Circulação
Nesta sociedade da (hiper)informação, perdemos o hábito de descobrir. O mundo passa pela ponta do nariz à velocidade de um espirro. Uma obra que não circula é uma obra que não existe. Só os estúpidos, e os distraídos, produzem ou procuram o que não circula. Quem corre na autoestrada da vida com rodas quadradas, o mais avisado é sentar-se.
Mas o astronauta de chocolate existe, e é uma delícia! E a cidade de chocolate! E a explosão de sabores e texturas! Nada como uma dentada galáctica com um dilúvio de caramelo.
Marca: Lacta 5Star. Título: Astronauta! Agência: Wieden + Kennedy Brasil. Produção: Lobo. Brasil, Maio 2018.
Marca: Lacta 5Star. Título: Cidade de Chocolate! Agência: Wieden + Kennedy Brasil. Produção: Lobo. Brasil, Abril 2018.
Alice e o chocolate
Trás e frente, dentro e fora, mole e duro, constituem alguns dos tópicos cardeais do nosso imaginário, nomeadamente no que respeita à nossa relação com o corpo e com o mundo. Destacam-se, contudo, a altura, subir e descer, e o volume, crescer e diminuir. Por exemplo, numa contenda, diz-se que fulano se agigantou, cresceu para o outro, e que sicrano se encolheu, ficou de rastos.
À semelhança da Alice de Lewis Carrol, a Alice do anúncio da Nestlé também muda de tamanho. Entre bebes, comes e leques, a Alice de Carrol vai crescendo e diminuindo, até estabilizar. A Alice da Nestlé apenas cresce. Regressa à estatura normal graças às artes mágicas do chocolate. A Alice de Carrol reduz-se até ficar muito pequena, a Alice da Nestlé apenas cresce. “A vida faz a gente crescer”. Sinais dos tempos. Os tempos da bolha.
Marca: Nestlé. Título: Alice. Agência: David Brasil. Direcção: Marcelo Burgos & Giancarlo Barone. Brasil, Fevereiro 2018.
Tori Amos. Strange little girl. Strange little girls. 2002.
Chocolate dançado
Baccara, Abba, Blondie, quem resiste à música, ao ritmo e à melodia? Um toque de boa disposição que se entranha mas não se estranha. O bailado das cadeiras de rodas é fantástico! Enrola-nos e levanta-nos do chão. Como é possível tanta mordida de prazer sem receio de perder o paraíso? Este anúncio da Cadbury soma pormenores de requinte. Por exemplo, a diversidade étnica não ostensiva, mas atenta, ou o recurso discreto, embora eficiente, à comunicação corporal. Este anúncio é tão agradável que quase nos faz esquecer que, por cá, continuamos a dançar atrelados como os cegos de Bruegel.
Marca: Cadbury. Título: 7 Flavours of Keith. Agência: Fallon (London). Direcção: Rob Leggatt. UK, Fevereiro 2015.
Atraso
Qual a razão para um vídeo levar algum tempo a iniciar? Este anúncio indiano explica. Um dos motivos tem a ver com os chocolates Cadbury 5 Star! Humor altamente absurdo. Lembra o anúncio Head, da PlayStation 2 (https://tendimag.com/2014/09/18/segredos-da-mente/).
Marca: Cadbury 5 Star. Título: Buffering. Agência: O&M, Bumbai. Direcção: Ayappa. Índia, Janeiro 2015.
Trégua
Este anúncio da Sainsbury’s respira espírito natalício. Ao Halloween segue o Natal. Uma trégua ocorre entre as tropas inglesas e alemãs nas trincheiras da primeira guerra mundial. Três tópicos sobressaem neste belo anúncio: a canção (Silent Night), o futebol e o chocolate. O coro é contagiante: exalta e envolve à distância. O futebol é dos poucos rituais colectivos capazes de aproximar hostes inimigas. O chocolate, associado à energia, era consumido pelos soldados. Era também um alimento incontornável, nos anos 1960, dos emigrantes portugueses clandestinos rumo a França. Este anúncio lembra o filme Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg (2011). Ambos ficcionam uma trégua durante uma guerra particularmente hedionda e mortífera. A memória da primeira guerra mundial pode não ser sagrada, mas, nem por isso, é menos importante: foi um momento de revelação do ser humano: a imagem do Homem nunca mais foi a mesma. Parte das vendas natalícias dos chocolates Sainsbury’s vai para a Royal British Legion. Este espírito de partilha respeita uma vetusta tradição. Há séculos que o capital se mostra benemérito. Hoje, não me apetece criticar. Nem sequer o aproveitamento comercial da Primeira Grande Guerra. Outros o fazem: Sainsbury’s 1914 Christmas Truce ad exploits memory of Great War, The Telegraph, 13 Nov. 2014.
Marca: Sainsbury’s. Título: The 1914 Christmas Truce. Agência: AMV BBDO. Direcção: Ringan Ledwidge. UK, Novembro 2014.
Coro dos anjos
Este anúncio sul-africano da Cadbury foi concebido antes da expulsão do paraíso, enquanto Adão e Eva comiam a maçã. Não há som, nem imagem, que não seja abençoado.
Nas igrejas, existe um coro alto e, naturalmente, um coro baixo. Estes trigémeos cantam no coro do meio, o mais aconchegado e aprazível. Enquanto o chocolate circular, não param de cantar. Cadbury, uma tentação que se propaga de geração em geração.
O realizador deste anúncio é um caso sério no mundo da publicidade. Nascido na Namíbia, palpita-me pelo nome, Adrian de Sa Garces (ou Garcias), ter ascendência portuguesa. Relembro Aesthetics, um anúncio extraordinário que dirigiu em 2006 para a BMW.
Marca: Cadbury. Título: Triplets – Feel the joy. Agência: Ogilvy & Mather (Johannesburg). Direção: Adrian de Sa Garces. África do Sul, Setembro 2014.
Sem braços

Vénus de Milo. Louvre
Grotesco, estranho, corrosivo, sem remissão, assim é o tipo de humor que garante que o homem e a mulher ainda são seres inteligentes. Um humor de perdição. Este anúncio absurdo da Starbust é um bom exemplo. O chocolate tem destas coisas.
Marca: Starbust. Título: Factory. Agência: TBWAChiatDay (New York). Direção: Matt Aselton. USA, 2006.
O Chocolate e a Capuchinho Vermelho
Chocolat Lanvin, ca. 1950. Dali participou num anúncio do chocolate Lanvin.
Na erótica da alimentação, o chocolate é talvez o alimento em que a gula e a luxúria mais se namoram. Voluptuosamente. Não é de admirar que o desodorizante Axe, a fragrância do arrebatamento libidinoso, associe um produto, Dark Temptation, ao chocolate: “Axe Dark Temptation as irresistible as chocolate”. O anúncio argentino “Hombre Chocolate” não deixa margem para dúvida. Transformado em homem chocolate após uma vaporização Axe, o protagonista é salvo pela duração do anúncio: um minuto. Mais alguns segundos e ficaria eunuco. É este apelo (sex-appeal) do chocolate que convoca, para além do Ambrósio, do anúncio da Ferrero Rocher, figuras tais como o lobo mau e a capuchinho vermelho. Qual é a razão? Bruno Bettelheim propõe uma resposta.
Marca: Axe. Título: Hombre Chocolate. Agência: Vega Olmos Ponce. Direção: Tom Kuntz. Argentina, 2007.
A sensualidade da máquina
Ao ver um filme, um vídeo musical, um videojogo ou um anúncio publicitário, ocorre-me, muitas vezes, perguntar: por que é que, no ecrã, as máquinas expressam melhor as sensações do que os seres humanos? Por que é que o efeito de sensualidade, o jogo dos sentidos, é nelas mais eficiente? Que estranha química é essa do nosso olhar? Esta campanha publicitária da Nestlé é inequivocamente subordinada a esse tema: “’Nestlé Grand Chocolat’ is back on TV in 2013 under the sign of ‘Sense Revolution’, with a communication strong in sensations…” (JWT Paris).
Marca: Nestlé. Título: The Android. Agência: JWT Paris. Direção: Chris Delaponte. França, Fevereiro 2013.