Gilbert Bécaud

Gilbert Bécaud partiu no dia 18 de Dezembro de 2001, há 20 anos. Um compositor e intérprete extraordinário, que “não se ouve muito nas ondas, o que, no fundo, parece miseravelmente uma falta de saber-viver e de reconhecimento” (https://soirmag.lesoir.be/263485/article/2019-12-06/gilbert-becaud-monsieur-100000-volts).
“L’important c’est la rose”. Mais “il est mort le poète”. “Et maintenant?” “T’iras pas au paradis”.
Nascimentos por mês. A sazonalidade do sexo
“É em setembro que a vida começa a sério” (Gilbert Bécaud, vídeo musical 1). É, pelo menos, o mês em que nascem mais crianças em Portugal. Na tabela 1, os valores mais baixos aparecem carregados a vermelho; a verde, os valores mais elevados. O gráfico 1 ilustra esta distribuição.
Tabela 1. Nascimentos por ano e por mês. Portugal, de 2014 a 2019.

De 2014 a 2019, os meses mais “férteis” são, por ordem decrescente, setembro, outubro e agosto. Os menos “férteis” situam-se entre fevereiro e junho.

As crianças nascidas em setembro foram concebidas em dezembro. O que justifica este destaque? O reencontro natalício? O imaginário da natividade? A Senhora do Ó? A disponibilidade de tempo? A esperança associada ao Ano Novo e aos dias crescentes após o solstício de inverno? A indigência invernal? A última pseudoexplicação, a relação entre indigência e sexualidade.
Estas pseudoexplicações da proeminência de dezembro, na conceção, e setembro, no nascimento, relevam, de algum modo, do disparate. A realidade é complicada.
Os valores dos nascimentos em setembro não se afastam dos valores de agosto e outubro (ver tabela). Mas a maioria dos fatores convocados vale apenas para o mês de dezembro/setembro: reencontro natalício, imaginário da natividade, ano novo e solstício.
Eira de milho
Luar de Agosto
Quem faz um filho
Fá-lo por gosto
(Simone de Oliveira. Desfolhada. 1969.)
Gráfico 2, Nascimentos por mês e ano. Portugal. De 1980 a 2015.

No tempo de Simone de Oliveira, o pico nos nascimentos era, provavelmente, em abril, e não em setembro, e a conceção das crianças em agosto, e não em dezembro (ver gráfico 2). Como explicar o predomínio do mês de agosto? As férias? O regresso dos emigrantes? A praia? As romarias? A exposição dos corpos? A concentração dos casamentos? A efervescência social? Não sei! Não sei! Não sei! Sabe bem um banho de ignorância documentada.
Solidão e indiferença

O modo como as galinhas colocam a cabeça quando prestam atenção não engana. Revelam uma capacidade de concentração superior à de muitos humanos. Dedico-lhes este artigo.

Multiplicam-se os anúncios relativos à vacinação. Alguns são esdrúxulos, outros singelos. O anúncio Parce qu’on rêve tous de se retrouver, do Ministère des Solidarités et de la Santé, de França, é bem concebido. Dispõe-se em três tempos: visita – reencontro – sonho. Cumpre à vacina tornar o sonho realidade. A canção Je reviens te chercher (1967), de Gilbert Bécaud, acompanha o anúncio. Uma bela canção. Mas prefiro, do mesmo cantor, L’Indifférence (1977). As vacinas podem combater a solidão, mas de pouco servem face à indiferença.
Querido mês de Agosto. As costas também andam.

Escrever como quem brinca.
Agosto está a acabar. Não é verdade que “é em Setembro que se pode viver a sério” (Gilbert Bécaud, C’est en septembre, 1978). Em Setembro, a vida torna-se séria, sisuda.
Agosto, mês dos banhos; ninho dos deslocados; aceleração dos atrelados. Em Agosto, queima a areia, o fogo, o ar, o corpo; as romarias escaldam. Nos corredores de Setembro, não há portas para o sagrado (se se proporcionar: Gonçalves, Albertino & Gonçalves Conceição, “Uma vida entre parênteses: tempos e ritmos dos emigrantes portugueses em Paris”).
Despeço-me de Agosto com Rachmaninov. Logicamente, não sei a razão da escolha. Se fosse místico, diria que foi Rachmaninov que me escolheu. Um êxtase ou uma aparição. Quando algo assenta bem não costumo fazer muitas perguntas. Basta o milagre!
All by myself, um sucesso dos anos setenta, de Eric Carmen, inspira-se no Piano concerto nº2, de Rachmaninov. Dar as mãos é uma bênção. Bem como admitir que quando andamos, as costas também andam. All by myself. Nunca me pressenti tão só como no mês de Setembro. Mea culpa!
Nostalgia do Futuro
Ontem, fiz anos! Não fiz nenhuma proeza. Mas faz-se de conta. O importante é o resto. Os anos passam. Mais complicado do que ser velho é envelhecer. Inteirámo-nos, a cada momento, que já não somos quem éramos, nem podemos o que podíamos. Envelhecemos, sem pausas, até ao último momento. É a nossa condição.
“E agora que vou fazer / com todo este tempo que será a minha vida?” (Gilbert Bécaud). Renascer todos os dias? “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida” (Sérgio Godinho). O que fazer? Nada, como de costume, um nada muito bonito. Com o passado a pesar no presente, não dá para andar para trás. Cumpre-nos encarar o futuro até ter saudades: saudades do futuro sonhado. Equívocos de um viciado em palavras.
Agradeço os vossos votos de aniversário. Fizeram-me sentir mais humano. Entre o peso do passado e a nostalgia do futuro, é bom contar com os amigos no presente.
Gilbert Bécaud. Et maintenant. 1962.
Sérgio Godinho. O primeiro dia. Pano-cu. 1978.
Muito com pouco
Não é, necessariamente, a profusão de palavras e de imagens que mais comunica. O essencial pode exprimir-se com quase nada. Como a rosa do Principezinho (ver vídeo do Gilbert Bécaud) ou este anúncio, da Innocence en danger, contido em meios e generoso em resultados. Com a colaboração dos Radiohead.
Para aceder aos vídeos, carregar nas imagens.
Anunciante: Innocence en danger. Título: The Witness. Agência: Rosapark. Direcção: Josh Patrick Dowson. França, Dezembro 2015.
Gilbert Bécaud. L’important c’est la rose. 1967.