Erótica ecológica

Léo Ferré 2

Léo Ferré

No artigo “divergência”, escrevi: “quanto mais me retiro da sociedade menos lhe sinto a falta”. Não devia ter escrito tal coisa. É um convite ao alheamento, à melancolia e à misantropia, quando a nossa sociedade se afirma tão inclusiva, empreendedora e pró-activa. Cumpre-me rectificar: “quanto mais me retiro da sociedade menos lhe sinto o cheiro”. Ganha-se em fertilidade, declinação e conveniência. Resgato-me convocando a erótica, talvez a mais envolvente das artes humanas.

No presente artigo, inverto a rotineira ordenação dos géneros. Primeiro, a canção; depois, o anúncio. C’est extra (1969) é uma canção erótica de Léo Ferré. O erotismo estava no vento em França na viragem dos anos sessenta para os anos setenta. Recorde-se, por exemplo, a canção Je t’aime… moi non plus (1967-1969) de Serge Gainsbourg, bem como os filmes O Último Tango em Paris (1972), Emanuelle (1974), Histoire d’O (1975) ou Bilitis (1977).

Encontrar um vídeo erótico condizente com a canção de Léo Ferré é tão fácil que se torna difícil. O mais avisado é reduzir o universo. Bruno Aveillan é um expoente do erotismo na publicidade, cuja obra está quase toda publicada no Tendências do Imaginário. Improvável encontrar uma novidade. Mas os pecadores também têm epifanias: Bruno Aveillan assinou, há  cinco meses, o anúncio Feelings para a Peugeot, com máquinas desejadas, natureza, humanos e animais. Mais do que uma erótica humana ou do que uma erótica dos objectos, trata-se de uma erótica ecológica.

Escrevo junto ao mar. Lembro-me de um grupo de franceses que, há cerca de quarenta anos, cantavam, como desalmados, pelas ruas de Vila Praia de Âncora: “ça sent la mer d’ici”. Não confundir com “ça sent la merde ici”. Um coro monofónico mas polissémico.

Léo Ferré. C’est extra. 1969.

Marca: Peugeot 3008. Título: Feelings. Direcção: Bruno Aveillan. Novembro 2016.

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