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Humor Batráquio. Estupidez e Esperteza

Por Pawell Kuczynski

“Nunca atribuas à malícia o que pode ser explicado pela estupidez humana” (Robert A. Heinlein)

“Nunca subestimes o poder da estupidez” (Robert A. Heinlein)

O perigo espreita, o turista inventa e a seguradora promete. O anúncio Frog, da companhia de seguros argentina Turismocity, confronta-nos, mediante um discurso simples com final inesperado, com uma interrogação: a esperteza enxerta-se na estupidez?

Marca: Turismocity. Título: Frog. Agência: Dhélet VMLY&R. Direção: Andrés Sehinkman & Jonathan Barg. Argentina, 2021.

Há muito que ando tentado a partilhar o ensaio satírico As Leis Fundamentais da Estupidez Humana de Carlo M. Cipolla (1988). Nunca é tarde.

A simulação da moral

Giovanni Buonconsiglio. Aristóteles e Fílis. Circa 1500-1515.

«Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube» (Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, 1523).

Manifestam-se cada vez mais frequentes os anúncios que aderem ao formato patente no anúncio russo Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Creio que se inspiram, por um lado, na sofisticação (quase) laboratorial da psicologia experimental e, por outro, na vulgaridade mediática dos “apanhados”. Não duvido que sejam eficientes e convincentes, mas comportam uma característica que me provoca algum ceticismo e renitência. Encenam situações ideais que tendem a afastar o ruído ambiente, as intromissões, eventualmente imprevisíveis, dos efeitos “parasitas”, por outras palavas, da contingência das variáveis e dos fatores que os sábios apelidam “espúrios”. Arrefecem a efervescência da vida, propendem a pintar o mundo a preto e branco: o certo e o errado, o bom e o mau… Uma simplificação sedutora. Convoco a máxima do sofista Protágoras, “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, e o pensamento de Pascal, a medida do homem é turbulenta, incerta e infinita. Lutar por um mundo melhor não significa caricatura-lo e descolori-lo. A redução maniqueísta e monocromática não me parece uma perspetiva apropriada, não é uma promessa auspiciosa.

Demasiado cínico? Estou em crer que mais vale cínico do que estúpido. “O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso”; “o indivíduo estúpido é mais perigoso do que o bandido; ” “É estúpido aquele que desencadeia uma perda para outro indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija perdas a si próprio” (Carlo Cipolla, Allegro ma non tropo, 1988).

Anunciante: Naked Heart Foundation. Título: Born Inclusive. Agência: Marvelous. Direção: Maksim Kolyshev. Rússia, março 2020.

Este comentário é, de algum modo, injusto para com o anúncio de sensibilização Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Trata-se de um exemplar de marketing e publicidade e como tal deve ser avaliado. Pede ser encarado à luz da linguagem do marketing e da publicidade e não de outra linguagem, por exemplo, a linguagem externa da filosofia e da sociologia. Neste sentido, este comentário apresenta-se como uma crítica “bárbara”, uma violência simbólica, na aceção de Pierre Bourdieu. Cai na falácia de impor um sistema de relevâncias, estranho, a outro sistema de relevâncias, original, francamente distinto. Do ponto de vista do marketing e da publicidade, este anúncio, criativo, consistente, pedagógico e eficaz, resulta excelente. Acerta no alvo: a predisposição para a discriminação não nasce connosco, é fruto da socialização primária, da endoculturação. Um pressuposto que vai de encontro a Rousseau (“A natureza faz o homem feliz e bom, mas (…) a sociedade degenera-o e o torna-o miserável”: Dialogues, 1772-1776) e a Durkheim (“A sociedade encontra-se portanto, a cada nova geração, na presença de uma tábua quase rasa sobre a qual é necessário construir a novo custo”: Éducation et sociologie, 1922).

Hieronymus Bosch. Removing the Stone of Stupidity. Detail. 1475-1480.

Acontece que um anúncio, para além de orbitar na esfera do marketing e da publicidade, não deixa de ser um fenómeno social. É composto por raízes (contexto), caule (suportes), ramos (redes e canais), folhas (ações) e sementes (efeitos) sociais. Não se pode escusar a uma leitura filosófica e sociológica, por mais corrosiva e cínica que seja. No que me respeita, não me inibo de ler nas entrelinhas de qualquer comunicação, principalmente aquelas que se são grávidas de consequências, quando não de efeitos perversos subliminares que não passam pelo crivo da consciência e do raciocínio acertados e oportunos.

Um buraco na água. Julien Clerc.

M.C. Escher. Rippled Surface, March 1950.

Sinto falta! Sinto falta! Sinto a tua falta, mulher! Quero a quem não quer. Um buraco na água. É estúpido querer quem não quer. Como é estúpida a estupidez!

Julien Clerc. Femmes je vous aime. Femmes, indiscrétion, blasphème. 1982. Ao vivo: Le Grand Studio RTL, 2016 (?).

Maldade por maldade

Tomás Santa Rosa (1909-1956)

A maldade e a estupidez existem? Insistem” (inspirado em Marcel Camus).

Pergunta retórica: pode uma pessoa boa ser má? Desde que se convença que está a fazer uma bondade. As maldades por bondade são as mais temíveis. Maldade por maldade, prefiro uma maldade que não tenha que louvar.

Tomás Santa Rosa, stage design for the Mancenilha ballet, 1953.

O pintor brasileiro Tomás Santa Rosa (1909-1956) não tem qualquer culpa neste relambório. Entendi, simplesmente, colocar dois quadros seus. Apetece-me também colocar, sem razão, um minuto da conversa de Jacques Brel sobre a estupidez, a maior alavanca da maldade. Vale a pena ouvir um dos melhores cantores do século XX. Pode aceder à canção L’Air De La Bêtise no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=zR52xwAC7jM.


Extrait : Jacques Brel, interviewé par Henry Lemaire, printemps 1971
Réalisation : Marc Lobet – Via YouTube.

Preguiça neuronal

the-beekeeperNão se excedam a ensinar
Quero aprender
Não desenrolem mapas
Quero perder-me
Tanta gravidade
Impede-me de saltar
O caminho é caminhada
E o destino ainda não é nada
Apetece-me dançar uma valsa
Abraçado à estupidez
Que bate leve, levemente
Como quem chama por mim (AG)

Eleni Karaindrou notabilizou-se com o disco Eternity and a Day (1998). To Vals Tou Gamou, do disco The Beekeeper / O Melissokomos, foi editado muito antes, em 1986.

Eleni Karaindrou. To Vals Tou Gamou. The Beekeeper / O Melissokomos. 1986.

Alegria e estupidez

O anúncio Sports Alphabet é um exercício ou, se se preferir, um divertimento. As letras iniciais dos versos do rap percorrem o alfabeto de A a Z. A canção menciona 50 desportos e o vídeo contempla 26 estilos de animação. Estes requisitos lembram os maneiristas do século XVI. Mas é, antes de mais, um anúncio que irradia alegria.

“A vida é cousa tão séria, os seus problemas são tão graves, que a ninguém assiste o direito de rir. Quem ri é estúpido – de momento, pelo menos. A alegria é a forma comunicativa da estupidez” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego).

Pois se “a alegria é a forma comunicativa da estupidez”, ser estúpido é um estado abençoado. Sejamos estúpidos, enquanto pudermos! A inteligência que fique para os tristes e os circunspectos. Na adolescência, encarava a estupidez como o descanso da inteligência. Há, porém, quem não descanse. Ignoram que “a vida é muito importante para se falar dela a sério” (Oscar Wilde, O Leque de Lady Windermere,1892).

sports alphabet

Marca: Bleacher Report. Título: Sports Alphabet – Blackalicious. Agência: BarrettSF (San Francisco). Direcção: William Campbell & Will Johnson. USA, Dezembro 2015.