! Maria Bethânia

Uma amiga passou várias semanas no Brasil. Regressou fascinada com a música brasileira. Cantarolava as cassetes que me convidava a ouvir. Paris cantava brasileiro no coração de uma libanesa. Acontece-me peneirar o passado. Há coisas que fiz que agora não faria. Ainda bem que fiz!
Bálsamo para sofridos

Ando devagar porque já tive pressa.
Esqueci o pensamento na cadeira do dentista. Quatro anestesias! Muita mecânica. Tive direito a óculos de realidade virtual, por causa do laser. Ainda dói a área intervencionada. Estou melhor? Espero. Valha a Maria Bethânia, um bálsamo para os sofridos.
Oração
Porque gostas, Senhor, de quem gosto? (AG).
Não sei rezar! Peço emprestada uma oração: a Prece de Fernando Pessoa (Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Lisboa: Ática. 1966) declamada por Maria Bethânia.
Prece, poema de Fernando Pessoa declamado por Maria Bethânia. Pintura: Cimabue, Crucifixo (detalhe), 1268-71.
Prece, de Fernando Pessoa. Letra.
Senhor, que és o Céu e a Terra, que és a Vida e a Morte
O Sol és Tu e a Lua és Tu e o Vento és Tu, também
Onde nada está, Tu habitas
Onde tudo está – (o Teu templo) – eis o Teu corpo
Dá-me alma para Te servir e alma para Te amar.
Dá-me vista para Te ver sempre no Céu e na Terra
Ouvidos para Te ouvir no Vento e no Mar
E mãos para trabalhar em Teu nome.
Torna-me puro como a Água e alto como o Céu
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
Nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos
E Te servir como a um pai.
Minha vida seja digna da Tua presença
Meu corpo seja digno da Terra, Tua cama
Minha alma possa aparecer diante de Ti
como um filho que volta ao lar
Torna-me grande como o Sol
para que eu Te possa adorar em mim
Torna-me puro como a Lua
para que eu Te possa rezar em mim
E torna-me claro como o Dia
para que eu Te possa ver sempre em mim
Senhor, protege-me e ampara-me
Dá-me que eu me sinta Teu
Smartphone
Só a música pode falar da morte (André Malraux, [1933] (1946), La condition humaine, Paris, Gallimard, p. 334)
O mundo é um espanto. No anúncio Relove, da Telefónica, a técnica salva-nos da própria técnica! Já tinha saudades destas dialécticas! Um casal, que o smartphone desencontra, reencontra-se graças ao smartphone. Live more love!
Existem objectos que são, simultaneamente, pessoais e civilizacionais. Alguns dignos de acompanhar o morto no outro mundo. Por exemplo, o relógio ou a aliança. Acrescento o smartphone. O relógio para não se atrasar na travessia, o anel para amar eternamente, e o smartphone para ouvir, no silêncio escuro, Fernando Pessoa e Maria Bethânia.
Marca: Telefónica. Título: Relove. Agência: África, São Paulo. Direcção: Vellas. Brasil, Junho 2017.
Maria Bethânia. Sonho Impossível. Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo. 1975. Poema de Fernando Pessoa.