Dior

“Surrealist images manage to make visible what is in itself invisible. I’m interested in mystery and magic, which are also a way of exorcising uncertainty about the future” (Maria Grazia Chiuri, responsável pela coleção de alta costura de outono-inverno 2020-2021 da Dior; https://www.dior.com/en_pt/womens-fashion/haute-couture-shows/fall-winter-2020-2021-haute-couture-collection).
Lento, longo e luxuoso, este vídeo da Dior é uma pérola. A viagem da alta costura pelos mundos da mitologia e da arte. Uma aposta na intertextualidade. Convoca figuras míticas e obras de arte. Recupera, por exemplo, as iluminuras medievais com mulheres nuas a sair de conchas ou o Narciso da pintura Eco e Narciso, de John William Waterhouse (1903). Quinze minutos de estética envolvente. “Alta costura, alta cultura”.
A Beatriz enviou-me este conto da Dior. A seguir a mim, é a Beatriz quem mais tem escrito no Tendências do Imaginário. Centenas de comentários. Não sei como lhe agradecer.
Parfum Luxe

Os seres humanos gostam de luxar, de fazer e ter mais do que o suficiente. Os anúncios de perfumes apreciam os momentos e os lugares de luxo, tais como palácios e eventos nobres. A Dior “adora” o palácio de Versalhes. Shakespeare escreveu que os barcos egípcios cheiravam a água de rosas; por este andar, a Galerie Des Glaces vai mergulhar em Secret Garden. Nos 3 minutos e 40 segundos do anúncio, retive apenas a arte de correr da modelo Daria Strokous. Como gostava de correr com tamanha leveza! Como uma vela a deslizar em pavimento de seda.
Imaginário Dior
Menino e moço, entretinha-me com os passatempos dos jornais: palavras cruzadas, as sete diferenças, o enigma policial… Dividia a missão com a minha tia, cujo vício superava o meu. Ainda não há jornal que lhe escape. Nunca perdi este enlevo pelos passatempos. Quando não os encontro, invento-os. Por que não descobrir as sete semelhanças, ou homologias, numa série de anúncios de marca?
Saiu, há dias, um anúncio da Dior: Joy (A), o mais recente de uma extensa produção. Proponho uma breve comparação com três anúncios congéneres da Dior: B – Addicted Fragrance (2014); C- The Future is Gold (2015); D- The Absolute Femininity (2016). Os tópicos retidos são os seguintes:
1 – Opção por um ambiente específico;
2 – Eleição de um elemento;
3 – Recurso ao fabuloso
4 – Relevância de um gesto
5 – Transição entre mundos
6- Presença de uma diva
7- Emergência de uma aura.
No anúncio Joy (A), o ambiente é uma piscina (1) situada no topo de um prédio. A água é o elemento preponderante (2). Na água, o efeito da roupa evoca uma sereia (3), que transita, com mergulhos sucessivos, entre dois mundos: o sólido e o líquido (5). Na parte final, a roupa solta-se (4) e a protagonista assume-se como mulher de corpo inteiro. A figura feminina não se reduz a uma mulher bela nem tão pouco a uma mulher objecto, é uma diva (6), uma diva da moda e da publicidade, com uma aura (7) cujo perfume transborda do ecrã para público. Cumpre-lhe incorporar e, eventualmente, divinizar as diversas componentes do anúncio. A modelo é Jennifer Lawrence.
Na tabela seguinte, contemplamos os três anúncios restantes (para melhor visualização, carregue na imagem com a tabela).
Fraco passatempo aquele que termina tão depressa. Existem inúmeras informações nos quatro anúncios da Dior que escapam a este esquema. Por exemplo, na parte final do anúncio Addict Fragrance, a figura feminina mantém-se em pose de costas para o espelho; lembra as estátuas das poderosas vestais romanas, as mulheres mais desejáveis e mais inacessíveis de todo o Império. Por seu turno, no anúncio The future is gold, a ascensão lembra a Glória de Santo Inácio, na cúpula da Igreja de Santo Inácio, em Roma. Intertextualidades!
É compensador fazer coisas que parecem fáceis!
Marca: Dior. Título: Joy by Dior. Agência: Dior Inhouse USA. Direcção: Francis Lawrence. Estados Unidos, Setembro 2018.
Marca: Dior. Título: Addict Fragrance. 2014.
Marca: Dior. Título: The Future is Gold. Direcção: Jean Baptiste Mondino. Internacional, 2014.
Marca: Dior. Título: The Absolute Femininity. 2016.
Mulher sujeito
Já mulher objecto não sou! Mulher sujeito, se faz favor! Não me encosto a automóveis e muito menos a electrodomésticos. Sou o centro das atenções, a diagonal do ecrã!
Je suis comme je suis
Je suis faite comme ça
Quand j’ai envie de rire
Oui je ris aux éclats
J’aime celui qui m’aime
Est-ce ma faute à moi
Si ce n’est pas le même
Que j’aime chaque fois
Je suis comme je suis
Je suis faite comme ça
Que voulez-vous de plus
Que voulez-vous de moi
(Jacques Prévert. Je suis comme je suis. Paroles. Excerto)
Marion Cotillard, Óscar como melhor atriz principal em 2008, Lady Dior neste anúncio, é uma mulher sujeito. Atrai o espectador durante uma espécie de coreografia de cinco minutos. Bebe, repousa, anda, dança, nada, mergulha, surrealiza… Apenas ela, o ambiente e a música. Uma mulher sujeito e um público cativo.
Marca: Dior. Título: Snapshot in LA. Produção: Bliss Inc. Direção: Eliot Bliss & Marion Cotillard. Internacional., Novembro 2014.
A doutora do anúncio à Playstation 4 também não é uma mulher objecto. Não se encosta a automóveis, nem a eletrodomésticos. Se a Marion Cotillard tem, subtilmente, pernas, a doutora tem, descaradamente, boca. E pela boca sai um quid pro quo entre o sexo e a consola.
Marca: Sony Playstation. Título: Doctor. Agência: TBWA Brussels. Bélgica, Novembro 2014.
O Homem, a Mulher e o Perfume
Para além de Bruno Aveillan, outros realizadores produziram anúncios de perfumes notáveis. Por exemplo, Romain Gavras.
Será que os anúncios de perfumes femininos diferem dos anúncios de perfumes masculinos? Tanto ou mais que os próprios perfumes? Num tempo tão votado ao estudo das relações de género, este é, porventura, mais um bom tema.
Marca: Yves Saint-Laurent – Opium. Título: Belle d’Opium. Agência: Publicis. Direcção: Romain Gavras. França, 2010.
Seleccionei dois anúncios de Romain Gavras, o primeiro a um perfume para mulher, Opium de Yves Saint-Laurent, o segundo, a um perfume para homem, Dior Homme. Haverá diferenças significativas? Pode-se começar a brincar: um é âmbar, o outro é cinza; um tem apenas uma personagem, o outro, várias… O perfume destaca-se entre os objectos de consumo que mais se prestam à naturalização das relações de género.
Marca: Dior . Título: Dior Homme. Direcção: Romain Gavras. França, 2013. Música: Led Zeppelin – Whole Lotta Love.
Dior. Secret Garden. Versailles
Glória a Versalhes, glória à mulher magra, glória ao jato de água! A Dior no seu esplendor. O luxo e a luxuria num piscar de olhos obsessivo. Com a Daria Strokus a correr na Galeria dos Espelhos do jeito que os anjos voam quando encolhem as asas. Um belíssimo anúncio com exímia combinação entre a cor e o preto e branco. Ainda bem que há quem saiba o que sabe fazer.
Marca: Dior. Título: Secret Garden – Versailles. Direção: Inez VAN LAMSWEERDE. França, Abril 2012.