Tag Archive | Joe Cocker

Aspirar a solidão

Edward Hopper. At the window. 1940.

O confinamento altera as rotinas. As pequenas e as grandes. Presta-se ao desempoeiramento dos objetos: filmes, discos, fotografias, entrevistas gravadas… Alguns aguardam uma infinidade por um gesto de atenção. Poderiam continuar esquecidos? A televisão é uma alternativa, mas irrita. O telemóvel? Nunca lhe apanhei o jeito. Despacho as pessoas, e elas ressentem-se. Entrego-me, portanto, às minhas coisas, como o Principezinho à rosa.

Sem o confinamento, os objetos são belas adormecidas à espera de animação.  Passo os dias só. A solidão não me larga. Também ganho pó. O Tendências do Imaginário é uma face deste isolamento. A solidão não é boa nem má. É um estado com que se convive bem ou mal. A música é uma companheira. Aspira o pó da solidão.

Joe Cocker. You are so beautiful. I Can Stand a Little Rain. 1974.
Joe Cocker. Up where we belong. An Officer and a Gentleman. 1982.

Chover ou não chover no molhado

 

Volkswagen 2

O anúncio Rain, da Volkswagen, retoma os tempos dos festivais hippies e dos míticos “carocha” e “pão de forma”. Não aparece nenhuma versão recente! É certo que o trio hippie, carocha e pão de forma desfruta de uma carga simbólica ímpar. Mas também é verdade que ainda não desapareceu da memória a falsificação dos resultados das emissões de poluentes em motores diesel. Fazer a ponte entre as versões “históricas” e as versões em lançamento é procurar não chover no molhado.

Tive um carocha 1 500 cor de laranja. Era quase um tractor, mas bebia gasolina como quem bebeu petróleo. Como quem bebeu petróleo? Era criança, no tempo do Woodstock, a família tinha uma mercearia. Numa esquina, um dispositivo imponente para medir petróleo. Naquele tempo, consumia-se muito petróleo. Volta e meia, era necessário encher a “máquina”. Os barris de petróleo estavam numa divisão afastada. Um dia, coube-me ir buscar um balde de petróleo. O processo era simples: colocar a extremidade de uma bicha dentro do barril, aspirar com a boca na outra extremidade e colocá-la no balde. Cheio o balde, a operação também era simples: tapar com um dedo a bicha e levantá-la para que o petróleo da bicha regressasse ao barril. Pois bem, eu aspirei com toda a vontade e não retirei a bicha a tempo. Resultado: bebi umas boas goladas de petróleo. Deu-me tamanha sede que quase sequei o fontanário. Não há palavras! Estou convencido que parte da sede que agora sinto ainda me vem desse episódio.

Marca: Volkswagen. Título: Rain. Agência: Deutsch Los Angeles. Direcção: Lance Acord. USA, Outubro 2017.

Com o mundo nas mãos

Conectados. Estudiantes.O contacto, a conexão, entre pessoas capacita, gera sinergia. Torna possível o improvável. Neste anúncio, brilhante, o mundo aproxima-se da figura de um mosaico ou de um puzzle em que as diferentes peças apenas se sobrepõem sem se confundir, mesmo assim o suficiente para completar a acção. As situações e as pessoas interagem de um modo inacabado e imperfeito, mas eficaz. Namoram-se sem se anular, como um beijo de Gustav Klimt. O anúncio multiplica os sinais desta reserva e incompletude. Somos com os outros, conseguimos com os outros, mas não somos os outros, para o bem todos. O ruído preserva a identidade. A unicidade ameaça-a.

Anunciante: Movistar. Título: Conectados. Agência: Young & Rubicam Perú; Directora de Produção: Julieta Kropivka. Perú, 2010.

Gosto deste anúncio da Movistar. Já o tinha colocado há sete anos no Facebook. Hoje, a conversa é diferente. Acrescento três canções associadas à congregação de vontades: With a little help from my friends, do Joe Cocker; Canta amigo canta, do António Macedo e, porque na Itália também se canta, Insiemi, de Toto Cutugno. Todas ilustram a nossa incomensurável capacidade de sonhar em conjunto.

António Macedo. Canta amigo canta. 1974.

Toto Cuttugno. Insiemi. 1990.

Joe Cocker. With a little help from my friends. 1968.