Filantropia
— Valha-me Deus! — exclamou Sancho — Não lhe disse eu a Vossa Mercê que reparasse no que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e que só o podia desconhecer quem dentro na cabeça tivesse outros? (Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, cap. VIII. 1605).

Se existem novidades ao nível da publicidade, a proliferação dos anúncios de sensibilização é uma delas. Anúncios de empresas dedicados a causas sociais. Respiram bondade. O que visam estes anúncios? Promover a causa ou a marca? Sancho Pança, que vê moinhos de vento, diria a marca; Don Quixote, que vê gigantes, a causa. Num mundo onde supostamente naufragaram as grandes narrativas, as narrativas de médio alcance possuem um elevado valor simbólico. O anúncio Waste, da IKEA, é um excelente exemplo de publicidade de sensibilização.
A publicidade de sensibilização promovida pelas empresas é uma prática condenável? Talvez não! A história da humanidade revela que entre a bondade ou a maldade das intenções e a bondade ou a maldade dos resultados não existe uma equação linear. Recorde-se o subtítulo do livro de Bernard Mandeville: “vícios privados, virtudes públicas (A fábula das abelhas, 1723).
Sexualidades
Uma cerimónia esplendorosa! Com este balanço, todos os passos vão dar ao altar. A “surpresa” concede mais brilho ao caminho. A homossexualidade, ver o mundo LGBT, tornou-se tema destacado da publicidade actual. Depois da Diesel (https://tendimag.com/2017/02/21/um-buraco-no-muro/), da Nike (Vídeo 2), da SJ Swedish Railways (https://wordpress.com/post/tendimag.com/31215) ou da Coca-Cola (Vídeo 3), a Magnum sustenta a diversidade da sexualidade e do amor. Ao primeiro anúncio, podia-se pensar num capricho de uma grande marca; afinal, deve ser investimento. O tema vende junto dos públicos alvo!
Marca: Magnum. Título: Ceremony. Agência: LOLA MullenLowe. Direcção: Martin Werner. Espanha, Março 2017.
Marca: Nike. Título: We believe in the power of love. Direcção: Luca Finotti. Internacional, Feveiro 2017.
Marca: Coca-Cola. Título: Pool Boy. Agência: Santo (Buenos Aires). Argentina. Março 2017.
A Pedra Filosofal na Era Electrónica
Acaba de sair um anúncio da Apple, Dreams, centrado na versatilidade e nas potencialidades do iPhone 5s. Trata-se de uma opção clássica. Pelos vistos, o iPhone 5s é mais do que um canivete suíço; é um canivete suíço electrónico. Se o MacGyver possuísse um iPhone 5s, os episódios da série seriam mais curtos. O anúncio culmina, porém, com uma frase banal que é um golpe de mestre: “You are more powerful than you think”!
Um capítulo do livro Vertigens (download em pdf: Dobras e Fragmentos) releva que muitos anúncios ganham em ser encarados como alegorias. Por outro lado, um artigo deste blogue (http://tendimag.com/2014/06/14/todos-tugas-chamamento/) chama a atenção para uma tendência recente na publicidade: o anúncio como chamamento. Mais do que o produto ou do que a marca, o anúncio pretende caracterizar o consumidor. “O anúncio não é teu, tu és o anúncio, mais precisamente, tu és o anunciado.”
Neste novo anúncio da Apple, o essencial não é, afinal, o canivete suíço versão iPhone 5s. O anúncio tem ares de pedra filosofal da idade electrónica. O anúncio é, mas não é, uma descrição do produto. O anúncio é, mas não é, uma alegoria da marca. O conteúdo é uma alegoria do consumidor. A marca é uma alegoria do consumidor. Ambos profetizam o que ele é e o que ele pode. O anúncio é, assim, uma alegoria do consumidor. A aura do produto e da marca adere à pele do consumidor, “mais poderoso do que imagina”.
Marca: Apple – iPhone 5s. Título: Dreams. Agência: TBWA / Media Arts Lab (Los Angeles). USA, Agosto 2014.
A Marca da Consagração
Enquanto o Mundial de Futebol seca a publicidade, vale a pena revisitar as relíquias. Este anúncio da Pepsi Cola é genial: exotismo, Oriente, monges, kung fu, “solidariedade mecânica”, humor e, por último, a MARCAção do escolhido. Não parece, mas é um anúncio francês.
Marca: Pepsi Cola. Título: Kung Fu. Agência: CLM BBDO. Direcção: TARSEM. França, 2002.
Chamamento
O Carlos Nascimento é um amigo. Tem uma empresa de publicidade e deu-me o prazer de o acompanhar no doutoramento em Ciências da Comunicação. Numa conversa vadia, afloramos a importância crescente da figura do chamamento nos anúncios publicitários. Enviou-me, como exemplo, um anúncio soberbo da Nike: The Jogger, pela agência Wieden+Kennedy Portland. Estreado em 2012, foi um autêntico devorador de prémios. Desafiei o Carlos a fazer o comentário. Ganhei uma lição: a qualidade deste blogue pode melhorar.
O chamamento da grandeza ou a grandeza do chamamento?
À convocatória que as marcas fazem nos anúncios actuais, Albertino Gonçalves designa de chamamento, atribuindo-lhe assim algo de religioso que visa, mais do que uma relação material, uma ligação emocional, assente na partilha de missão e de valores e menos na experiência de produto.
Este anúncio da Nike é um excelente exemplo de chamamento, onde a marca não nos convoca nem pela experiência nem pelo benefício do produto mas sim por um exemplo de anónima virtude que nos toca: Greatness.
Dois movimentos fazem o filme: o de uma estrada gasta, agreste e inóspita que o efeito da câmara transforma num tapete rolante; o de um jovem anónimo, numa corrida sofrida e pesada. À medida que o filme avança, ambos os movimentos classificam e competem um com o outro. O esforço do corredor torna a estrada num calvário. Por sua vez, a estrada revela naquela figura desajeitada e quase grotesca um lutador persistente. O movimento da estrada, apesar de racional, regular e perpétuo vai perdendo para o da pessoa, emocional, desajeitado e ocasional. A aproximação sofrida da personagem à câmara é a prova maior de superação.
Neste exemplo rude é o texto que lhe dá o sentido. Greatness não apenas um exclusivo de alguns, poucos, nem tão pouco de super heróis mas também de all of us. É pelo texto que aquele episódio anónimo e aleatório passa a ser uma referência de virtude. Sem saber e sem contar, o chamamento daquele rapaz, longe dos olhares e de exibicionismos é também o nosso chamamento. E lá estava a marca para nos servir o exemplo como deve ser: cru, sem vaidades nem juízos.
Carlos Nascimento
Marca: Nike. Título: The Jogger. Agência: Wieden+Kennedy Portland. Direção: Lance Acord. USA, 2012.
Estética do Não
Veja como um diretor conseguiu conquistar o seu lugar na indústria cinematográfica. Neste percurso de resistência, quem paga a fatura é o corpo: rosto deformado, nariz torto e abatatado. Em suma, fica-se a saber que um não deixa marcas e um sim não as apaga. Um anúncio minimalista bem inspirado.
Anunciante: Astral Media. Título: In Between Odds. Agência: BCP Montreal. Direção: Emannuel Hoss-Desmarais. Canadá, Setembro 2012.