Boas festas

Não é apenas por ludibriar os nossos fihos que os mantemos na crença do Pai Natal : o seu fervor aquece-nos, ajuda-nos a nos enganar a nós próprios e a acreditar, uma vez que eles acreditam, que um mundo de generosidade sem contrapartidas não é absolutamente incompatível com a realidade (Claude Lévi-Strauss, Tristes Tropiques, 1955).
Na infância, enviavam-se os postais de Natal por esta altura. Os correios tinham por costume engarrafar e a mensagem podia não chegar a tempo. Agora, não é preciso pressa. Na Internet, nada se engarrafa, tudo chega antes de partir. Assim vai a vida. A mensagem não vai alcançar muitas pessoas com quem sonho e vai ser lida por pessoas que ainda não comecei a sonhar. É o milagre da ultraconectividade, da técnica na era da pós-modernidade. Não impede que àquelas pessoas que contam, os “outros significativos”, continuo a ter que chegar a pé. Seja como for, sinto pressa de enviar os meus votos ao mundo. Com um fio de arte.
Badya é um dos investimentos da empresa Palm Hills Developments. Segundo os anunciantes, em Badya, “a vida imita a arte”. O anúncio é um morphing que contempla inúmeras e belas obras de arte. A empresa e o anúncio são egípcios. O menino Jesus também foi para o Egipto logo a seguir ao nascimento em Belém. Foram Jesus, Maria e José, mais a burrinha.
Há jogos com que adoro desperdiçar tempo. No anúncio Badya identifiquei os seguintes autores (quem quiser jogar às descobertas, o melhor é parar a leitura): David Hockney, Pet Mondrian, Andy Wahrol, Édouard Manet, Edward Hopper, Frida Kahlo, Paul Gauguin, Henry Rousseau, johannes Vermeer, Vincent Van Gogh, René Magritte.
Desejo-lhe boas festas, um feliz Natal e um bom Ano Novo!
Desigualdade nas imagens de género
Tantos pénis pintados e esculpidos e tão poucas vaginas!… Uma discriminação que remonta a tempos imemoriais. Na pré-história a representação do pénis concorre com as esculturas de Vénus (Fig 1 a 3). Até os monólitos pecam por excesso. No antigo Egipto, os jardineiros da religião viram-se gregos para podar os falos das estátuas de deuses e faraós (Fig 4 e 5). Por seu turno, no império romano, os tintinábulos pendurados à entrada das casas eram compostos por falos inconfundíveis, eventualmente, voadores (Fig 6, 7 e 8).
01. Vénus de Lesppugue 02. Hole Fels Cave near Ulm in the Swabian Jura. 28 000. 03. Filitosa monoliths (Corsica, France). Foto Paul Harp. 2014. 04. Min. Deus egípcio da fertilidade. 05. Deus Min. Templo de Hathor Deir El Medina. 06. Tintinábulo encontrado em Pompeia. 07. Tintinábulo. Roma Antiga. Museu de Arqueologia de Catalunha. 08. Tintinnabulum with an polyphallic Mercury, 1st century CE. Pompeii. Archaeological Museum, Naples. 10. ‘Roman de la Rose’ France, 15th century. 09. Castration of Saturn, MS Douce 195 Guillaume de Lorris & Jean de Meung, Roman de la Rose. France, 15th century. 11. Attis castrates himself (The Hague, MMW,10 A 11 fol. 43r). Séc, XV. 12. A flying penis copulating with a flying vagina. Gouache Credit: Wellcome Library, London. Wellcome Images.
Que fazer? Multiplicar as imagens de vaginas? Eliminar as relativas ao pénis? Cortar e tapar o sexo das esculturas e das pinturas com uma folha de figueira? “Vestir” a nudez do Juízo Final original de Michelangelo na Capela Sistina (ver Vestir os Nus: https://tendimag.com/2012/11/13/vestir-os-nus/)? Ou, ao jeito medieval, enveredar pela castração (Fig 9 a 11)?
No anúncio Dessine-moi un pénis, a ONF, um organismo público canadiano de produção e distribuição de filmes, estima que semelhante discrepância de género provém da nossa ignorância acerca do clítoris. Nem sequer o sabemos desenhar.

Na realidade, segundo as estatísticas, existem na população mais vaginas do que pénis. O problema reside, porventura, no imaginário. Mas deixemos as retóricas. O guache A flying penis copulating with a flying vagina (Fig 12), da Welcome Collection, sugere uma solução paritária: um pénis para uma vagina ou uma vagina para um pénis, sem prejuízo de outras localizações e sexualidades.
Afrodite fotógrafa
A rir e rir, que seja de coisas sérias!

Hermafrodita. Musée National Romain (Palazzo Massimo). Rome.
No filme Veridiana (1961), de Luis Buñuel, os mendigos aproveitam a saída dos proprietários para promover um banquete. A um dado momento, surge a ideia de tirar uma fotografia. Uma mulher levanta a saia e a “fotografia” acontece (ver A ceia dos pobres).
Afrodite, deusa grega do amor, da beleza e da sexualidade, presta-se à nudez. Ora é representada vestida (Figura 02), ora nua (Figuras 3, 4 e 5), ora nua da cintura para cima (Figura 6), ora nua do umbigo para baixo (Figura 7 a 9). As últimas lembram a máquina fotográfica de Luis Buñuel.
Todas as esculturas selecionadas dizem respeito à grega Afrodite ou à egípcia Ísis. Apenas uma dúvida quanto à Figura 08, por vezes identificada como uma estatueta funerária de uma cortesã sagrada. Nesses termos, de tão parecidas, as estatuetas das figuras 7 e 9 seriam, também, de cortesãs sagradas.
Nesta lógica, algumas esculturas de Hermafrodita (Figuras 10 a 12), quase cópias das estátuas de Afrodite “fotógrafa”, corresponderiam a filhas bonificadas da relação de uma cortesã sagrada com um satélite canadiano. A afinidade entre as figuras de Afrodite e de seu filho Hermafrodita é impressionante. Distinguem-se apenas pela máquina fotográfica.
Por falar em filhos de Afrodite, Aphrodite’s Child era o nome de uma banda grega de rock progressivo criada nos anos sessenta. Esteve sediada na Grécia e na Inglaterra, mas onde colheu mais sucesso foi em França. Na banda, tocavam dois primos: nas teclas, Vangelis, e à guitarra baixo e voz, Demis Roussos. Para que conste, Rain and Tears (1969):
Galeria de imagens
Entusiasmo: Wafers
Já nada excita o ser humano, nada o empolga. Nada? Talvez umas wafers egípcias… Nestes anúncios da Freska, o grotesco convoca dois tópicos típicos: a violência e a sexualidade.
Marca: Freska.Títulos: Be wowed! Kuffar / Be wowed! Monkeys – Zoooo. Agência: Kairo. Direção: Omar Hilal. Egipto, Dezembro 2012.
Força
Para Alfred L. Kroeber, Ruth Benedict ou Margaret Mead, a humanidade alberga uma enorme diversidade cultural. Numa perspectiva relativista, não há culturas melhores nem culturas piores, apenas culturas diferentes. Esta diversidade cultural tem resistido à globalização, mesmo num domínio tão exposto como a publicidade. É com este espírito que devemos encarar o humor destes anúncios egípcios da campanha Tonger makes you stronger. A “força” expressa nestes anúncios é destrutiva (de um avião, de um prédio e, eventualmente, de uma criança). Esta figura da força, voluntária ou involuntariamente, destruidora é frequente na publicidade e comum a várias culturas.
Marca: Tonger Energy Bar. Títulos: Slingshot / Cooking Pan / Baby. Agência: Thinkk, Cairo. Direção: Hisham Kharma. Egipto, Novembro 2012.
Obsolescência programada e criação destrutiva
Da General Motors dos anos 1920 à atual Microsoft, suspeita-se de um encurtamento propositado da duração dos produtos (a obsolescência programada). Pois na era do hiperconsumismo e do upgrade, raros são os bens que completam o seu ciclo de vida. São ultrapassados, ainda em uso, por outros mais recentes. Estamos perante um “massacre” de objetos motivado pela inovação e pela atualização. Não se trata de obsolescência programada mas de morte precoce. Os anúncios da Etsalat e da Virgin Mobile ilustram esta “criação destrutiva”. Publicados em Agosto, quase em simultâneo, parecem gêmeos. O primeiro, egípcio, elenca uma série de artes de executar um telemóvel, o segundo, norte-americano, uma série de “acidentes felizes” com o mesmo resultado: o apocalipse dos objetos démodés. Ambos anunciam, profeticamente, novos produtos e novos tempos.
Anunciante: Etisalat. Título: Mobile Massacre. Agência: Strategies, Cairo. Direção: Omar Hilal. Egipto, Agosto 2012.
Anunciante: Virgin Mobile. Título: Happy Accidents. Agência: Mother New York. Direção: Guy Shelmerdine. EUA, Agosto 2012.