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Emilio Cao. A voz e a harpa

A harpa integra os instrumentos da música dita celta. Encontramo-la na Galiza, na Bretanha, na Cornualha, no País de Gales, na Irlanda e na Escócia. Curiosamente, não aparece como característica do Minho, apesar das raízes celtas. Cada um destes territórios possui harpistas célebres, por exemplo, o bretão Alan Stivell, o irlandês Derek Bell (dos Chieftains), a escocesa Phamie Gow, a galesa Catrin Finch ou o galego Emilio Cao.

“Emilio Cao (Santiago de Compostela, 1953) es un músico, compositor y cantautor de música folk y tradicional gallega. Destacado intérprete de arpa celta y recuperador de este instrumento medieval en Galicia” (https://es.wikipedia.org/wiki/Emilio_Cao).

Atuou, com o português Fausto, nos Encontros Culturais I de Castro Laboreiro, em 1986, a 15 de agosto, dia da feira do gado e do concurso do cão de Castro Laboreiro. Contemplando vários eventos associados a tradições locais, tratou-se de uma iniciativa, ousada, protagonizada por um grupo de jovens. Repete-se  uma tendência: o empenho dos filhos e dos netos na valorização e na revitalização do património, dos usos e costumes, dos avós e dos pais.

Seguem quatro canções de Emilio Cao.

Emilio Cao. Baixaron As Fadiñas. Fonte do Araño. 1977
Emilio Cao. “E o tempo fiando un pano”. A Lenda da Pedra do Destiño. 1978
Emilio Cao. Ela Ergueu As Dúas Mans Ao Vento. “No Manto da Auga”. 1982
Emilio Cao. Chuvia nos Vidrios. Sinbad en Galicia. 1992

Versatilidade: a harpa de Deborah Henson-Conant

Deborah Hanson-Conant.

Dizem que o homem moderno é órfão do tempo. Não tem tempo para nada. No entanto, não consegue arrumar vida para o tempo de que dispõe. É rico de pobre e pobre de rico. Eis o seu paradoxo, a sua miséria (Imitando Pascal, Albertino Gonçalves).

Deborah Henson-Conant é um prodígio da harpa. Compôs a encantadora balada The Nightingale (áudio 1). A sua interpretação de Baroque Flamengo é poderosa (vídeo 1); por seu turno, a versão harpa elétrica do hino The Star-Spangled Banner, inspirada em Jimmy Hendrix (vídeo 3), é um assombro (vídeo 2). Vale a pena espreitar, pelo menos, uns segundos.

Deborah Henson-Conant. The Nightingale. Alter Ego. 1998. Instrumental.
Deborah Henson Conant. Baroque Flamenco. Invention & Alchemy. 2006.
Deborah Henson Conant. Hendrix on Harp – “Star Spangled Banner”. Regent Theatre – Arlington, MA in June 2011.
Jimi Hendrix plays the Star Spangled Banner [Woodstock 1969].

Philip Glass versão harpa

Lavinia Meijer.

Setembro! Cresce o trabalho, diminuem as festas. As castanhas esperam-nos aconchegadas em espinhos. As reuniões, também. Pois, ouça-se música. Agrada-me esta versão do Philip Glass (Metamorphosis Two), tocada pela harpa da sul-coreana Lavinia Meijer.

Philip Glass. Metamorphosis Two. 1989. Interpretação de Lavinia Meijer.

A harpa e a gaita de fole

A harpa é um instrumento musical antigo. Na Suméria, no início do segundo milénio antes de Cristo, já se tocava harpa (Figura 1). No imaginário medieval, a harpa era um instrumento celestial, tocado pelos anjos (Figura 2) e pelo rei David (Figura 3), muitas vezes pintado a afinar a harpa como quem harmoniza o mundo (Figura 4). Mas o diabo toca tudo, toca todos os instrumentos, incluindo a harpa. Quando não ele, uma criatura que lhe seja próxima. Por exemplo, o burro (Ver O Burro e Harpa: https://tendimag.com/2012/11/20/o-burro-e-a-harpa/). A própria harpa pode ser símbolo do mal, como na Mesa dos Pecados Capitais (1505-1510) ou no inferno do Jardim das Delícias Terrenas (1503-1515), ambos de Hieronymus Bosch (Figura 5 e 6). A iluminura do saltério de St. Rémy esboça uma topografia da música: nas alturas, destaca-se a harpa, nas baixezas, o tambor (Figura 7). Mas o instrumento mais característico do diabo é a gaita de fole. Atente-se na sereia de Beauvais (Figura 8), na dança da morte de Pinzolo (9) ou no demónio que transforma a cabeça de um monge numa gaita de fole (Figura 10).

Xavier de Maistre é um harpista francês. Segue a sua interpretação de Asturias (Leyenda), de Isaac Albéniz.

Dediquei o dia a este artigo. Não parece. Mas ainda bem! Não pensei em mais nada.

Xavier de Maistre. Asturias (Leyenda), de Isaac Albéniz (1892).

Sociologia sem palavras 26. Música e comunicação não verbal

Harpo Marx

Harpo Marx

Faz tempo, iniciei uma série chamada Sociologia sem palavras. Socorrendo-me do linguajar em voga, a série acabou por ser descontinuada. Dava trabalho e, com um formato pré-definido, cada episódio pouca novidade formal aportava. Mas, pontualmente, sinto-me tentado a revisitar a série.

Harpo Marx é a personagem muda dos filmes dos Marx Brothers. Na verdade, não é mudo, apenas não fala. Opta por estar calado. Mestre em comunicação não verbal, exprime-se por outros meios. Harpo Marx, para além de actor, é músico. Harpo toca harpa. Publicou, pelo menos, três discos com música de harpa (Harp by Harpo, 1952; Harpo in Hi-Fi, 1957; e Harpo at Work, 1958). Neste excerto do filme The Marx Brothers at the Circus, de 1939, Harpo, actor e músico, toca harpa, perante uma assistência sui generis: os trabalhadores do circo.

Excerto do filme The Marx Brothers at the circus. 1939. Harpo Marx toca harpa.

O Burro e a Harpa

A figura do burro que toca harpa ou lira atravessa os tempos e as fronteiras. O burro harpista aparece já, acompanhado por um touro trompetista, numa gravura com mais de 3000 anos encontrada em Samaria, no Próximo Oriente (ver figura 1).

Fig 1. Pedra gravada. Samaria. Museu do Louvre. Com mais de 3000 anos.

No início da era cristã, Fedro (14 AC- 50 DC.) escreve a seguinte fábula: uma rainha que não consegue ter filhos implora ajuda aos deuses. Acaba por dar à luz um burro. Criado e educado como um príncipe, Asinarius, assim o batizaram, adora a música e aprende a tocar lira. Um dia vê a sua imagem refletida num rio e, ao contrário de Narciso, horroriza-se. Foge para o fim do mundo, onde se apaixona por uma princesa. A fealdade é suplantada pelo brilho com que toca a lira. Casa com a princesa. E, lembrando a Bela e o Monstro, na noite de núpcias Asinarius despe a pele de burro e transforma-se num belo homem, herdando os dois reinos.

Fig 2. Petrus Comestor. Burro tocando harpa face a um caprino. Sermones. Angers, abbaye Saint Aubin. Início do séc. XIII.

A figura do burro tocador de harpa ou de lira tornou-se popular durante a Idade Média. Multiplica-se nas iluminuras (figura 2), bem como nos tímpanos (figura 3) e nos capitéis das igrejas (figura 4).

Fig 3. Église de St Pierre d’Aulnay Saintonge. 1130-1170

Mas a simbologia da imagem altera-se. O burro já não domina a arte da harpa. É, antes pelo contrário, um desajeitado, que, no tímpano da Igreja de Aulney, segura a lira ao contrário (figura 3). Já não é questão da humanidade da besta, mas da bestialidade do homem. A exemplo do burro, o homem é animal, corpo e carne. A carne é fraca, preguiçosa, pecaminosa. A música, sopro do sagrado, é espiritual. É pelo espírito, e não pela carne, que acedemos às maravilhas criadas por Deus.

Fig 4. Igreja de St Julien, Meillers. França. 1180-1248.

Às vezes, cogitar na figura do burro músico pode provocar assombrações. Tanta referência teórica, tanta estratégia metodológica, tanta ferramenta técnica… e a harpa não toca! Falta de jeito? Falta de cordas?