Excitação: a sopa das delícias
A gula e a luxúria, o banquete e o sexo, costumam andar de braço dado. Abundam os textos, as pinturas e os filmes onde se cruzam, como nesta gravura do século XV. Uma tentação a que a publicidade não resiste. No Japão, país de delícias requintadas, uma sopa gera um prazer irresistível consubstanciado num coro orgiástico (Marca: Miojo Ippei Chan. Título: We Can’t Stop. Agência: Hakuhodo. Japão, 2000). Para visualizar o anúncio, carregar na imagem ou no seguinte endereço: http://www.culturepub.fr/videos/myojo-ippei-chan-soupe-de-nouilles-we-can-t-stop/.
O Chocolate e a Capuchinho Vermelho
Chocolat Lanvin, ca. 1950. Dali participou num anúncio do chocolate Lanvin.
Na erótica da alimentação, o chocolate é talvez o alimento em que a gula e a luxúria mais se namoram. Voluptuosamente. Não é de admirar que o desodorizante Axe, a fragrância do arrebatamento libidinoso, associe um produto, Dark Temptation, ao chocolate: “Axe Dark Temptation as irresistible as chocolate”. O anúncio argentino “Hombre Chocolate” não deixa margem para dúvida. Transformado em homem chocolate após uma vaporização Axe, o protagonista é salvo pela duração do anúncio: um minuto. Mais alguns segundos e ficaria eunuco. É este apelo (sex-appeal) do chocolate que convoca, para além do Ambrósio, do anúncio da Ferrero Rocher, figuras tais como o lobo mau e a capuchinho vermelho. Qual é a razão? Bruno Bettelheim propõe uma resposta.
Marca: Axe. Título: Hombre Chocolate. Agência: Vega Olmos Ponce. Direção: Tom Kuntz. Argentina, 2007.
Paródia disparatada
Há dias, fiz um apelo para a interpretação de uma gárgula do Mosteiro da Batalha. Apetece-me, agora, alinhar alguns disparates.
Grotescas, as gárgulas incarnam o pecado, em acto ou em expiação. Constituem exemplos a evitar. Muitas gárgulas com figuras humanas são frades ou freiras que caíram na tentação da carne, da luxúria e da gula. Várias freiras têm manto, mas subido ou aberto, exibindo os peitos e as partes genitais. Umas estão com as mãos juntas, em sinal de arrependimento, outras com as mãos em partes impróprias. Por vezes, aparece uma criança, de corpo inteiro ou só a cabeça (no peito, no ventre…). Há quem associe estas figuras de mulheres devassas com criança a freiras que tiveram filhos, nomeadamente com autoridades da comunidade eclesiástica. Que motiva a Igreja a esculpir estes desmandos? Há quem assegure que a Igreja estava mais empenhada em combater, do que em encobrir, os pecados internos.
A gárgula pode corresponder a uma freira que teve um filho através de uma relação inaceitável. E a criança? Por que está assim representada? A mulher engole, vomita ou engasga? Nada inibe o escultor grotesco de colocar uma cabeça nos locais mais inconcebíveis: no peito, na barriga, no rabo, na perna… E na boca. Mas não me parece que seja ao acaso.
Continuando a fabular, mas de outro jeito.
As bruxas também tinham mantos e cobriam a cabeça. Na Idade Média, havia muitas bruxas na cabeça das pessoas. No ranking da luxúria, estavam no topo. E constava que comiam crianças, incluindo os filhos. Figura próxima do diabo, a bruxa tinha lugar cativo na tribuna das gárgulas.
A figura desta gárgula com uma criança na boca traz à memória o parto do gigante Gargântua pela orelha da mãe, Gargamelle (ver http://tendimag.com/?s=partos+extravagantes). As letras francesas e a escultura portuguesa a aproximar-se! Era lindo, não era?
Complicando, mas estamos a lidar com reportórios simbólicos muito sensíveis, já tinha ouvido falar em espécies de rã que têm os filhos pela boca. Segundo o jornal ABC News, de 20 de Março de 2013, uma equipa de cientistas australianos recuperou uma estirpe de rã “que dá à luz pela boca” (http://abcnews.go.com/blogs/technology/2013/03/frog-that-gives-birth-through-mouth-to-be-brought-back-from-extinction/). Ora o sapo é dos animais mais ligados à bruxaria e ao próprio diabo.
Sabe bem fabular, delirar, parodiar a argumentação científica. Será que se esconde em cada um de nós um Jonathan Swift ou um Carlo Cippola?
A culinária do orgasmo
Enquanto o antibiótico se mantém preguiçoso, entretenho-me a ver sombras na caverna.
Blaise Pascal (1623-1662) é uma sub-rotina do meu pensamento. Pierre Bourdieu também não se cansa de o citar, tendo-lhe dedicado um livro (Meditações Pascalianas, 1997). Quanto a mim, apraz-me citar Pascal a propósito do prazer:
“Os princípios do prazer não são firmes nem estáveis. São diversos em todos os homens, e variáveis em cada caso particular com uma tal diversidade, que não há nenhum homem mais diferente de outro que de si próprio nos diversos momentos da vida. Um homem tem prazeres diferentes de uma mulher; diferentes são os de um rico e os de um pobre; um príncipe, um militar, um mercador, um burguês, os velhos, os jovens, os sadios, os doentes, todos variam; os mínimos acidentes os alteram” (Pascal, De l’Art de Persuader).
Para abrir este vídeo, carregue na imagem ou aceda a http://www.culturepub.fr/videos/kabanossi-saucisses-les-plaisirs-de-la-table?hd=1.
Marca: Kabanossi. Título: Os Prazeres da Mesa. Finlândia, 2003.
O próximo anúncio foi proibido, tendo circulado viralmente. Para aceder, carregar na imagem.
Marca: New England. Título: A Adolescente. Agência: Howell Henry Chadelcott. Direcção: Klaus Witting. UK, 1992
A gula e a luxúria são os dois pecados capitais mais propensos a namorar entre si. Thomas Munzer (1490-1525) diria, na sua prosa suculenta, que fornicam em conjunto. Erotizar alimentos é uma velha receita da publicidade. O cúmulo consiste em sugerir que o prazer do consumo alimentar é equiparável a um acto sexual com orgasmo à vista (vídeos 1 e 2). Aprendemos, entretanto, que os alimentos podem ter sexo (vídeo 3): o gelado, a salsicha e o queijo são, pelos vistos, masculinos. Um queijo? Sem dúvida, tresanda a homem. E combina força e ternura. Pena que os alimentos não engordem a natalidade.
Para abrir o próximo vídeo, carregue na imagem ou aceda a http://www.culturepub.fr/videos/coeur-de-lion-camembert-force-et-tendresse?hd=1.
Marca: Coeur de lion. Título: Force et Tendresse. Agência: FCB. França, 1994.
É do caneco!
A publicidade contempla o feio. Contempla também o estúpido. Contempla ainda o mau. Dá quase para o título de um western spaghetti. A Royco Cup a Soup e os Doritos são uma fonte de prazer indescritível. Despertam qualidades humanas de todas as idades: a preguiça (vídeo 1), a luxúria (vídeo 2) e a avareza cruel (vídeo 3). Todos, pecados capitais. Beba uma colher de Royco Cup a Soup, trinque um dorito, e terá direito a um fim-de-semana num resort à sua escolha no inferno. São muitos os anúncios que convocam a tentação e o pecado. Veja-se, a título de exemplo, os anúncios das massas Panzani (http://tendimag.com/2012/10/09/o-pecado-na-publicidade/).
Marca Royco cup a soup. Título: É do caneco. Portugal, 1997
Marca: Royco cup a soup. Título: Rêve de Tarzan. Bélgica, 2003.
Marca: Doritos. Título: Road Chip. EUA, Janeiro 2013.
A luxúria da castidade
Há muitas formas de pintar o paraíso. Há muitas formas de pintar a mulher no paraíso. Há muitas formas de pintar a tentação que ora nos afasta ora nos aproxima do paraíso. Há muitas formas de não o conseguir. Não é o caso destes anúncios indianos para a marca Forest Essentials. Transpiram criatividade, pureza, beleza, prazer e tentação.
Marca: Forest Essentials. Título: Apsaras. Agência: Wieden + Kennedy Delhi. Direção: Paul Minor. Índia, Outubro 2012.
Marca: Forest Essentials. Título: Luxury of Purity. Agência: Jack in the Box Worldwide. Direção:.Abhijeet Chhabra. Índia, Janeiro 2012.
Dior. Secret Garden. Versailles
Glória a Versalhes, glória à mulher magra, glória ao jato de água! A Dior no seu esplendor. O luxo e a luxuria num piscar de olhos obsessivo. Com a Daria Strokus a correr na Galeria dos Espelhos do jeito que os anjos voam quando encolhem as asas. Um belíssimo anúncio com exímia combinação entre a cor e o preto e branco. Ainda bem que há quem saiba o que sabe fazer.
Marca: Dior. Título: Secret Garden – Versailles. Direção: Inez VAN LAMSWEERDE. França, Abril 2012.