Anjos no purgatório: os cuidadores

Oportuno, esperado e bem-vindo o anúncio One Crisis Has caused another, promovido pela britânica Frontline 19, com o selo de qualidade da agência Adam & Eve, de Londres. A pandemia do covid-19 exponenciou o protagonismo da figura do cuidador mas não a criou. O desafio do envelhecimento, dos idosos desprotegidos, não é menos grave e premente. É certo que a pandemia do covid-10 comporta uma dificuldade adicional: o desconhecimento e a imprevisibilidade. Agudizou, também, a consciência do problema.
Os cuidados, institucionais ou informais, dedicados à pandemia ou à velhice evidenciam-se sem comparação mais urgentes e exigentes do que os reivindicados por outras categorias, algumas parasitas, que ofuscam a comunicação social e colonizam o espaço público. Dispenso invocar exemplos.
A figura do cuidador existe desde que o homem é homem. Sem cuidadores, a sociedade esmigalha-se, colapsa. Mas resultam, paradoxalmente, votados a uma invisibilidade social e a um desamparo desconcertantes, num misto de letargia e vergonha coletivas. Abençoados os cerca de 1.4 milhões de portugueses (segundo inquérito da Associação Nacional de Cuidadores Informais, de 2020) que, informalmente, se esforçam e sacrificam pela qualidade de vida de familiares, amigos e vizinhos vulneráveis. Um gesto, uma palavra ou uma simples presença podem dar vida à vida. Cresce e perdura, lamentavelmente, o número de pessoas que sobrevivem e morrem desapoiadas, por vezes numa extrema solidão, entregues ao mal do século, a morte social. O cuidado dos enfermos e dos idosos, dos dependentes, oferece-se como uma medida da nossa insuficiência. Será tão mesquinha a nossa solidariedade e tão entorpecida a nossa preocupação? Oremos, senhor!
O Natal dos Velhos
Argui, recentemente, uma dissertação que, embalada pelos ventos do envelhecimento activo, vislumbra formas prodigiosas de ocupação dos tempos livres “seniores”. Tamanho entusiasmo filantropo parece esquecer que o principal hóspede dos tempos livres dos idosos é a solidão; a principal sensação, a separação; o principal sentimento, o tédio; e a principal tendência, a depressão. A companhia é uma prenda bonita para oferecer aos idosos. Importa não toldar esta realidade com ideologias tecno-messiânicas. Importa agir, mas agir apropriadamente junto de pessoas concretas. É verdade que encontramos idosos em universidades, ginásios e empresas. Mas as árvores não devem esconder a floresta.

Bill Viola. Howard. 2008. Leila Heller Gallery.
Há algumas décadas, participei num programa semanal de rádio chamado Quarto por Quarto, na Antena Minho. Com o Abílio Vilaça, o Carlos Aguiar Gomes e a Teresa Lobato, e moderação de Pedro Costa. Fizemos uma emissão na própria noite de Natal. E a conversa derivou para as franjas, para as pessoas que não são iluminadas pela estrela dos Reis Magos. Havia cafés, poucos, muito poucos, abertos até mais tarde, onde acorriam alguns órfãos do Pai Natal. O café era a cabana, sem vaca nem burro. Mas quem não tem Natal sempre pode imaginá-lo, como o mendigo de Miguel Torga: da capela fez abrigo e dos santos, companheiros.
O anúncio Just another day, da Age UK, fala-nos de idosos solitários cujo Natal é nenhum dia. Tem o mérito de falar da solidão e da invisibilidade urbanas. Corre, no entanto, o risco de prestar-se a alguma confusão: o conto não é só do Natal, é de todos os santos dias. O que faz falta, por esse país fora, é promover o calor da companhia aos idosos que vivem sós. Os centros de dia ajudam, mas não chegam. É preciso mais e, também, de outro modo. Sublinhe-se que para muitos idosos a chegada do apoio domiciliário representa o único momento solar da jornada. Urge enfrentar o problema da solidão, do isolamento e da síndrome da separação dos idosos. Não faltará espaço para a activação dos corpos e das almas, nem para a implementação dos dispositivos do envelhecimento activo. De qualquer modo, convém não esquecer que, em cerca de 50 anos, passamos de uma sociedade em que havia pouco tempo para ser velho para uma sociedade em que se é velho muito tempo. “Em Portugal, a esperança de vida rondava, em 1950, os 56 anos; em 2015, ascende aos 81 anos” (https://tendimag.com/2017/11/07/filhos-da-madrugada/).
Marca: Age UK. Título: Just another day. Agência: Drum London. Reino Unido, Dezembro 2017.
Quando precisamos de ajuda, somos invisíveis
Estes anúncios são raros. Fazem pensar! O coração dirige-se à razão.
A experiência é criativa. Assistimos, várias vezes, a demonstrações de invisibilidade pública de pessoas famosas, por exemplo músicos. Comprovamos, agora, a invisibilidade dos necessitados. Até os mais famosos, um actor e uma actriz, se tornam invisíveis quando vestem a pele de um mendigo. O mote é genial: quando precisamos de ajuda, somos invisíveis! É coisa que se sabe há muito? Mas convém relembrar, relembrar, relembrar… A ver se o olhar desce do céu para a terra.
Anunciante: Colecta Domund. Título: He. Agência: McCann-Erickson Perú. Direção: Mauricio Hidalgo. Perú, Novembro 2013.
Anunciante: Colecta Domund. Título: She. Agência: McCann-Erickson Perú. Direção: Mauricio Hidalgo. Perú, Novembro 2013.