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Aleluia

Autor: Rui Rito

Ao Jean Martin Rabot que conheci há 40 anos em Paris na casa do Michel Maffesoli.

No regresso de uma aula ao doutoramento em Estudos Culturais, aguarda-me uma surpresa agradável: um atalho para a canção Una Noche Más, de Yasmin Levy. A terceira sugestão de Rui Rito, após a música Born Free, de Giovanni Marradi (https://www.youtube.com/watch?v=KBtYWkxOOCA), e a canção Et si tu n’existais pas, de Joe Dassin (https://www.youtube.com/watch?v=Ueba8LaflnE). Trata-se de um gesto raro que me sensibiliza. Ao Tendências do Imaginário e à minha página no facebook falta-lhes o oxigénio da reação dos visitantes. Nem sombra de reciprocidade. Os artigos parecem dar sumiço num monstruoso buraco negro, sem ressonância.

Desde janeiro de 2011, com 3 758 artigos e 1 228 271 visualizações, o Tendências do Imaginário mereceu 1 156 comentários, 968 circunscritos a apenas sete pessoas, somando uma 785. No facebook, uma dúzia de “gostos” num artigo, quase sempre pelos mesmos amigos, já satisfaz. Escrevo para um público que, eletronicamente, não corresponde. Como se houvesse alguma intimidação ou toxicidade. Uma sugestão ergue-se como uma flor no deserto, a mais improvável e encantadora.

Escutar Yasmin Levy aproxima-se de uma revelação. Lembra, com a devida modéstia, a madalena da Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, ou a espreguiçadeira de Hans Castorp no sanatório da Montanha Mágica, de Thomas Mann. Escutei de enfiada até às tantas da madrugada uma trintena de canções. Desconhecia Yasmin Levy. Ainda bem. Neste mar de ignorância, uma descoberta é uma jangada, uma oportunidade de sabedoria. Demasiado recente, o parco conhecimento da obra de Yasmin Levy dificulta a seleção das músicas. Segue, portanto, uma incontinência de cinco vídeos.

Nascida em Israel, em 1975, Yasmin Levy é filha de um folclorista turco, Yitzhak Levy, (…) que colectava canções em ladino (a língua dos judeus da Península Ibérica). A obra de Yasmin inclui músicas em ladino, espanhol, hebraico, árabe e turco (…)  O jornal Guardian considerou Yasmin “uma das melhores cantoras do Médio Oriente” (…) Numa mescla de música cigana (flamenco) com instrumentos como o alaúde, o violoncelo, e o piano e uma maneira moderna de cantar, ela deu nova vida a letras muito antigas, vindas dos bairros judeus habitados pelos descendentes dos exilados de Portugal e Espanha no século XVI” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Yasmin_Levy).

Yasmin Levy. Una Noche Más. Mano Suave. 2007
Yasmin Levy. Adio Kerida. Manu Suave. 2007. Live from Bucharest National Opera House
Yasmin Levy. Madre, Si Esto Hazina. Romance & Yasmin. 2004
Yasmin Levy. Perdono. Frida. 2002
Yasmin Levy. nani nani. Libertad. 2012

Semáforo

Adão e Eva após comer a maçã. Manuscrito Royal MS 14 E III folio 128r. 1315-1325.

Acabei de escrever um capítulo para um livro coletivo. Chama-se “A ave, o casal e a lápide: O conjunto escultórico da igreja de S. João Batista em Lamas de Mouro”. Tem uma vintena de páginas e ainda mais imagens. Com três semanas para o escrever, despachei-o apenas em uma. Mas não fiz outra coisa. Nem sequer visitei o blogue. Quando escrevo, namoro o delírio; desta vez, apaixonei-me. Saiu um mostrengo meio sociologia do imaginário meio semiótica da imagem. Antes de mais, um jogo divertido de imaginação aplicada. A reforma permite-o. Gostava de o partilhar, mas não devo! Guardo-o em segredo até ao lançamento do livro em agosto. Quando sair, já me esqueci dele.

Regresso ao Tendências do Imaginário com música. Sempre igual, sempre diferente, como um piscar de olhos, alternativo como um semáforo. Cabe a sorte a Anouk. Seguem as canções Only a Mother e The Rules, ambas do álbum Sad Singalong Songs, de 2013.

Anouk. Only a mother. Sad Singalong Songs. 2013.
Anouk. The Rules. Sad Singalong Songs. 2013.

Balada de amor e mortificação

Garth Brooks. If tomorrow never comes.1989.

De outra divisão da casa, chegam os ecos da canção If Tomorrow Never Comes, de Garth Brooks. Costumo arremedá-la. Não sei cantar, mas gosto de cantar. Também não sei dançar, e gosto de dançar. Gosto também de pesquisar… Pelos anos oitenta, interessei-me pela música country. Talvez me proponha a repescar uma ou outra canção de grata memória. If Tomorrow Never Comes é uma canção lamechas, ao jeito da música country. Não deixa de convocar um sentimento que não é insólito: amar e saber-se mortal. Resulta, contudo, pouco recomendável a um jejum de horas à espera de uma ecografia.

Garth Brooks. If Tomorrow Never Comes. 1989.

A tragédia de Silka

Ilse Losa. Silka. Ilustrado por Manuela Bacelar. 1989.

Os silkies (ou selkies) são criaturas mutantes da mitologia nórdica, nomeadamente das Ilhas Faroé, Islândia, Irlanda e Escócia. Vivem como focas no mar e humanos na terra. Para transitar de um meio para outro, têm que retirar, ou recolocar, a sua pele de foca. Sem as suas peles, as silkies, de rara beleza, convivem à vontade com os humanos, mas, mal recuperam a pele, não hesitam em regressar ao mar. Os contactos com os humanos são breves e espaçados de sete em sete anos. Regressada ao mar, a silkie evita rever o seu marido humano, mas não se furta a brincar com os filhos na praia.

As lendas com silkies assinalam a dualidade, difícil de conciliar, entre o mar e a terra, mundos separados entre os quais o trânsito só é possível mediante uma metamorfose associada a uma mudança de pele. Mas a pele que liga os dois mundos acaba por encerrar uma vulnerabilidade fatal que conduz a uma morte insólita e terrível. A pele como chave abre a porta a um destino invulgarmente trágico. The Selkie of Suleskerry distingue-se como uma das lendas mais célebres:

Uma jovem tem um filho de um homem desconhecido que se revelou ser um silkie: homem na terra, foca no mar, residia nas rochas de Sule. Volvidos sete anos, a criatura do mar regressa para reclamar o filho, ao qual oferece uma corrente de ouro. A mãe deixa-o partir. Passado algum tempo, esta casa-se com um caçador negociante em peles de animais. Um dia o marido regressa a casa com as peles de duas focas que tinha matado com o fim de as oferecer à esposa: uma era de uma velha foca cinzenta, a outra de uma foca jovem com uma corrente de ouro no pescoço! Ela morre, dilacerada pela dor causada por esta visão.

A lenda The Selkie of Suleskerry inspirou uma balada, com várias versões, entre as quais de Joan Baez (vídeo 1). A interpretação do trio britânico Serious Kitchen resulta particularmente interessante (ver vídeo 2). Angelo Branduardi traduziu a balada para italiano acompanhando-a com um arranjo próprio (álbum Il Rovo e la Rosa: ballate d’amore e di morte; ver vídeo 3). Mas o motivo principal deste artigo não reside nem no trio Serious Kictchen, nem em Angelo Branduardi, nem na lenda de Silkie em si mesma. Este artigo é dedicado ao conto Silka (Edições Afrontamento, 1989), um texto original de Ilse Losa, escritora portuguesa de origem alemã. Estimo-o como um dos contos mais maravilhosos que me foi dado devorar. Para preservar o impacto da surpresa, não adianto mais nada. Reforço apenas o convite: ao investir alguns minutos nesta leitura, não perderá tempo, conquistará um momento feliz. Para aceder ao conto, carregar na imagem com a capa do livro ou no seguinte link:

Joan Baez. Silkie. Joan Baez. Vol. 2. 1961.
Serious Kitchen. The Selkie O’ Suleskerry. Tig. 2002. Recorded at The High Barn in February 2013.
Angelo Branduardi. Silkie. Il Rovo e la Rosa: ballate d’amore e di morte. 2013.

The Selkie O’ Suleskerry. Letras.

I
An earthly nurse sits and sings,
And aye, she sings by lily wean,
“And little ken. I my bairn’s father,
Far less the land where he dwells in.
II
For he came one night to her bed feet
And a grumbly guest, I’m sure was he,
Saying, “Here am I, thy bairn’s father,
Although I be not comely.”
III
He had ta’en a purse of gold
And he had placed it upon her knee
Saying, “Give to me my little young son,
And take thee up thy nurse’s fee.”
IV
“I am a man upon the land,
I am a silkie on the sea,
And when I’m far and far frae land,
My home it is in Sule Skerrie.”
V
“And it shall come to pass on a summer’s day,
When the sun shines bright on every stane,
I’ll come and fetch my little young son,
And teach him how to swim the faem.”
VI
“Ye shall marry a gunner good
And a right fine gunner I’m sure he’ll be,
And the very first shot that e’er he shoots
Will kill both my young son and me.”
 
Silkie
Col suo bambino stretto al seno
Stava piangendo una fanciulla
“Chi sia tuo padre non so più dire
Così remoto ora lui vive”
 
Ma a notte fonda lui ritornò
Un’ombra oscura che gemeva:
“Io sono il padre del tuo bambino
Benché non sia il benvenuto
 
Io sono un uomo sulla terra
Io sono un Silkie nel mio mare
Ma quando da te io vado lontano
La mia dimora è Sule Skerrie”
 
E poi lui prese una borsa d’oro
E la depose ai suoi piedi:
“Tu ora dammi il mio bambino
Questa è la paga per le tue cure
 
E quando poi verrà l’estate
Col sole ardente sulle pietre
Io prenderò il mio bambino
E nuoteremo tra le onde
 
“Tu troverai un buon marito
Un buon fucile al suo fianco
Ed io già so che al primo colpo
Ucciderà mio figlio e me”

Versatilidade: a harpa de Deborah Henson-Conant

Deborah Hanson-Conant.

Dizem que o homem moderno é órfão do tempo. Não tem tempo para nada. No entanto, não consegue arrumar vida para o tempo de que dispõe. É rico de pobre e pobre de rico. Eis o seu paradoxo, a sua miséria (Imitando Pascal, Albertino Gonçalves).

Deborah Henson-Conant é um prodígio da harpa. Compôs a encantadora balada The Nightingale (áudio 1). A sua interpretação de Baroque Flamengo é poderosa (vídeo 1); por seu turno, a versão harpa elétrica do hino The Star-Spangled Banner, inspirada em Jimmy Hendrix (vídeo 3), é um assombro (vídeo 2). Vale a pena espreitar, pelo menos, uns segundos.

Deborah Henson-Conant. The Nightingale. Alter Ego. 1998. Instrumental.
Deborah Henson Conant. Baroque Flamenco. Invention & Alchemy. 2006.
Deborah Henson Conant. Hendrix on Harp – “Star Spangled Banner”. Regent Theatre – Arlington, MA in June 2011.
Jimi Hendrix plays the Star Spangled Banner [Woodstock 1969].

Leve, levemente

Peppino Gagliardi

O tempo passa, mas não para

Nos anos sessenta, as baladas italianas apoderavam-se da rádio. Dar o que as pessoas gostam é um reforço. Dar-lhes o que desconhecem, uma promessa, habitualmente perdida. O siciliano Peppino Gagliardi alcançou vários sucessos. Por exemplo, Che vuole questa musica stasera … (1967) e Sempre… Sempre (1971).

Peppino Gaglardi, Che vole questa musica stasera… Single, 1967.
Peppino Gagliardi, Sempre… Sempre. Single, 1971.

Amor em tempo de feira

Pieter Brueghel the Younger – Return from the Fair. 1620-1630.

“Scarborough Fair” é uma balada britânica de origem medieval em que uma pessoa pede à pessoa amada proezas impossíveis. Um tema recorrente no universo dos contos. Scarborough é uma cidade que tinha, na Idade Média, uma das feiras mais importantes de Inglaterra. Segue a balada em duas versões: instrumental clássica, interpretada por Anna Comellas (violoncelo) e Rosalind Beall (guitarra); e canção pop, interpretada por Simon e Garfunkel. Pode encontrar a letra e a tradução da balada neste endereço: https://pt.wikipedia.org/wiki/Scarborough_Fair .

Scarborough Fair. Interpretes: Anna Comellas (violoncelo) e Rosalind Beall (guitarra). Arranjo de Jerry Schnider.
Scarborough Fair. Simon & Garfunkel. Álbum: Parsley, Sage, Rosemary and Thyme (1966). Ao vivo em Central Park. 1981.