Se fui estranho e estranhas foram as minhas figuras / Uma tal estranheza é fonte ao mesmo tempo de graça e arte; / E quem acrescenta aqui e acolá estranheza ao seu estilo, / Dá vida, força e espírito às suas pinturas (Giorgio Vasari. Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori – Vita di Piero di Cosimo, Pittor Fiorentino. Epitáfio. 1550)
Às voltas com os artistas maneiristas, deparei com meia dúzia de belas gravuras com rostos deveras feios da autoria de boémio (checo) Wenceslaus Hollar (1607-1677). Atendendo a que não vão ser contempladas na próxima conversa sobre a relação entre surrealistas e maneiristas, não resisto a partilhá-las.
Que o feio pode ser atraente é coisa assente. Se o belo vem acusando algum desgaste nos últimos séculos, o feio vai adquirindo protagonismo. E não apenas pela negativa. Demonstra-o, por exemplo, a recente dissertação do mestrado em Comunicação, Arte e Cultura do Pedro Abreu dedicada ao recurso ao feio na publicidade de automóveis.
Para compreensão dos contornos da estética do feio, aconselho duas obras clássicas: Do Grotesco e do Sublime, do Victor Hugo (1ª edição: 1827; anexo o respetivo pdf); e a Estética do Feio, publicada pelo alemão Karl Rosenkranz em 1853 (trad. francesa: Esthétique du Laid, Circé, 2004).
Como introdução às gravuras de Wenceslaus Hollar, pemito-me citar Sara Christova:
Através da sua obra, os maneiristas questionam a venerada aspiração à perfeição uma vez que sabem que tal não existe – somos todos perfeitamente imperfeitos. A ilustração pode captar estes defeitos de modo a provar ao mundo como até o pedaço de terra mais ténue pode tornar-se uma preciosa fonte de inspiração. Trata-se de mostrar até que ponto o feio pode ser belo e até que ponto o estranho é normal. O nosso mundo é magnificamente diversificado e imprevisível, e termos como “estranho” e “feio” não passam de meras ilusões do espírito nebuloso (Sara Christova, Defining the Strange and the Ugly Sara Christova, 2014: https://sarachristova.wordpress.com/2014/12/23/final-assignment/).
Two deformed heads facing each other, print, Wenceslaus Hollar, after Leonardo da Vinci. 1645Two deformed heads facing inwards, print, Wenceslaus Hollar, after Leonardo da Vinci. 1645Wenceslaus Hollar. A deformed couple facing each other. After Leonardo da Vinci. 1645Attributed to Wenceslaus Hollar. Two deformed heads facing each other. After Leonardo da Vinci. 1645Formerly attributed to Wenceslaus Hollar. Two deformed heads. After Leonardo da Vinci. 1645–50Wnceslaus Hollar. Two deformed heads facing each other. 1645