A pandemia como comunicação

No início da pandemia, o discurso político e a comunicação social quiseram-se parcimoniosos. Hoje, a situação é distinta. A informação manifesta-se inesgotável, redundante e, por vezes, delirante. Para além de contexto, a pandemia tornou-se pretexto para outros fins. No anúncio Kerstcadeau, da holandesa Kruidvat, uma criança incentiva o “Pai Natal” a utilizar máscara; por seu turno, o anúncio Covidman, da tailandesa Thai Health Promotion Foundation, alerta que a obsessão com a Covid-19 pode ofuscar a consciência de outros riscos, tais como os acidentes rodoviários.
Ontem, fui submetido a uma cirurgia. Habitualmente, não vejo televisão. Mas, agora, proporciona-se. Pasmo com tamanha sobre-excitação! A diversidade de assuntos foi de férias e não se sabe quando regressa. Neste momento, bastam dois: a violência no aeroporto e a pandemia. Quem comece de manhã e acabe à noite, fica a saber o mesmo, mais do mesmo. Tudo comentado até à náusea. Por especialistas de tudo e por especialistas de nada, mais os testemunhos que dizem o que já se sabe e os jornalistas que registam e veiculam o que também já se sabe. Estou com vontade de sair da convalescença.
A nova normalidade

Aprecio o estilo de comunicação da Fundação Tailandesa para a Promoção da Saúde (Thai Health Promotion Foundation). Uma pedagogia franca, impactante e grotesca, adversa aos comportamentos de risco, estúpidos e perigosos, contrários à “nova normalidade”.
A propósito do Covid-19, foi publicado, no dia 27 de novembro, o primeiro volume, Reflexões, da obra coletiva A Universidade do Minho em tempos de pandemia, editada por Manuela Martins e Eloy Rodrigues (pdf acessível no seguinte endereço: https://doi.org/10.21814/uminho.ed.23). Participo com um pequeno texto (“COVID-19: o mensageiro da nova morte”, acessível em: https://doi.org/10.21814/uminho.ed.23.5).
A bateria fantástica

Um anúncio tailandês grotesco, variante brutesca. Humor de Hollywood, do circo e do imaginário popular. Nada bate certo e tudo se encaixa, nesta procissão de disparates.
O gnomo, a gula e a ira

O anúncio tailandês The Box, da marca Voiz Cracker, é um presente criativo cheio de boa disposição. Duração longa, pouca história, repetida com variantes, interpretada por “gnomos” sósias, numa espécie de paródia da magia. Receita apropriada para a destilação de um humor insólito, que namora o pecado. Neste caso, dois pecados capitais, a gula e a ira, tudo por causa de uma bolacha.
O perfume e o hálito

O Tendências do Imaginário dedicou uma série de artigos a anúncios de perfumes. Lugares mágicos, modelos extra belos e fragâncias sedutoras. Importa dissentir!
O ser humano dá sentido a tudo, e tudo avalia. A começar pelo corpo. É de entendimento comum que existem fenómenos corporais que são bons e outros que são maus. O que sai do corpo tende a ser desagradável: a transpiração, a urina, os excrementos, a mucosidade, a cera, o cuspo, o hálito… Existem, porém, excepções: o parto, a lágrima e a palavra. A alimentação e a respiração são bons exemplos desta dualidade: os alimentos são bons, mas o arroto e vómito são maus; inspirar é bom, expirar, nem por isso. Desçamos, pois, da alteza dos perfumes para a baixeza do corpo.
No anúncio tailandês, da Dentiste, o mau hálito ameaça a interacção humana. Entre modulações e repetições, durante seis minutos, os contratempos do mau hálito são ridicularizados. Com imaginação e desenvoltura. Bizarro, disse bizarro? Estranho. A percepção do corpo dos orientais difere, porventura, da nossa.
Denegação

« A morte é o único acontecimento biológico a que um ser vivo nunca se adapta” (Vladimir Jankélévitch, La Mort, 1977).
Há aqueles que morrem e aqueles que ficam, por vezes, sós, traumatizados e desamparados. É o tema do anúncio tailandês The Road Home, da Thai Health Promotion Foundation. A vida e a morte; a morte e a vida. A morte que não larga os vivos. Um excelente anúncio.
Verdura fora de época

Alguns anúncios de educação para a saúde exploram nichos do cérebro que me escapam. Oscilam entre o mórbido e o absurdo. O anúncio Bok Choy, da Thai Health Promotion Foundation, é categórico: se tem amor à vida não coma legumes fora de época! Tudo o resto é uma demanda grotesca de uma empregada incondicional. Afigura-se-me que quem fez este anúncio se divertiu.
A vaidade dos mortos vivos
Se é sensível a imagens de horror, dispense. Não perde nada de essencial.

Os anúncios têm as suas épocas. Se, na altura apropriada, alguns são estranhos esperados, fora de época são estranhos de estranhar. Encontrei o anúncio tailandês The Walking Undead, da Chamé, com o atraso de um mês. Foi publicado em Outubro, em plena febre do Halloween. Um grupo de mortos vivos persegue uma mulher por causa da beleza da sua pele. O assédio, que lembra o Thriller de Michael Jackson, termina com os mortos vivos a beber um sumo “milagroso” que os favorece fisicamente. Mesmo durante o Halloween, não é habitual uma marca apostar nos mortos vivos como embaixadores. Mas revela-se cada vez mais frequente o recurso ao grotesco para significar o bom, bem e o belo. A publicidade oriental tem sido pioneira nesta arte de baralhar “o sublime e o grotesco” (Victor Hugo).
A publicidade conhece variações sazonais. O que é próprio no Halloween, não o é no Natal, no Dia Internacional da Mulher ou no campeonato do mundo de futebol. Não mudam apenas os temas e as figuras: o Zombie, o Pai Natal, a mulher heroína e os divinos da bola. Muda, também, a moral, a forma e o modo. Se nos Santos, ou nos fiéis defuntos, se celebra a morte, no Natal celebra-se a vida. Não parece mas é uma grande diferença. Gostava que alguém abraçasse um projecto de dissertação no âmbito das variações sazonais da publicidade. Invocar a versatilidade humana, é um ato de fé; sondar as suas manifestações concretas, um ato de ciência.
Grotesco de estimação
Thanonchai Sornsriwichai é um brilhante realizador de publicidade tailandês, cujos anúncios tendem para um grotesco ímpar. Conciliam delírio e ternura, a exemplo do Shrek. Recordo o primeiro anúncio de Thanonchai Sornsriwichai a que acedi: King Kong, para a Ford Ranger. Estreado em Dezembro de 2004, ganhou vários prémios, incluindo o Leão de Ouro do Festival de Cannes. O Tendências do Imaginário contém uma dúzia de anúncios de Thanonchai Sornsriwichai, incluindo o King Kong, que integrou a selecção de anúncios da instalação Emoções Confortáveis, na exposição Vertigens do Barroco (Mosteiro de Tibães, 2007). Não resisto à tentação de o recolocar. Mas acrescento um novo: Tummy, da LMN (2012). Desconcertante. Mágico e violento: a barriga tem forma de cabaça e é perfurada por uma flecha. É arte de Thanonchai Sornsriwichai dar vontade de rir com desgraças insólitas. Estranhamentos agradáveis. “Os deuses devem estar loucos”.
Marca: Ford Ranger. Título: King Kong. Agência: J. Walter Thompson. Direcção: Thanonchai Sornsriwichai. Tailândia, 2005.
Marca: LMN. Título: Tummy. Agência: Creativeland Asia. Direcção: Thanonchai Sornsriwichai. Índia, 2012.