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A microfísica do prazer. Sociologia sem palavras 16.

Babette's FeastO episódio do banquete no filme A Festa de Babette é sublime. É lento, mas repleto de sentimentos e emoções. O banquete é um momento de prova, um momento único. Nunca aconteceu antes, jamais voltará a acontecer. Nas expressões e nos gestos mais ínfimos, adivinham-se os corações a rejubilar, entre a sede da alma e a fome do corpo. O episódio evolui num ambiente de profunda religiosidade existencial. Duas epifanias emergem sem se cruzar: a redescoberta do prazer por parte do General, com a sublimação do amor pelo paladar, e a descoberta do prazer pelos habitantes da aldeia, desde o exorcismo preventivo até ao aleluia da conversão. Um prazer que liberta as pessoas e restaura a comunhão do grupo. São doze os comensais, descontando Babette. Trata-se de uma ceia. Cada ingestão, cada bocada, cada gole, é um passo de transubstanciação. Babette, a cozinheira responsável por este estado de graça, é um anjo ambivalente: redime pelo prazer. O filme termina com a seguinte frase proferida por uma das irmãs para quem Babette trabalha: “No Paraíso tu serás a grande artista que Deus tinha pensado que serias. Como serão felizes os anjos!”

Este excerto do filme A Festa de Babette é um magnífico exemplo de microfísica do prazer. Desafia e agracia os sociólogos: rituais, religiosidade, interacção, bastidores, clivagens, linguagem corporal, mudança, felicidade, estética do bom e do bem… Os excertos da série Sociologia sem palavras raramente se prolongam para além dos seis minutos. Este caso é uma excepção, atinge os dez minutos. A dinâmica entre o “apetite corporal” e o “apetite espiritual” justifica-o. Bem haja quem me fez descobrir este filme!

Gabriel Axel, Babette’s Feast. 1987. Excerto.