Pessoalização

O Edgard J Sales enviou este anúncio filipino da Levi’s. Publicado na época de Natal de 2018, conta uma história banal que culmina num final carregado de sentimento e emoção. O tema do anúncio é a pessoalização. A Levi’s convida os clientes a pessoalizar as roupas com motivos disponibilizados gratuitamente. A pessoalização compra-se, vende-se e oferece-se. Na loja, um cliente distingue-se. Em vez de uma estampa em tecido, pede uma incrustação metálica. O casaco é, de facto, especial. Destina-se ao filho. No anúncio, o tateio das incrustações funciona como detonador de uma descarga emocional. O filho é cego e o casaco contém uma mensagem: “para onde quer que vás, eu estarei lá”. Um cúmulo de generosidade, empatia e dedicação. Corolário: onde quer que vá, a Levi’s acompanha-o.
Três em um

- A surpresa mora na Internet. Desesperado de encontrar um bom vídeo com a música Because The Night, de Patti Smith, percorri a lista do Google quase de fio a pavio. Deparei com este vídeo, cuja imagem consiste num extenso e desinibido cruzamento de duas citações: o soberbo anúncio Odyssey, da Levi’s (2002) e o perturbador filme The Million Dollar Hotel, de Wim Wenders (2000).
Seguem o vídeo para a música Because The Night, de Patti Smith, o trailer do filme The Million Dollar Hotel, de Wim Wenders, e o anúncio Odyssey, da Levi’s.
Cinderelo. Uma inversão dos papéis de género

Quem tem mais poder? O Príncipe ou Cinderela? Quem dispõe do sapato ou quem possui o pé? O anúncio Cinderella, da Levi ’s, opera uma inversão de papéis de género. Uma mulher procura o Cinderelo, não com um sapatinho de cristal, mas com umas calças Levi’s. Do pé passa-se para as pernas. Retomando a pergunta: Onde reside o poder? No Príncipe ou na Cinderela? No homem ou na mulher? Ou na mediação? No sapato e nas calças.
O anúncio Cinderella constrói um mosaico da masculinidade. Alinha vários estereótipos de homens. Inverte-se o foco. O olhar incide, não sobre a ritualização da feminilidade (Erving Goffmann, 1976, Gender Advertisements), mas sobre a ritualização da masculinidade.
Como bónus, a música do anúncio:
Contacto à distância

Quino
Gregarismo humano: as pessoas têm tendência a fazer companhia a quem a tem; logo, a não fazer companhia a quem não a tem. Respeitamos a solidão.
Quem dera escrever como o Quino desenha. Um homem e uma mulher não param de falar ao telemóvel. Regressados a casa, permanecem em silêncio ou aproveitam o facto de estar juntos para cada um comunicar pelo telemóvel com outras pessoas. Estamos telemobilizados, formatados para o contacto à distância.
Se fosse o Quino, fazia dois desenhos: 1) uma série de ilhas, cada uma com uma pessoa a falar ao telemóvel; 2) um casal a dormir com a cabeça repousada em almofadas com forma de telemóvel. Como não sou o Quino, limito-me a partilhar anúncios publicitários. Existem muitos anúncios dedicados aos usos do telemóvel. Alguns, de consciencialização, encenam catástrofes, designadamente acidentes rodoviários. O motivo dos anúncios da Levi’s e da Durex afigura-se-me mais interessante e, porventura, mais grave: a insularidade afectiva do ser humano.
Este artigo nasceu pequeno. Para não descarregar a bateria.
Marca: Levi’s. Título: Sea of Blue. Agência: FCB West. Estados Unidos, Fevereiro 2017.
Marca: Durex. Título: Turn off to turn on. Internacional, Março 2014.
Corpo a corpo
“Na guerra como no amor, só o corpo a corpo dá resultados” (Blaise de Monluc, 1501-1577).
Não conhecia a palavra “nomofobia”: medo ou angústia da privação da comunicação por celular ou por computador. Consta que esta “doença” não é rara nem meiga. Ainda jovem, era canónico criar as palavras compostas a partir de palavras antigas, normalmente gregas ou latinas. Atente-se, por exemplo, na palavra “nomotetia”. Remete para o estabelecimento de leis gerais; provém do grego; da palavra νόμος, lei, e do radical θη, postular, estabelecer (https://pt.wikipedia.org/wiki/Nomot%C3%A9tico). Na Sociologia, os estudos nomotéticos visam leis gerais e os estudos ideográficos incidem sobre casos. Na actualidade, as palavras tendem a ser geradas por colagem, ver bricolage, sem esmeros de etimologia. No artigo anterior, a palavra “Eatkarus” resulta da junção de “eat” (em inglês, comer) e Ikarus (figura mitológica). Nomofobia bebe nas mesmas águas. Nomofobia devia significar algo como medo da lei. Mas a palavra é uma geringonça que combina o inglês No-Mo (No-Mobile; sem telemóvel) e o grego fobos (φóβος). “É uma espécie de miscelânea”.
A dependência do celular é o mote do anúncio Sea of Blue, da Levi’s. A cor do filme não é arbitrária: « muito coerente na sua realização, o anúncio é banhado por uma luz azul, símbolo da ambivalência entre o real e o virtual: o azul da cor dos nossos ecrãs mas também do grande mergulho na vida, e, naturalmente, da ganga da marca” (http://www.culturepub.fr/levis-plonge-dans-la-vie-reelle/).
Junto à piscina, todos os convidados estão concentrados nos celulares. Todos? Menos dois jovens : um rapaz e uma rapariga. E o que começa com uma paródia da comunicação insular acaba num turbilhão carnal em “mar azul”. Agarra o momento, solta o corpo, excita a vida!
Marca: Levi’s. Título: Sea of Blue. Agência: FCB West. Direcção: Laurent Uchrin. USA, Fevereiro 2017.
Alusões
A publicidade tem especial apetência pela intertextualidade. Espera beneficiar da aura alheia.
O anúncio Who says we can’t, da Mitsubishi, convoca as bailarinas de Edgar Degas (1834-1917) e o anúncio Odyssey (2002) da Levi’s (ver http://tendimag.com/2011/09/16/libertacao/). Estas fontes de influência podem funcionar de vários modos. O destinatário pode ignorá-las por completo. Citações sem referência, nem, por isso, perdem o efeito próprio. Trata-se, apesar de tudo, de uma cena à Degas ou de uma libertação à Odyssey.
O destinatário pode não identificar a citação, mas esta pode não lhe ser estranha. Cruzou-se algures com ela, por exemplo, estampada numa caixa de chocolates. Neste caso, ao efeito de uma citação sem referência, acrescenta-se o efeito de familiaridade.
Muitos espectadores conhecem, mesmo assim, o anúncio Odyssey e a pintura de Degas. Agora, o confronto intertextual presta-se à especificação e à contextualização, dando azo a uma pluralidade de leituras dialógicas. Na citação com referência, a aura assemelha-se a um chapéu mexicano: tem outro alcance e ajusta-se aos objectivos. Principalmente, quando o anúncio se apresenta particularmente bem conseguido.
Marca: Mitsubishi. Título: Who says we can´t. Agência: MK Norway, Bergen, Norway. Direcção: Jacob Strom. Noruega, Março 2014.
- 01. Edgar Degas. Dancing examination. 1874.
- 02. Edgar Degas. Ballet Rehearsal on Stage. 1874
- 03. Edgar Degas. A aula de dança, Museu d’Orsay. 1875.
- 04, Edgar Degas. Dancers Practicing at the Bar. 1876-77
- 05. Edgar Degas. Two Dancers Entering the Stage. c.1877.
- 06. Edgar Degas. Balançant danseurs. 1877-79
- 07. Edgar Degas. Prima Ballerina, cerca de 1878, Museu de Orsay.
- 08. Edgar Degas. Dancers Climbing a Stair. c.1886-1890
- 09. Edgar Degas. Ensaio de Ballet, 1879. Mussée d’Orsay
- 10. Edgar Degas. ballet class the dance. Hall. 1880
- 11. Edgar Degas. L’Atteinte. 1882.
- 12. Edgar Degas. The pink dancers before the ballet. 1884
- 13. Edgar Degas. Dancer Adjusting Her Shoe . 1885.
- 14. Edgar Degas. Blue dancers. 1898-99.
- 15. Edgar Degas. Dançarinas atando as sapatilhas, cerca de 1893-1898, Museu de Arte de Clevland, Ohio.
As minhas calças falam!
Estão na moda as calças justas. Pois, a Levi’s propõe umas calças ainda mais justas, mais versáteis e mais confortáveis. Assentam, salvo seja, que nem luvas de cirurgia. Embora avesso às formas (eg, as modelos), o corpo é cada vez mais forma, e a roupa, contorno. Algo como uma escultura e o respectivo oxidante. “Let your body do the talking”. No livro The Silent Language (1959), Edward T. Hall intitula o capítulo 9 “Time talks” e o 10, “Space speaks”. Pela mesma altura, Ray Birdwhistell, tal como Hall, membro da Escola de Palo Alto, investiga a linguagem corporal (Introduction to Kinesics, 1952). Tudo fala! Segundo o axioma de Paul Watzlawick, da mesma escola, não se pode não comunicar (com Janet Beavin e Don Jackson, Une Logique de la Communication, 1ª ed. 1967). Em suma, as calças Levi’s são umas tagarelas! E, por incrível que pareça, as calças falam por ti. Tanto aqui como na China.
Marca: Levi’s. Título: Experience the benefits. Agência: Wieden + Kennedy, Shanghai. Direção: Gustav Johansson. China, Agosto 2013.
Sharingan
Há décadas que os manga e os animee têm vindo a conquistar espaço no imaginário ocidental. E a publicidade tem-lhe feito as devidas vénias. Nos últimos dias, saíram dois anúncios inspirados nas artes marciais orientais: um chinês, às calças Levi’s, e outro brasileiro, à cerveja Budweiser. Ambos lembram os filmes de Bruce Lee e a clássica série Kung Fu, com David Carradine.
Marca: Levis Denizen. Título Kung Fu. Agência: JWT Shangai-Hong Kong. Direção: Eric Randstell. China, Maio 2012
Marca: Budweiser. Título: The Great Preparation. Agência: Africa, São Paulo. Direção: Armando Bo. Brasil, Maio 2012.
O absurdo veste Levi’s
Uma música à Marilyn Manson, passagens à Monty Python e uma história sem calças. Grotesco, muito grotesco, grotesco apurado! O que é? Um anúncio às calças Levi’s, dirigido por Spike Jonze. Está escrito.
Marca: Levi’s. Título: Tainted Love. Agência: Foote Cone & Belding. Direcção: Spike Jonze. EUA, 1996.
Libertação
Este anúncio da Levi’s é um assombro. Tem tudo como deve ser: a criatividade, a imagem, o ritmo, o som, o menino e a menina… Vê-los assim correr até lembra uns 400 metros barreiras com salto à vara final num episódio de Matrix. Só um reparo: atentem como o imaginário nos tende a pintar: os heróis do cinema, dos videojogos e da publicidade adquirem uma sobrecapacitação corporal que não tem correspondente mental.
Não resisto a acrescentar uma paródia deste anúncio, feita no mesmo ano, pela Lift.
Vídeos:
Levi’s. Título: Odyssey. Agência: Bartle Bogle Hegarty. Direcção: Jonathan Glazer. Reino Unido, Jan. 2002.
Lift. Título: Odyssey. Agênia: Mother. Direcção: Daniel Kleinman. Reino Unido, Set. 2002.