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Iluminados e viciados

René Magritte. O Principio do Prazer. 1937

O último artigo do Tendências do Imaginário, “Convencer ou obrigar”, denso e elíptico, oferece-se como um fragmento, logo ferido de incompletude. Pode, assim, suscitar, alguma curiosidade. Pergunta uma amiga:

Concordo plenamente com a tua publicação ” convencer ou obrigar “. Mas fiquei curiosa, ao ver surgir esse desabafo, sem específico desenvolvimento.

Algum gatilho em particular que despoletou essa revolta?

A resposta será sucinta mas clara.

Entendo-me submetido ao exemplo mais extremo de tecnocracia com propensão autocrática de que tenho conhecimento na história da humanidade. Refiro-me ao Conselho Europeu. Traça objetivos com metas absolutas e distantes, por vezes com décadas de antecipação, e desdobra-se em normas e diretrizes, por seu turno reproduzidas e implementadas, porventura com excesso de zelo, por cada governo nacional.

René Magritte. O Presente. 1938

Independentemente do contexto europeu, Portugal é pródigo em exemplos específicos. Creio ser o caso do recente pacote “Mais Habitação”. O problema é remoto, notório e grave. Entretanto, pouco ou nada se fez, promoveu, sensibilizou, motivou ou incentivou. De um momento para o outro, obriga-se e proíbe-se! Restaura ou arrenda o imóvel ou alguém se encarregará, segundo o projeto de lei, de o fazer por ti; por outro lado, se o imóvel se situa nesta ou naquela localidade, segundo o mapa aprovado, assim será ou não permitido investir em alojamento local. Institui-se, deste modo, uma desigualdade entre os cidadãos com base no território.

O gatilho, confesso, é a fuga para frente da cruzada antitabaco. A antiguidade, a sistematicidade e a brutalidade das campanhas adotadas, algumas lesivas dos direitos dos cidadãos consignados na Constituição da República, não têm sido contempladas com resultados expressivos. Para que se inaugure em 2040 “uma geração livre de tabaco”, não se vislumbra alternativa à obstinação em obrigar e proibir: só fumarás e comprarás, alimentarás o vício, em espaços cada vez mais reduzidos, até te sentires como pareces ser concebido: uma aberração e um pária nocivo, circunstancialmente tolerado por lei e vergonhosamente lucrativo em matéria de impostos.

Esta “explicação” configura uma exceção. Continuarei a ser esfíngico na escrita e a apostar na interpretação alheia.

Isabelle Mayereau. Crocodiles. Déconfiture. 1979
Isabelle Mayereau. Bureau. Déconfiture. 1979

Crocodiles (Isabelle Mayereau)

Vous qui refaites le monde avec des gants de boxe
Qui n’avez qu’une idée être premiers au box
Office des PDG
Vous écrasez les gens, vous marchez sur leur tête
Vous y cognez dedans, un peu comme à la fête
Décidés
Et vous grimpez l’échelle des coefficients
Agendas de croco, Mercedes six-cent
Six-cent
Six-cent
Vous qui manipulez les gens comme des mounaques
Qui en faites du mou à chat par kilos et en vrac
Dégueulasse
Vous glissez dans l’ velours de ces bureaux foncés
Aux senteurs de havane légèrement sucrées
Efficaces
Et vous prenez le pas de tous ces géants
Qui ont fait l’Amérique d’un seul coup de dents
De dents
De dents
Et vous écrasez tout pour un seul bout de fric
Vos mots, c’est pas des mots mais c’est des coups de trique
Mais hélas
Vous ne pourrez jamais pénétrer dans ma tête
Y fourrer vos doigts sales en forme de chronomètres
Carapace
Et vous prenez le pas de tous ces volcans
Qui ont vomi leur âme, c’était noir dedans
Dedans
Dedans
Vous qui refaites le monde avec des gants de boxe
Qui n’avez qu’une idée être premiers au box
Office des PDG
Vous écrasez les gens, vous marchez sur leur tête
Vous y cognez dedans, un peu comme à la fête
Décidés
Vous nagez dans des eaux mais ce n’est pas le Nil
On vous appelle parfois, parfois les crocodiles
Codiles
Crocodiles