Querido mês de Agosto. As costas também andam.

Escrever como quem brinca.
Agosto está a acabar. Não é verdade que “é em Setembro que se pode viver a sério” (Gilbert Bécaud, C’est en septembre, 1978). Em Setembro, a vida torna-se séria, sisuda.
Agosto, mês dos banhos; ninho dos deslocados; aceleração dos atrelados. Em Agosto, queima a areia, o fogo, o ar, o corpo; as romarias escaldam. Nos corredores de Setembro, não há portas para o sagrado (se se proporcionar: Gonçalves, Albertino & Gonçalves Conceição, “Uma vida entre parênteses: tempos e ritmos dos emigrantes portugueses em Paris”).
Despeço-me de Agosto com Rachmaninov. Logicamente, não sei a razão da escolha. Se fosse místico, diria que foi Rachmaninov que me escolheu. Um êxtase ou uma aparição. Quando algo assenta bem não costumo fazer muitas perguntas. Basta o milagre!
All by myself, um sucesso dos anos setenta, de Eric Carmen, inspira-se no Piano concerto nº2, de Rachmaninov. Dar as mãos é uma bênção. Bem como admitir que quando andamos, as costas também andam. All by myself. Nunca me pressenti tão só como no mês de Setembro. Mea culpa!
Alusões
A publicidade tem especial apetência pela intertextualidade. Espera beneficiar da aura alheia.
O anúncio Who says we can’t, da Mitsubishi, convoca as bailarinas de Edgar Degas (1834-1917) e o anúncio Odyssey (2002) da Levi’s (ver http://tendimag.com/2011/09/16/libertacao/). Estas fontes de influência podem funcionar de vários modos. O destinatário pode ignorá-las por completo. Citações sem referência, nem, por isso, perdem o efeito próprio. Trata-se, apesar de tudo, de uma cena à Degas ou de uma libertação à Odyssey.
O destinatário pode não identificar a citação, mas esta pode não lhe ser estranha. Cruzou-se algures com ela, por exemplo, estampada numa caixa de chocolates. Neste caso, ao efeito de uma citação sem referência, acrescenta-se o efeito de familiaridade.
Muitos espectadores conhecem, mesmo assim, o anúncio Odyssey e a pintura de Degas. Agora, o confronto intertextual presta-se à especificação e à contextualização, dando azo a uma pluralidade de leituras dialógicas. Na citação com referência, a aura assemelha-se a um chapéu mexicano: tem outro alcance e ajusta-se aos objectivos. Principalmente, quando o anúncio se apresenta particularmente bem conseguido.
Marca: Mitsubishi. Título: Who says we can´t. Agência: MK Norway, Bergen, Norway. Direcção: Jacob Strom. Noruega, Março 2014.
- 01. Edgar Degas. Dancing examination. 1874.
- 02. Edgar Degas. Ballet Rehearsal on Stage. 1874
- 03. Edgar Degas. A aula de dança, Museu d’Orsay. 1875.
- 04, Edgar Degas. Dancers Practicing at the Bar. 1876-77
- 05. Edgar Degas. Two Dancers Entering the Stage. c.1877.
- 06. Edgar Degas. Balançant danseurs. 1877-79
- 07. Edgar Degas. Prima Ballerina, cerca de 1878, Museu de Orsay.
- 08. Edgar Degas. Dancers Climbing a Stair. c.1886-1890
- 09. Edgar Degas. Ensaio de Ballet, 1879. Mussée d’Orsay
- 10. Edgar Degas. ballet class the dance. Hall. 1880
- 11. Edgar Degas. L’Atteinte. 1882.
- 12. Edgar Degas. The pink dancers before the ballet. 1884
- 13. Edgar Degas. Dancer Adjusting Her Shoe . 1885.
- 14. Edgar Degas. Blue dancers. 1898-99.
- 15. Edgar Degas. Dançarinas atando as sapatilhas, cerca de 1893-1898, Museu de Arte de Clevland, Ohio.