O mau e o maligno
Pessoalizar é verbo vedeta na viragem do milénio. Pessoaliza-se quase tudo, “e quase tudo não é demais” (ver Paulo Gonzo, Dei-te quase tudo; https://www.youtube.com/watch?v=kYPdeZCA6d0). O ser humano derrete-se, fragmenta-se e pessoaliza-se. Parece incongruente, mas não é. No que me respeita, aplico-me a pessoalizar o dicionário, a começar pelas palavras maldade e malignidade.
A Ford acaba de lançar, na Argentina, uma série de anúncios dedicados ao Ford Ka. Lembra os anúncios, controversos, de 2004, ao Ford Sport Ka (ver https://tendimag.com/2012/05/17/amizade-sobre-rodas/). Os anúncios de 2004, mais do que malignidade, expressam maldade. Quem fecha o tejadilho ou levanta o capot visa fazer mal ao gato e à pomba. Os dois anúncios actuais da série Super-Features revelam menos maldade e mais malignidade. Os zombies e os dinossauros não são bons nem maus, são malignos, é essa a sua condição, independentemente da vontade.
Les Vautours, excelente anúncio hitchcockiano de Jean-Jacques Annaud, é uma relíquia dos anos oitenta que se presta ao jogo da distinção entre maldade e malignidade. Os abutres são maus ou malignos? O condutor que dá o golpe de misericórdia ao carro é mau ou maligno? E o anúncio, no seu conjunto, é mau, maligno ou presunçoso? E este artigo? É maneirista.
Marca: Ford Ka. Título: Super-features. Dinosaur. Agência: GTB Argentina. Direcção: Bicolas Kasakoff. Argentina, Outubro 2018.
Marca: Ford Ka. Título: Super-features. Zombies. Agência: GTB Argentina. Direcção: Bicolas Kasakoff. Argentina, Outubro 2018.
Marca: Hertz. Título: Les vautours. Direcção: Jean-Jacques Annaud. França, Março 1984.
Sexualidades 3. O amor no além
Como são as relações sexuais após a morte? A Perrier convida-nos a espreitar o mundo das múmias. Pela mão do francês Jean-Jacques Annaud, realizador de A Guerra do Fogo (1981), O Nome da Rosa (1986), O Urso (1988) e o Amante (1991), com um Óscar (1977) e quatro Césares, incluindo o César de Melhor Filme Publicitário (1985). O anúncio As Múmias é estranho e assombroso, mas é um nada frustrante. Tanto sexo cópia do que se faz no mundo de aqui. Nenhuma originalidade. Apenas um detalhe: os protagonistas, em vez de se despir, desenrolam-se. Quanto à garrafa da Perrier, insiste em ser o termómetro do desejo. Mesmo servidos por Tutankamon,vale a pena morrer? Recorde-se, enfim, que os valores fundamentais da marca Perrier eram, na altura: “naturalité, pétillance et provocation”. Acrescente-se que o anúncio se destinava, principalmente, ao público mais jovem (entre os 25 e os 34 anos).
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Marca: Perrier. Título: Les momies. Agência: Ogilvy & Mather. Direcção: Jean-Jacques Annaud. France, 2000.