Filantropia
— Valha-me Deus! — exclamou Sancho — Não lhe disse eu a Vossa Mercê que reparasse no que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e que só o podia desconhecer quem dentro na cabeça tivesse outros? (Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, cap. VIII. 1605).

Se existem novidades ao nível da publicidade, a proliferação dos anúncios de sensibilização é uma delas. Anúncios de empresas dedicados a causas sociais. Respiram bondade. O que visam estes anúncios? Promover a causa ou a marca? Sancho Pança, que vê moinhos de vento, diria a marca; Don Quixote, que vê gigantes, a causa. Num mundo onde supostamente naufragaram as grandes narrativas, as narrativas de médio alcance possuem um elevado valor simbólico. O anúncio Waste, da IKEA, é um excelente exemplo de publicidade de sensibilização.
A publicidade de sensibilização promovida pelas empresas é uma prática condenável? Talvez não! A história da humanidade revela que entre a bondade ou a maldade das intenções e a bondade ou a maldade dos resultados não existe uma equação linear. Recorde-se o subtítulo do livro de Bernard Mandeville: “vícios privados, virtudes públicas (A fábula das abelhas, 1723).
Não desistas!

As horas e as obras repetem-se. Coloquei este anúncio da Movistar há 10 anos no facebook. Inspirado, encoraja e anima. Sugere que existe um suplemento que nos demove de desistir. Esse suplemento é o Outro! Este anúncio ajuda a subir a corrente. Recoloco-o e volto a recolocá-lo. A repetição não é forçosamente estéril. Na música como na vida.
Nestes dias de recolhimento, aconselho o Dom Quixote de la Mancha. Juntos, Dom Quixote e Sancho Pança configuram um paradigma da humanidade. Separados, duvido!
O contacto, a conexão, entre pessoas capacita, gera sinergia. Torna possível o improvável. Neste anúncio, brilhante, o mundo aproxima-se da figura de um mosaico ou de um puzzle em que as diferentes peças apenas se sobrepõem sem se confundir, mesmo assim o suficiente para completar a acção. As situações e as pessoas interagem de um modo inacabado e imperfeito, mas eficaz. Namoram-se sem se anular, como um beijo de Gustav Klimt. O anúncio multiplica os sinais desta reserva e incompletude. Somos com os outros, conseguimos com os outros, mas não somos os outros, para o bem todos. O ruído preserva a identidade. A unicidade ameaça-a (https://tendimag.com/2017/03/14/com-o-mundo-nas-maos/).
Folhas
Tantas folhas, senhor! E as folhas crescem nas árvores! E as árvores não são monstros! A impressão de milhões de livros do Dom Quixote, da Bíblia e do Principezinho devorou florestas inteiras. Não obstante, é possível que ainda não tenhamos devorado a dose recomendável de florestas de papel. Nesta excelente campanha, a Libreria Norma faz a apologia dos e-books. Menos árvores abatidas e um camião de livros num tablet. Mas, por que será que, no meu tablet, a maioria dos livros não tem fim? Nostalgia de virar a página? O fado do cansaço a meio do caminho? Um bocejar electrónico?
Marca: Libreria Norma. Título: Don Quijote De La Mancha. Agência: Ddb, Bogota. Direção: Reichart De Alcocer. Colombia, Abril 2013.
Libreria Norma. The Holy Bible. Ddb, Bogota. Colombia, Abril 2013.
Libreria Norma. The Little Prince. Ddb, Bogota. Colombia, Abril 2013.