Estética estática. Música chinesa.

Do Japão para a China. Impressiona a postura dos intérpretes das músicasThe legend of Westward Journey (série de TV de 2011) e Adventure of Dali Prince.Optam por uma actuação discreta, quase imóvel. Por vezes, parecem estátuas ou escudeiros dos instrumentos. O que desconcerta.
A pátria dos super-heróis

O Egipto é terra de faraós; a China, de imperadores; o Japão, de samurais; a Grécia, de deuses; a Escandinávia, de vikings; Portugal, de descobridores. E os Estados-Unidos? Os Estados-Unidos são terra de super-heróis. Da Marvel, de Hollywood, do desporto ou de outro domínio que se proporcione. Os Estados-Unidos são um manancial de super-heróis, manancial que transborda para o mundo. A publicidade da Nike destaca-se como uma forja internacional de super-heróis. O presente anúncio, da Nike China, consiste numa homenagem a Kobe, uma estrela do basquetebol norte-americano, falecido num acidente de helicóptero.
Uma moeda e três corações

O anúncio chinês Change for good condiz com a tradição dos contos morais orientais. Dois rapazes irmãos amealham, com esforço, moedas com o objetivo de comprar um telemóvel para falar com a mãe distante. Prestes a conseguir, o mais novo perde o calçado. Gastam o dinheiro amealhado na compra de um par de sapatilhas. Desfaz-se o sonho do telemóvel. Mas o comerciante dá uma moeda de troco e altera o preço do telemóvel. O troco dá para comprar o telemóvel.
Nós, ocidentais, também temos lendas, com moedas, de elevado valor moral, por exemplo, a fábula com Jesus, São Pedro, uma ferradura, moedas e cerejas.
Carregue na imagem para aceder ao anúncio.

A Lenda da Ferradura
Quando ainda obscuro e desconhecido
Nosso Senhor andava na terra
Muitos discípulos o seguiam
– Que raras vezes o compreendiam,
Amava doutrinar as massas
Nas ruas amplas e nas praças,
Pois à face dos céus a gente
Fala melhor e mais livremente.
Ali, dos seus divinos lábios
Fluíam os ensinamentos mais sábios;
Pela parábola e pelo exemplo
Faziam de cada mercado um templo.
Certa vez quando, em paz e santidade,
Chegava com os seus a uma cidade,
Viu qualquer coisa luzir na estrada;
Era uma ferradura quebrada.
Disse a São Pedro com brandura:
– “Pedro, apanha essa ferradura!”
Porém São Pedro, no momento,
Tinha ocupado o pensamento
E absorto em êxtase profundo,
Sonhava-se o dominador do mundo,
Rei, papa, ou tal que se pareça.
Aquilo enchia-lhe a cabeça;
E havia de dobrar a espinha
Por uma coisa tão mesquinha?
Se fosse um cetro, uma coroa,
Mas uma ferradura à toa…
E foi seguindo, distraído,
Como se não tivesse ouvido.
Curvou-se Cristo, com doçura
Celeste, angélica, humilde,
E ergueu do chão a ferradura;
E quando entraram na cidade
Vendeu-a em casa de um ferreiro.
Comprou cerejas com o dinheiro.
Guardando-as, à sua maneira,
Na manga – em falta de algibeira.
Dali saíram por outra porta.
Fora a campanha estava morta;
Nem flor nem sombra; ao longe, ao perto
Era o silêncio, era o deserto,
Era a desolação; ardia,
Torrava, o sol do meio-dia.
Que não valia em tal secura
Um simples gole de água pura!
Nosso Senhor caminha à frente.
Deixa cair discretamente,
Furtivamente, uma cereja
Que Pedro apanha, salvo seja,
Com cabriolas de maluco.
A frutinha era mesmo o suco.
Outra cereja no caminho
Atira o Mestre de mansinho,
Que Pedro apanha vorazmente.
E assim por diante, não uma vez somente,
Fê-lo o Senhor dobrar a espinha
Tantas vezes quantas cerejas tinha.
Durou a cena um bom pedaço.
Por fim, disse o Senhor com ar prazenteiro:
– “Pedro, se fosses mais ligeiro
Não tinhas tido este cansaço.
Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
Tarde por muito menos se fadiga.”
(1797)
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
As sapatilhas do ano novo

Je suis comme je suis / Je plais à qui je plais /Qu’est-ce que ça peut vous faire (Jacques Prévert. Je suis comme je suis. Paroles. 1946).
O que gosto de ter que fazer? Nada. Prefiro o resto, com vapores do inferno. My ugly side (Blue October). Mas nem o diabo me salva das obrigações. O Tendências do Imaginário resiste como espaço de liberdade. Em nove anos, nenhum dos 2 956 artigos foi escrito por dever. Irreverência e irrelevância numa evasão libertária. Bad (Michael Jackson)!
A publicidade sobre a passagem de ano foi escassa e discreta. Neste capítulo, a qualidade mora na China. Um anúncio frenético da Adidas incide sobre um show numa discoteca. Bebe-se, dança-se, coreografa-se, seduz-se e joga-se. Como nós. Somos todos, como agora se diz, pessoas. Não partilhamos, porém, os mesmos símbolos. Somos pessoas com culturas diferentes e denominadores comuns tais como as sapatilhas Adidas.
Porta do Céu

Fica longe a Porta do Céu. Do outro lado do planeta. Na China, na montanha Tianmen. Uma cavidade natural por onde, a fazer fé nas fotografias, passam avionetas: 131,5 metros de altura; 57 de largura e 60 de comprimento. O escadório para a Porta do Céu comporta 999 degraus (o escadório do Bom Jesus, em Braga, tem 581). Mais de meia hora de ascensão. Um bom pretexto para recordar a música Stairway To Heaven, dos Led Zeppelin.
Galeria de imagens: A Porta do Céu. China.
O máximo no mínimo

Muitos anúncios do Extremo Oriente são longos, acima de cinco minutos, lentos, de escassa acção, e moralmente elevados, debruçam-se sobre valores essenciais da vida. A história, os actores e a moral bem podiam limitar-se a menos tempo e a menos imagens. Mas não seria a mesma coisa. Não há maneira alternativa de sentir “o sabor da casa e o sabor da terra”. Sem pressa. Há culturas que colocam o mínimo no máximo. O antropólogo Marshall Sahlins estuda esta sabedoria em vários povos e culturas (Stone Age Economics, Chicago, 1972). A sabedoria dos ocidentais é diferente. Consiste em colocar o máximo no mínimo. Somos os apóstolos da compressão e do exorcismo do vazio. Até a morte, que, segundo Epicuro, não é nada para nós, recheamos de rituais e fantasmas.

A morte não é nada para nós (Epicuro)
“Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente: ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal” (Epicuro, Carta sobre a felicidade – a Meneceu, São Paulo, Editora UNESP, 2002, pp. 27-31).
Pauzinhos

Descarga de uma embarcação portuguesa. Biombos atribuídos a Kano Naizen, 1570-1616 (detail). Museu Nacional de Arte Antiga.
Na semana passada eclodiu um imbróglio internáutico. Um anúncio e um desfile da Dolce & Gabbana foram boicotados. Um excerto de uma notícia do Público Online narra os acontecimentos. Cinjo-me a acrescentar alguns apontamentos.
- O sentido de humor parece não ser universal. Se quiser fazer humor, assegure-se que domina a arte. Existem cordas muito sensíveis em que convém não tocar, a não ser com luvas de seda estilizadas. Na actualidade, duas dessas cordas são o sexismo e o racismo.
- A Internet é um espaço de poder, um lugar onde pontificam vontades hierarquizadas. Apesar de a Internet ser imaterial, há pessoas que pesam mais do que outras. Por exemplo, a indignação das celebridades Zhang Ziyi, Li Bingbing e Wang junkai surte tanto efeito que até é notícia mundial. A universalidade e a igualdade da Internet são um logro.
- É possível retirar, de um momento para o outro e à escala global, conteúdos da Internet. Revela-se, deste modo, difícil aceder aos anúncios boicotados. Precise-se que o cidadão comum não tem quase nada de seu na Internet. Num ápice, podem desaparecer-lhe conteúdos, por exemplo, do seu blogue ou das suas páginas nas redes sociais.
- Os responsáveis pela marca italiana pediram desculpa à China. Intrometeu-se uma mensagem polémica de Stefano Gabbana que este garante ser falsa. Alguém teria pirateado a sua conta de Instagram. Verdade ou mentira, que alguém aceda a uma conta e fale em nosso nome é um risco real. Esta situação é mais complexa do que o boato tradicional. Os procedimentos de partilha e adulteração do boato são conhecidos (ver Edgar Morin, La rumeur de Orléans, 1969). Contudo, neles não consta esta usurpação ou este aluguer da identidade alheia. Daqui se depreende que a Internet pode ser uma árvore de enganos e um jogo de máscaras.
- As proibições e os boicotes a anúncios podem resultar numa espécie de maná para as marcas. No caso do anúncio da Dolce & Gabbana, duvido. Notoriedade, já a conquistou. Falta saber o que acontece à imagem.
Os anúncios boicotados da Dolce & Gabbana, com uma chinesa a comer comida italiana com pauzinhos, são difíceis de encontrar. Foram sistematicamente “apagados”. Encontrei uma cópia que passo a colocar. Não sei por quanto tempo.
Dolce & Gabbana. Anúncios a um desfile em Shangai. Novembro 2018.
Notícia no Público Online:
“Dolce & Gabbana cancela desfile em Shanghai por causa de um anúncio que envolve pauzinhos
A Dolce & Gabbana cancelou nesta quarta-feira um desfile de moda nem Shanghai, depois de uma polémica online em torno de um dos seus anúncios. Em causa está um anúncio onde uma mulher chinesa luta para conseguir comer pizza ou esparguete com pauzinhos. Os chineses não gostaram.
A controvérsia foi o tópico número um na plataforma Weibo, com mais de 120 milhões de leituras, já que celebridades, incluindo Zhang Ziyi, estrela de cinema de Memórias de uma Geisha, publicaram comentários críticos à marca. Celebridades, como a actriz Li Bingbing e a cantora Wang Junkai, disseram que boicotariam o desfile da marca italiana.
Alguns dos que viram os anúncios, ao todo são três, ficaram incomodados com o que consideram o tom paternalista do narrador, oferecendo lições sobre como comer com pauzinhos. Além disso, uma alegada troca de mensagens de Stefano Gabbana surgiu nas redes sociais que viriam a confirmar que o designer é racista. Este veio desmentir na sua conta de Instagram.
“Lamentamos o impacto e o prejuízo que essas observações falsas tiveram sobre a China e o povo chinês”, disse a marca de moda de luxo italiana, num pedido de desculpas online em chinês no Weibo, acrescentando que a conta do Instagram de Gabbana foi pirateada”.
(Público Online. https://www.publico.pt/2018/11/21/culto/noticia/dolce-gabbana-cancela-desfile-shanghai-criticas-anuncio-envolve-pauzinhos-1851859 (Reuters 21/11/2018). Acedido02/12/2018)
A fechadura grotesca
O anúncio chinês Intelligent Lock, para a Kaadas, é um cúmulo do grotesco. Corpos despedaçados num mundo desconexo e caótico. O anúncio baralha os nossos sentidos e os nossos sentimentos. É sinistro, mas consegue pôr-nos a rir. Embora delirante, aparentemente desmiolado, manifesta-se completamente racional. É racional pelos fins visados: a promoção das fechaduras Kaadas. E é racional em relação aos meios mobilizados. O anúncio é composto por uma sucessão de enigmas: como conseguem os pais reconhecer os filhos e estes abrir a porta? Ao jeito de um romance policial, a solução está guardada para o desfecho final: as fechaduras Kaadas abrem com um toque e identificam a pessoa. Apesar do desconcerto, Intelligent Lock revela-se mais racional do que os anúncios em que não existe relação aparente entre, por um lado, a imagem, o som e a narrativa e, por outro, o produto ou o serviço. Nestes casos, a ligação, a ponte, entre o conteúdo e o produto do anúncio é impressiva, subliminar ou alegórica.
Marca: Kaadas. Título: Intelligent Lock. Agência: F5 Shanghai. China, Outubro 2018.