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Beatas: Luz divina e pegada tóxica

Nem tudo o que arde purifica, nem tudo o que se apaga acaba.

G.F. Händel. Eternal Source Of Light Divine (Ode for the Birthday of Queen Anne, HWV 74). 1713. Interpretação: Marie-Sophie Pollak & Ensemble CONCERTO MÜNCHEN. 2023
Anunciante: Keep Britain Tidy. Título: Change starts with you. Agência: 23red. e Wavemaker UK. UK, dezembro 2022
Anunciante: Keep Britain Tidy. Título: Duck – Cigarette Butts are Rubbish / You’re Not A Litterer. Agência: VCCP, London. Direção: Andy McLeod. UK, novembro 2023

Mergulhar na irrealidade: a banheira e o chuveiro (revisto)

O toque de Midas dos novos media visa o mergulho experiencial noutros mundos, mais ou menos irreais, estampados eventualessmente em ecrãs. Entre as novas “varinhas mágicas” constam a realidade virtual, as exposições imersivas, como a Living Van Gogh na Alfândega do Porto (2023), e os videojogos FPS (First Person Shooter) como o Half Life (1998). Somos convidados a participar em universos audiovisuais ou multissensoriais (com alterações e estímulos olfativos, táteis, térmicos), de um modo estático (sentados face a um ecrã fixo) ou dinâmico, como nos simuladores do Pavilhão da Realidade Virtual durante a Expo 98, porventura em interação, com o crescente e cada vez mais sofisticado auxílio de interfaces, luvas digitais, óculos estereoscópicos e capacetes de imersão. Em todos os casos, aventuramo-nos a sentir, experienciar, como reais situações ou ações irreais.

O mergulho na irrealidade pode processar-se segundo dois movimentos aparentemente inversos: a projeção e o envolvimento. Por um lado, sintonizamo-nos ou identificamo-nos com elementos do universo proposto: pessoas, humanóides, animais, animações ou objetos. Quanto maior for a semelhança mais fácil a identificação? Nem sempre. O contraste pode favorecer a “simpatia”. Atente-se em figuras como o E.T., o Shrek ou o WALL-E. Por outro lado, o universo proposto interpela-nos, cativa-nos e envolve-nos. No primeiro caso, na projeção, ocorre um efeito banheira; no segundo, no envolvimento, um efeito chuveiro. Frequentemente, projeção e absorção conjugam-se num reforço mútuo (o anúncio Cowboy, da Solo Soda, ilustra este entrelaçamento).

Marca: Solo Soda. Título: Cowboy. Agência: DMB&B. Direção: Les Roenberg. Noruega, 1999

Vem este resumo a propósito da campanha publicitária inaugurada esta semana  pela empresa da Singapura Prism+. No primeiro anúncio, As close as you can get to the concert, mais próximo do “efeito chuveiro”, uma velhinha é arrebatada por uma estrela rock (releve-se o contraste entre as duas personagens); no segundo, As close as you can get to the cooking, mais próximo do “efeito banheira”, um telespetador identifica-se com um perú em vias de ser cozinhado; por último, no terceiro, As close as you can get to the drama, o mais próximo da interação, do duplo efeito de projeção e envolvimento, um casal participa como vítima numa cena de tortura. Ousadia e criatividade a desafiar os limites!

Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the concert. Agência: MullenLowe Singapore. Direção:  Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023
Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the cooking. Agência: MullenLowe Singapore. Direção:  Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023
Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the drama. Agência: MullenLowe Singapore. Direção:  Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023

O medo dos palhaços e os dentes de lagarto

Argui, há seis meses, uma dissertação dedicada à figura do palhaço (ver https://tendimag.com/2023/02/25/esquilo-o-abutre-e-a-tartaruga/). Durante a prova não resisti a desconversar ressalvando que a figura do palhaço podia assumir significados negativos. Assim sucede quando afirmamos que determinado ato não passou de uma palhaçada ou uma dada pessoa se comportou como um palhaço.

Imagem: Pablo Picasso. Le Clown. 1962

Mas não era esta a negatividade que queria vincar. Aludia, principalmente, à associação da figura do palhaço ao medo e ao terror. Existe, inclusivamente, uma fobia aos palhaços conhecida como coulrofobia. Encontramos palhaços assustadores na literatura, no cinema, na publicidade… Recordo filmes como Palhaços Assassinos (1988) ou IT – A Coisa (2017); e deparo-me com o anúncio, estreado este mês, The Visitor, da Bell, inspiração imediata deste artigo.

Marca: Bell. Título: The Visitor. Agência: Leo Burnett (Toronto). Direção: Leigh Marling. Canadá, agosto 2023.

Mas o exemplo mais superlativo talvez continue a ser o anúncio Carousel , da Philips, de 2009.

Marca: Philips. Título: Carousel. Agência: Tribal DDB (Amsterdam). Direção: Adam Berg. Países Baixos, 2009

Enfim, parece que já não consigo inovar. Não há nada que escreva que já não tenha escrito antes. Redigi já lá vão sete anos, em 2016, o artigo O caso dos palhaços assustadores (https://tendimag.com/2016/11/06/o-caso-dos-palhacos-assustadores/). Não param de me revisitar este tipo de ecos. Nada de novo a toque de teclado! Estou obsoleto. O pouco convívio também contribui para esta calvície do intelecto. Sem a centelha dos outros, estrelinhas fulminantes num infinito de ideias geniais, sinto-me (narcisista?) como um lagarto que anda à roda, à roda, à roda, até abocanhar a própria cauda. Então, trinca, trinca, trinca, até lhe sobrarem apenas os dentes. Quem quer dentes de lagarto?

Embora o riso seja das atividades mais características e mais sociais do ser humano, surpreendo-me a rir sozinho, “com os meus botões”. Às vezes, acorda-se prazenteiro.

De cortar a respiração

Edvard Munch. Lovers in the waves. 1896

“Muchas veces escuchamos los latidos del corazón como metáfora de la vida (…) Pensamos que a partir de la pandemia la respiración tomó más relevancia, desde lo conceptual y desde lo simbólico. Respiro es un mensaje que toca una cuerda que resuena en la sociedad y cala profundo en nosotros (Martín Pezza: https://www.adlatina.com/publicidad/preestreno-enero-comunicacion-y-medife-toman-aire).

Respirar é mais do que inspirar e expirar. É sentir, desejar e comunicar. A associação à sexualidade e ao desejo é de tal ordem que Jean-Louis Tristani fala de um “estádio do respiro” distinto do “estádio oral “ (ver https://tendimag.com/202211/11/o-estadio-do-respiro/). Para além do erotismo, a respiração é decisiva na música, na fala, no imaginário… Simbolicamente, respira-se saúde e liberdade; a alma enche-se e o coração suspira; o diabo sopra e algumas situações sociais sufocam. Estreado esta semana, o anúncio argentino “Respiro” oferece um autêntico inventário do fenómeno a um ritmo de cortar a respiração. Recorda canções, danças, poemas, cenas de filmes, anúncios…

Para quem tiver tempo e curiosidade, acrescem dois vídeos: uma canção (em jeito de homenagem a Jane Birkin) e um anúncio (focado na poluição). Sugiro, enfim, o (en)canto “gutural” de Camille (https://tendimag.com/2022/11/11/o-estadio-do-respiro/). E pronto! Acabou-se-me o fôlego.

Marca: Medifé. Título: Respiro. Agência: Enero Comunicación. Direção: Tomás Posse. Argentina, agosto 2023

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Serge Gainsbourg & Jane Birkin. Je T’Aime, Moi Non Plus. 1969
Marca: ClientEarth. Título: Poisened Playgrounds. Agência: BMB London. UK, 2017

O desporto e a imagem

Ao João e ao Fernando

O golfe é um jogo em que não há necessidade de se apressar. Importa deixar entrar a riqueza do desporto (Catherine Lacoste)

O desporto constitui um dos maiores bancos de imagens da atualidade. Aproxima-se frequentemente de uma coreografia mais ou menos espontânea. O anúncio The Greatest Show on Earth, do canal SKY Sports, e o trailer de lançamento, Match Day, do videojogo EA SPORTS FIFA 23, investem nessa vertente.

Marca: SKY Sports. Título: The Greatest Show on Earth. Agência: Sky Creative. Direção: Daniel Kleinman. Reino Unido, agosto 2023
Marca: EA SPORTS FIFA 23. Título: Match Day. Agência: Wieden + Kennedy, Portland. Direção: Jungle. USA, agosto 2023.

Relaxar a eito! A maçã e a abóbora


Tinha saudades de um anúncio como este. Lacónico e inspirado, torna o pouco bastante e o inexpressivo eloquente. Imagem, música, duração e ritmo dão primorosa e discretamente as mãos. Ao arrepio da tendência pós-Covid, não aposta na oralidade, na conversa. Opção que não compromete a mensagem. Tudo fala pelos cotovelos, até a lentidão e o tédio, aparentemente assumidos como privilégios.

Marca: Apple / iPhone 14 Plus. Título: Relax, It’s iPhone – Tractor. Agência: Apple Marcom. Direção: Ivan Zacharias. Julho 2023
Brigada Victor Jara. Cantiga Da Deifa. Eito Fora. 1977

Todos diferentes, todos iguais

Túmulo de Sethi 1º. Vale dos Reis, oeste de Tebas. Detalhe do teto astronômico da Câmara Mortuária

Por que motivo, nas cidades por onde passamos, nos empenhamos a escolher doze postais diferentes – quando são destinados a doze pessoas diferentes? (Sacha Guitry. Pensées, maximes et anedoctes, 1ª ed. 1985, Le Cherche Midi, 2007, p. 117)

Vulgarizado pela Benetton, o mote “todos diferentes, todos iguais”, conquistou a publicidade e o espaço público. Os anúncios passam a apostar na diversidade das figuras convocadas em dimensões tais como o género, a idade, a raça, a posição social ou os padrões estéticos. Cada anúncio oferece um cardápio identitário. Em vez de bens cujo consumo se deseja, imagens a cuja adesão se incentiva. Num dispositivo pós-pavloviano, a projeção e a identificação tendem a sobrepor-se à salivação. Confrontado com tantas e tão díspares figuras, em alguma o espetador se reconhecerá (e doutras se de demarcará).

Marca: United Colours of Benetton. Título: ‘You can be everything’. Fall-Winter 2022 Campaign

“Todos diferentes, todos iguais” constitui uma equação complexa a alcançar. Tudo menos dada de antemão. Suscetível de várias formulações, a tónica pode ser colocada mais próxima de um ou do outro lado: unir mais do que separa ou separar mais do que une.

Nas últimas décadas, o polo da diferença tem adquirido atratividade. Por vezes, em demasia, reduzindo-se as posições, paradoxalmente, a mais do mesmo, a um coro monofónico, pouco aberto e nada tolerante. Nesta di-visão exacerbada do mundo, cada qual vale por si, “sem fazer parte” de uma comunidade orgânica. Esfuma-se o fundo comum, bem como a interdependência e, a fortiori, o sentimento de união e partilha. Em suma, um mosaico estilhaçado a espelhar uma realidade fragmentada à beira do caos. Alguns anúncios proporcionam este efeito. sugerem esta impressão. Os protagonistas sucedem-se sem laços nem nexo. É certo que, à falta de mais, a própria marca, envolvente, assegura a junção, mas como uma espécie de interruptor que acende uma constelação babélica de clichés e flashes.

Esta aposta na diferença parece amiga das liberdades, das autonomias e das identidades. Os processos sociais revelam-se, porém, propensos a perversidades capazes de inverter o sentido das promessas, por mais óbvio que se manifeste. As coletividades inorgânicas, babélicas, carecem de alguma entidade, porventura providencial, que as cimente e acaba por se lhes sobrepor senão impor. Exterior ou estranha, quando não avessa, às diferenças, esta totalização tende a namorar o totalitarismo, tornando-se pouco “amiga das liberdades, das autonomias e das identidades”. Não se trata de uma fatalidade a agitar como um espantalho mas de um risco a não menosprezar.

Albrecht Dürer. Cristo entre os Doutores (Pormenor). 1506.

Convém admitir que boa parte dos anúncios publicitários visa conciliar diferença e igualdade. Encenam a interdependência na e pela diferença sobre um fundo de igualdade e universalismo. Os protagonistas não só se sucedem como dialogam e interagem de uma forma natural e compensadora. Assumida como mediação, a marca, mais do que mero interruptor, funciona, agora, como traço-de-união. O “pluri” e o “multi” abrem-se ao “inter” e ao “trans”. Recentes, os anúncios The Feeling of Good Times, da Heineken, e New Zealand runs on fibre, da Chorus, representam dois casos exemplares.

Marca: Chorus. Título: New Zealand runs on fibre. Agência: Saatchi & Saatchi New Zealand. Direção: The Bobbsey Twins From Homicide. Nova Zelândia, junho 2023
Marca: Heineken. Título: The Feeling of Good Times. Agência: Le Pub / Publicis Italy. Itália, junho 2023

Sensibilidade

Quando as palavras não sonham, as notícias não prestam, a música não dança, as pessoas não se abraçam, as sombras não se escondem, os minutos não passam e o depois não chega… segue os pássaros ou bebe um anúncio bem cheio, sem gelo, do Bruno Aveillan. Perde-te em Nova Iorque ou descobre AluLa. Sente! Sente os rostos, as mãos, os objetos e o que mais se oferecer.

Marca: Tiffany & Co. Título: Love (in) New York (Fashion Film). Agência: Ogilvy NY. Direção: Bruno Aveillan. 2022
AluLa, The World’s Masterpiece. UNESCO World Heritage Site. Agência: Leo Burnett KSA, Riyadh. Produção: QuadDireção: Bruno Aveillan. Arábia Saudita, 2021

Suave e aveludado

Os últimos dias foram de concentração. Entreguei-me à construção de materiais audiovisuais para o próximo encontro dedicado aos antepassados do surrealismo, em particular aos maneiristas da segunda metade do séc. XVI, programado para o dia 27 de maio, sábado, às 17:00, no Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Consistirá mais numa ilustração do que numa oratória. Esbocei ontem uma espécie de antestreia na disciplina de Sociologia da Arte, do curso de mestrado em Comunicação, Arte e Cultura. Um excelente teste com um mês de antecedência.

Vim descontrair para a beira-mar. Apetece-me partilhar um post que propicie uma atmosfera de repouso e indolência. Acodem-me os anúncios recentes da Velveeta, uma marca, como o nome sugere, de queijo “cremoso, suave e aveludado”. Um deleite minimalista com a ressonância, a ação, o compasso e o colorido certos para cativar a atenção, aguçar o desejo e distinguir a marca. Original e feliz! A que mais poderia aspirar uma publicidade?

Marca: Velveeta. Título: La Dolce Velveeta / Rider. Agência: Johannes Leonardo. Produção: Biscuit. Direção: Andreas Nilsson. USA, abril 2023
Marca: Velveeta. Título: La Dolce Velveeta / Breeze. Agência: Johannes Leonardo. Produção: Biscuit. Direção: Andreas Nilsson. USA, abril 2003
Marca: Velveeta. Título: Thats La Dolce Velveeta / Film. Agência: Johannes Leonardo. Direção: Harmony Korine. USA, janeiro 2022

Os sinos da consciência

O nu desapareceu praticamente da publicidade. O grotesco resiste. Os anúncios de consciencialização e sensibilização social proliferam. Oferecem-se como uma marca distintiva da nossa era. Visam interpelar e mobilizar os cidadãos, pelo pensamento, pelo sentimento e pela imagem, para problemas, causas e movimento de uma extrema diversidade quanto às origens, modalidades e finalidades. Segue uma mistura de exemplos recentes.

Anunciante: Disasters Emergency Committee. Título: Never Alone. Agência: Don’t Panic (Londres). Direção: Rick Dodds. Reino Unido, fevereiro 2023
Anunciante: My Black is beautiful. Título: Unbecoming. Agência: Cartwright. Direção: DAYDAY. USA, março 2023
Anunciante: CONAF/Gobierno de Chile. Título: Campaña de prevención de incendios. Agência: McCann Santiago. Chile, fevereiro 2023
Marca: Nescafé. Título: Jars. Agência: Courage Inc Toronto. Direção: Omri Cohen. Canadá, fevereiro 2023
Anunciante: Gouvernement du Québec. Título: Escape the control. Agência: Lg2. Direção: Nicolas Brassard. Canadá, fevereiro 2023
Anunciante: HandsAway & Consentis. Título: Décoder les femmes. Agência: TBWA (Paris). França, março 2023
Anunciante: NHS. Título: Ribbon dancer. Agência: M&c Saatchi (london). Direção: SI&AD. Reino Unido, fevereiro 2023