Apolo e Dionísio


Após quase dois anos de clausura, ontem tive a primeira saída noturna digna desse nome. Fui assistir ao concerto de Pascoela pela Sinfonieta de Braga na igreja do Seminário. Ainda não deu para ir a Melgaço à Festa do Alvarinho e do Fumeiro. Um momento dionisíaco, bacanal.
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Sileno, o vinho e o burro
Não é apenas nas festas medievais ou durante a Bugiada de Sobrado que o burro é montado às avessas. Sileno, semideus, o mais velho dos sátiros, faz-se acompanhar por um burro. Constantemente ébrio, Sileno foi tutor de Dionísio, a quem passou a paixão pelo vinho. A sabedoria de Sileno reside na sua ebriedade. É sábio por não estar sóbrio. Cumpre ao burro aguentar esta carga obesa e periclitante. A posição mais típica de Sileno em cima do burro é às arrecuas. Montar um burro às avessas condiz com a figura de um semideus que se entrega ao vinho e ao sexo, semeando a confusão e a desordem.
Sileno gostava de visitar o mundo dos homens, mas nunca falava com eles. Exceto uma vez. Tão bêbado estava, que se perdeu do grupo que o acompanhava. O rei Midas encontrou-o e desafiou-o a dizer o que era melhor para os homens. Sileno calou-se, como era seu costume. Não falava com os homens. Mas rei Midas tanto insistiu, que Sileno quebrou, por uma única vez, o silêncio:
“– Ignóbil raça, essa a dos homens, efêmeros rebentos do acaso e dos maus dias. Tão afastados estais da natureza que nem mesmo sabeis o que é melhor para vós próprios. Seres patéticos; e tu, filho de Górgias e Cibele, a quem chamam de Midas, Rei da Frígia, nada mais és senão fiel representante desta raça. Não há dúvida, estás a altura dela. Não vês? Por quais tolas razões queres saber algo que para ti é inalcançável? O que é o melhor para os homens, tu me perguntas. Creia-me, para ti, melhor mesmo seria não sabê-lo. Porém, como estás obstinado, revelar-te-ei o que não precisas para te manteres são. O melhor para ti seria não teres vindo à luz, não teres nascido. Não ser, ser nada, isto seria o melhor para ti e para os demais da tua estirpe. Contudo, como hoje te encontras a distância do infinito de tal logro, resta-te ainda uma opção: agora, o melhor para ti é cedo morrer. Assim, retornarás a tua verdadeira condição pretérita, menor que o mínimo. “ (https://scribatus.wordpress.com/2013/08/24/sileno/).
O rei Midas deu abrigo a Sileno. Poucos dias depois, Dionísio vem buscar Sileno. Agradecido, diz a Midas para formular um desejo. O pedido foi que tudo o que tocasse se transformasse em ouro. Um presente envenenado. Mas essa já é outra história.
O Preço da Ambição: de Midas a Skittles
Sensibilizado por Midas ter tratado bem Sileno, Dionísio pediu-lhe para formular um desejo e concedeu-lho: o dom de transformar tudo que tocasse em ouro. Midas depressa se deu conta que o desejo era uma desgraça. Não podia tocar em nada, incluindo a família, porque tudo logo se transformava em ouro. A sua sina era a morte, uma vez que nem sequer podia alimentar-se. A seu pedido, Dionísio retirou-lhe o dom. Midas é também conhecido pelas orelhas de burro. Júri numa competição entre a flauta de Pã e a lira de Apolo, atribuiu a vitória a Pã. Apolo, furioso, ataviou-o com orelhas de burro.
O anúncio Touch, da Skittles, de 2007, é uma réplica do toque de Midas numa sociedade de consumo. Tudo o que o protagonista toca transforma-se em Skittles.
Se calhar, também há quem tenha um dom alquímico parecido, mas ecológico: tudo o que tocam transforma-se em adubo.
Marca: Skittles. Título: Touch. Agência: TBWA/Chiat/Day – Los Angeles. Direcção: Tom Kuntz. USA, 2007.