Inteligência Artificial, Machine Learning e composição musical

Pedro Costa, doutorado em Sociologia, investigador do CECS – Centro de Estudos Comunicação e Sociedade, acaba de publicar o artigo A Inteligência Artificial e Seus Herdeiros no blogue Margens (https://tendimag.com/?p=55533). Um ensaio sobre a Inteligência Artificial, o Machine Learning e o futuro da criatividade, designadamente no que respeita à música. Pertinente, oportuno, bem escrito, fundamentado e criteriosamente ilustrado, trata-se de um texto raro, subtil e ousado. Aproveito para acrescentar quatro vídeos excelentes relativos a outras tantas músicas emblemáticas da relação entre o homem, a máquina e as emoções: The Robots (1978), dos Kraftwerk; Wellcome To The Machine (1975), dos Pink Floyd; All Is Full Of Love (1997), da Bjork; e How Does It Make You Feel (2001), dos Air.
Diálogo entre gerações

Por vezes as pessoas não querem ouvir a verdade, porque não desejam que as suas ilusões sejam destruídas (frase atribuída a Nietzsche)
Quanto mais os sistemas de ensino se aproximam de máquinas de empacotar saber mais as máquinas de entretenimento ousam funcionar como fontes de sabedoria? Este anúncio com um diálogo possível entre o saber dos pais e a sabedoria da filha é uma delícia. Uma amostra da comunicação entre gerações. Sem compromissos nem ressentimentos.
Solidão assistida

Conheço a solidão. É uma amiga nem sempre desejada. Respeito-a! Solitário, dedicava-me à leitura de um livro ou a ver televisão. Nunca dancei com um robot, mas lutei com o travesseiro. Hoje, entrego-me ao computador ou ao telemóvel. Estranha forma de companhia. Por enquanto, não há máquina que substitua o ser humano. A este falta-lhe um botão para ligar e desligar. De qualquer modo, às vezes vale a pena “estar no computador”. O anúncio B.E.N., da Société de Saint Vincent de Paul, é uma obra de arte.
O robot que ri
“A guerra interior da razão contra as paixões fez com que os que quiseram ter a paz se dividissem em duas seitas: uns quiseram renunciar às paixões e tornar-se deuses; outros quiseram renunciar à razão e tornar-se brutos. Mas, não o conseguiram nem uns nem outros; e a razão, ficando sempre, acusa a baixeza e a injustiça das paixões e perturba o repouso dos que a elas se abandonam; e as paixões estão sempre vivas nos que querem renunciar a elas” (Pascal, Blaise, 1670, Pensamentos).
O homem é um ser racional? Talvez menos do que nos aprestamos a acreditar. Os grandes clássicos da sociologia duvidam. Atente-se nas “acções racionais com relação a valores”, nas “acções afectivas” e nas “acções tradicionais”, de Max Weber (1864-1920); ou nas “acções não lógicas”, de Vilfredo Pareto (1848-1923). Acrescente-se que, ao arrepio de G.W.F. Hegel (1770-1831), um fenómeno pode ter sentido sem ser racional.
O anúncio Evelyn, da Sprint, mais do que uma paródia, aproxima-se de um cúmulo da racionalidade. O próprio anúncio é racional, como a maioria dos anúncios. O objetivo é um efeito São Paulo: a conversão dos espectadores da Veryson para a Sprint. O meio é eficaz: uma paródia de uma “escolha racional”, ou seja, da emergência de uma decisão inteligente.
Os robots são os protagonistas do anúncio. Eles e nós, que nos identificamos com o cientista. A exemplo da Evelyn, são capazes de aprender. E de dar instruções. Creio que já existem máquinas capazes de aprender e de instruir. Configuram, de algum modo, um efeito de realidade.
Para além de aprender e instruir, os robots têm sentido de humor. Entramos no cerne do anúncio. Os robots riem! Riem do cientista, com o qual nos identificamos. Riem de nós, os tansos que ainda não mudaram para a Sprint. Embora não pareça, o anúncio apela ao sonho, um sonho embalado pela razão.
A identificação é um processo complexo, nada linear. Podemos identificar-nos com o cientista e, ao mesmo tempo, com os robots. Uma identificação dupla. Somos propensos à identificação com animais, cartoons, bebés e robots. Os robots riem-se de nós; e nós com eles.
Marca: Sprint. Título: Evelyn. Agência: Droga 5. Estados Unidos, Fevereiro 2018.
Sexualidades 2
Com a aproximação da Primavera, tudo desperta. Até a sexualidade. Sabia que andar num Audi A1 é algo como fazer amor? “Llamémoslo amor” confirma o anúncio: Audi A1, o carro do amor, parado ou em movimento. Uma bela colagem: sexo e máquina.

Devendra Banhart.
A música é do norte-americano Devendra Banhart, um compositor e intérprete sui generis. Acrescento uma segunda música bastante antiga: Inaniel, do álbum Cripple Crow (2005).
Marca: Audi A1. Título: Amor. Agência: DDB España. Direcção: David Vergés. Espanha, Fevereiro 2016.
Devendra Banhart. Inaniel. Cripple Crow. 2005.
Andróides
O Halloween já passou, mas o próximo ano vai ter andróides como nunca. Convém dar-lhes as boas vindas.
Carregar na imagem para aceder ao anúncio.
Marca: Nike. Título: Johnny The Angry Android. G Agência: Goodby, Silverstone & Partners. Direcção: Michael Bay. USA, 1999.
O anúncio The Angry Android, da Nike, centra-se numa cabeça associada a uma máquina. O director , Michael Bay, realizou, entre outros, os seguintes filmes: Bad Boys (1995), A Rocha (1996), Armageddon (1998), Pearl Harbor (2001), The Island (2005), Transformers (2007), Pain and Gain (2013) e The Last Ship (2014).
No vídeo musical Dare, dos Gorillaz, também sobra uma cabeça com queda para a música.
Gorillaz. Dare. 2005.
Os dois vídeos lembram-me o livro de ficção científica I Will Fear no Evil, de Robert H. Heinlein (1970): o cérebro de um homem é transplantado no corpo de uma mulher. Ficção por ficção, se o cérebro masculino transplantado num corpo feminino acaba por pensar e agir como uma mulher, será que uma cabeça ligada a numa máquina também poderá pensar como uma máquina? E o Leviatã (1651), de Thomas Hobbes, sobreviveria sem corpo?
Amor mecânico
Se sente um amor ingénuo, sincero, fiel e ternurento e não o consegue expressar, diga-o com máquinas. Funciona. Un robot y una aspiradora logran estimular más nuestras fibras sensibles do que Romeo y Julieta. Por supuesto. No palco da vida, o amor mecânico está em vias de superar o amor trágico. Em breve, Cyrano de Bergerac vai declarar-se mais ou menos deste jeito: “És uma máquina! Adoro o modo como trabalhas. Os parafusos todos no sítio e um aroma a lubrificante…”
Vêm a propósito muitos vídeos, alguns famosos como o All is full of love, da Bjork. Opto, porém, pelo vídeo Just like, da desconhecida banda Beat Dis.
Marca: Vorwerk Kobold VR200. Título: Love sucks. Agência: Saatchi & Saatchi Dusseldorf. Direção: Jamie Rafn. Alemanha, Setembro 2014.
Beat Dis (2), Just like, Keep Still, Hungria, 2007.
Máquinas desejadas
Mais um cheirinho a Old Spice. Regressa a aposta num protagonista biomecanóide. Uma figura com séculos, mas, hoje, particularmente infestante. À dita pós-modernidade associam-se duas multiplicidades: a do ser múltiplo e a do ser multiplicado. O ser multiplicado é o maná das identidades líquidas e fragmentadas: uma dúzia (pós-moderna) a agarrar o presente e apenas uma (moderna) a pagar impostos!
Comparando com o artigo anterior (http://tendimag.com/2014/07/25/pos-modernidade-vitoriana/), suspeita-se que, na pós-modernidade modernamente assistida, o que está em voga não é a carne (censurada), mas a máquina (desejada). A tragédia grega tem o coro, Pinóquio, o Grilo Falante e eu, o Demónio Céptico, demónio que me anda a tentar: “a pós-modernidade é, antes de mais, o pós-modernismo, e o pós-modernismo, um movimento intelectual profético, a grande narrativa contemporânea”.
Marca: Old Spice. Título: Soccer. Agência: Wieden+Kennedy USA. USA, Julho 2014.
Feronomas
Charlie White é um realizador cujo fascínio pela iconografia porno é conhecido. Neste videoclipe Lights, para os Interpol (2010), o enredo resume-se em poucas palavras: acompanhada por duas ajudantes orientais, uma mulher, a “Pheromone Doe”, despe-se e veste-se com latex, injecta e expele um líquido seminal. Não obstante a carga erótica, Lights é um vídeo estranho e desconfortável. Lembra filmes como Histoire d’O (1975). Lembra, também, embora de uma forma invertida, o videoclipe All is full of love, de Chris Cunningham, para a Björk: erotismo eufórico de máquinas humanizadas versus erotismo disfórico (sacrificial) de humanos maquinizados, ambos percorridos por fluídos aparentemente seminais. Enfrentam-se no filme Blade Runner (1982), com humanos demasiado máquinas a perseguir máquinas demasiado humanas.
Charlie White. Interpol: Lights. Interpol.2010
Chris Cunningham. Björk. All is full of love. 1999.
A sensualidade da máquina
Ao ver um filme, um vídeo musical, um videojogo ou um anúncio publicitário, ocorre-me, muitas vezes, perguntar: por que é que, no ecrã, as máquinas expressam melhor as sensações do que os seres humanos? Por que é que o efeito de sensualidade, o jogo dos sentidos, é nelas mais eficiente? Que estranha química é essa do nosso olhar? Esta campanha publicitária da Nestlé é inequivocamente subordinada a esse tema: “’Nestlé Grand Chocolat’ is back on TV in 2013 under the sign of ‘Sense Revolution’, with a communication strong in sensations…” (JWT Paris).
Marca: Nestlé. Título: The Android. Agência: JWT Paris. Direção: Chris Delaponte. França, Fevereiro 2013.