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Só se morre uma vez

“Só se morre uma vez, e é por muito tempo” (Molière, Le Dépit Amoureux, 1656).

Sugeri, num artigo recente, que o Ocidente tem dificuldade em lidar com a morte. Pois não parece. Curiosamente, nesta quadra dedicada ao nascimento, multiplicam-se os anúncios que convocam a morte. É o caso do emocionante Dear Brother, da Johnnie Walker. Resistimos à morte cultivando a memória e a magia. O anúncio é recheado de recordações. Um toque de magia, ou, se se preferir, de religião, culmina o vídeo. Magia em torno de rituais, de símbolos, de gestos e de fetiches. Por exemplo, a partilha de uma garrafa de Whiskey. Nós sabemos que a morte nos espera. A informação de que dispomos é tão suficiente para confirmar a vida quanto para garantir a morte. E, no entanto, algum nó em algum dos nossos arquétipos nos faz viver como se fosse para sempre. Algo em nós nos ofusca. “Viver para a morte”, ou “viver com a morte”, não é nada confortável. E neste mundo da ciência e da técnica, o incómodo não esmoreceu. Por causa do “desencantamento do mundo” (Max Weber), mas sobretudo pela alteração histórica da representação do percurso de vida. Se é verdade que “mal um homem vem à vida, já é bastante velho para morrer” (Heidegger, Ser e Tempo, 1ª ed. 1927), também não é menos certo que, num passado recente, o envelhecimento significava amadurecimento, sabedoria e, eventualmente, aproximação ao divino. Na atualidade, o envelhecimento é encarado e vivido como degenerescência. Estamos perante um novo “triunfo da morte”: o triunfo da “morte social”. Entre o nascimento e a morte, navega-se, hoje, de cais em cais, com outro espírito.

Para uma análise mais detalhada do anúncio Dear Brother: http://www.adweek.com/adfreak/breathtaking-spec-ad-johnnie-walker-best-student-work-ever-168620.

Para aceder ao anúncio, carregar na imagem.

Johnnie Walker Dear Brother

Marca: Johnnie Walker. Título: Dear Brother. Direcção: Dorian Lebherz & Daniel Titz. Dezembro 2015.