Sem palavras

O anúncio italiano Every people matters, da ONG Emergency, é uma história sem palavras fácil de entender. Um refugiado vende rosas. Ninguém compra. À porta de um restaurante, inteira-se que um cliente é vítima de um ataque cardíaco. Consegue socorrê-lo. Será médico? É um ser à parte, ora desvalorizado, ora ignorado. Não há migrações sem consequências. É possível aproveitá-las, mas é mais fácil deixá-las degradar.
Dizem que o Natal é todos os dias. Nunca acaba. Não há festa tão elástica. Abre semanas antes com a incontinência das compras, acaba semanas depois sem dinheiro para os saldos. Prefiro o São João. Seis meses antes do Natal, começa e acaba de um dia para o outro, sem tempo para dívidas. Comparadas com a lareira do Natal, as fogueiras de São João ardem mais em menos tempo.
Doenças raras
Costumo ser céptico face à publicidade de consciencialização que se dá ares de apostolado do bem. Este anúncio da empresa farmacêutica Dompé é um caso à parte. Nem grandes causas, nem grandes públicos, nos antípodas dos exorcismos do tabaco, da droga ou do álcool, dos horrores dos acidentes rodoviários, das comiserações da exclusão social, das virtudes da contracepção ou das cruzadas para a salvação do planeta. Este anúncio alerta para uma realidade ínfima: doenças raras descuidadas, eventualmente, sem cura. Mas o anúncio é magnífico. Um hino à vida. Um corpo masculino, despojado, verdadeiro traço-de-união cósmico, relembra as potencialidades do nu masculino na comunicação estética. O anúncio despede-se de um modo notável. Estamos mais que habituados a inversões finais. Mas esta, para além de inesperada, é abrupta. Uma dobra suspensa no abismo da indiferença. “Ser um animal, e raro, é importante. Mas eu sou apenas um homem, com uma doença rara e ser raro como eu significa ser ignorado”.
Marca: Dompé. Título: The Rarest Ones. Agência: Saatchi & Saatchi Italia – Roma. Direção: Roberto Saku Cinardi. Itália, Fevereiro 2015.