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Novidade e originalidade

M.C. Escher, Circle Limit IV (1960) The angels and devils

M.C. Escher, Circle Limit IV (1960) The angels and devils.

O anúncio brasileiro Anjos, da Telefónica, é uma festa da memória. Lembra “as asas do desejo”, de Wim Wenders. Como poderia não lembrar? Nada expõe mais o homem do que o desejo. Desejar é o âmago de nosso ser (Sigmund Freud).

Olhos de crianças, inocentes e sonhadores, surpreendem anjos, uma ilusão feliz a partir de um ponto de vista enganador. Existem imensos anúncios com anjos, mas não os anjos de Escher, entrelaçados com demónios (Fig. 1). Em contrapartida, existem muitas ilusões inspiradas em Escher. Importa ver com o coração, como Pascal, Magritte e o principezinho.

A publicidade é a alquimia de todos os desejos. A intertextualidade fere a originalidade do anúncio? Antes pelo contrário. “Não me digam que não disse nada de novo, a disposição das matérias é nova. Quando se joga à péla um e outro jogam com a mesma bola, mas um coloca-a melhor” (Pascal, Blaise, Pensamentos, 696-22). Pouco originais são aqueles que enchem um armário com coisas novas, esvaziam-no e voltam a enchê-lo com novas coisas novas. Sempre o mesmo armário com coisas sempre novas.

Marca: Telefónica. Título: Anjos. Agência: DDB Worldwide. Brasil, 2001.

Smartphone

Só a música pode falar da morte (André Malraux, [1933] (1946), La condition humaine, Paris, Gallimard, p. 334)

O mundo é um espanto. No anúncio Relove, da Telefónica, a técnica salva-nos da própria técnica! Já tinha saudades destas dialécticas! Um casal, que o smartphone desencontra, reencontra-se graças ao smartphone. Live more love!

Existem objectos que são, simultaneamente, pessoais e civilizacionais. Alguns dignos de acompanhar o morto no outro mundo. Por exemplo, o relógio ou a aliança. Acrescento o smartphone. O relógio para não se atrasar na travessia, o anel para amar eternamente, e o smartphone para ouvir, no silêncio escuro, Fernando Pessoa e Maria Bethânia.

Marca: Telefónica. Título: Relove. Agência: África, São Paulo. Direcção: Vellas. Brasil, Junho 2017.

Maria Bethânia. Sonho Impossível. Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo. 1975. Poema de Fernando Pessoa.

Nós somos imagens que passam

Cartaz do Cinematógrafo Lumières. Na Exposição de Estocolmo. Suécia. Por Carl August Olausson. 1897.

Cartaz do Cinematógrafo Lumière. Na Exposição de Estocolmo. Suécia. Por Carl August Olausson. 1897.

No anúncio Hunt, da Telefónica, meio mundo anda a ecranizar a outra metade. Na verdade, andamos a ecranizar-nos uns aos outros. Nada escapa: nem a sapatilha aerodinâmica, nem o cabelo inteligente. Ecranizamo-nos pela frente, ecranizamo-nos por trás. É uma partilha compulsiva de imagens de si e do outro, numa ecranização global. Somos, em termos de imagens, uns arroseurs arrosés. A geração do pós-anonimato ou, se se preferir, da pós-intimidade. Nous sommes les enfants des Lumière(s). “Nós somos imagens que passam, num mundo transformado em ecrã”. O que me irrita, solenemente!

Anunciante: Telefonica Movistar & Motorola.Título: Hunt. Agência: McCann Erickson Madrid. Espanha, Fev. 2010.

Les frères Lumière. L’Arroseur arrosé. 1895.