Vindima

“As mulheres cortavam, as crianças despejavam as cestas cheias, os homens erguiam sobre as trouxas os vindimeiros, e o som cavo do bombo ia abafando pelas valeiras fora o repenicado do harmónio e o tlintlim dos ferrinhos. O sol erguera-se já congestionado, e mordia a pele como um sinapismo. Suava tudo. E quem não tinha as molas dos rins bem oleadas, ou se via pela primeira vez ajoujado com quatro arrobas às costas, vivia a eternidade num segundo” Miguel Torga, Vindima, 1945).
Faz precisamente quarenta anos, em junho de 1982, que defendi na Sorbonne as provas de mestrado (DEA) em Antropologia Social e Cultural, com uma dissertação intitulada Voyages à l’intérieur de l’économie rurale (Panorama des clivages d’avant 1970), parcialmente reproduzida no artigo “O Campesinato entre o diabo e o bom Deus: Panorama de algumas clivagens configuradoras da economia agrária”, na revista Cadernos do Noroeste, Vol. 8 (1), 1995, 113-144. Defendi, também, o projeto para doutoramento La viticulture en Alto Minho: Agriculture et développement régional. Quem diria! Foram membros do júri, para além do meu orientador, Robert Cresswell, Louis-Vincent Thomas e Michel Maffesoli. Identificava-me, na altura, como sociólogo rural. E nos concelhos de Melgaço e Monção as marcas de alvarinho contavam-se pelos dedos das mãos. Se a memória não me engana: Palácio da Brejoeira, Cepa Velha, Deu-La-Deu, Soalheiro, Dona Paterna e pouco mais. Sempre gostei de farejar o futuro no presente, aventurando-me por florestas relativamente virgens.
Três meses depois, em Setembro de 1982, ingressei como docente na Universidade do Minho. Regressei ao País e a minha vida, os meus horizontes e as minhas prioridades mudaram substantivamente. A “especialidade” deslocou-se da sociologia rural para a sociologia dos estilos de vida e o tema de investigação desviou-se da inserção do camponês no mercado para a condição do emigrante na sociedade de origem (ver “O Presente Ausente: O Emigrante na Sociedade de Origem”, Cadernos do Noroeste, vol. I – nº1, 1987, pp. 7-30; e “O Presente Ausente II: A Sociedade de Origem face ao Emigrante”, Cadernos do Noroeste, vol.II/2-3, 1989, pp. 125-153). Em suma, concebi dois projectos para doutoramento: um primeiro, na Sorbonne, que acabou reciclado e um segundo, na Universidade do Minho, conduzido a bom termo (ver Imagens e Clivagens: os residentes face aos emigrantes, Porto, Afrontamento, 1996).
A cópia do primeiro projecto de doutoramento encontra-se num estado deplorável. Decidi digitalizá-la antes que ficasse ilegível. Passo a guardá-la no Tendências do Imaginário, meu armazém actual. Trata-se de um resquício arqueológico de um percurso pautado por desvios, pausas, rupturas e recomeços, que se oferece como exemplo de um projecto trabalhoso, devidamente defendido e posteriormente abortado. Em suma, uma colheita velha de uma cepa nova.
Seguem, em pdf o projecto de doutoramento La viticulture en Alto Minho: Agriculture et développement régional (1982), assim como o artigo “O Campesinato entre o diabo e o bom Deus: Panorama de algumas clivagens configuradoras da economia agrária” (1987). Acresce a reportagem “O minhoto Gosta é de Festa” e é assim que nasce o vinho alvarinho, da TVI24, publicada no dia 2 de Outubro de 2021. Carregar na imagem seguinte para aceder ao vídeo.

Melgaço: Marco nº1

Passadiço de Cevide e o marco nº1. Aqui começa Portugal.
Melgaço é um recanto recôndito. As condições objetivas, tais como o decréscimo populacional, o envelhecimento e o descentramento, parecem destiná-lo à depressão e ao esgotamento. Não obstante, resiste. Valoriza aquilo que tem, e aquilo que não tem, mas que pode aproveitar, com energia própria e alheia. Atento, não perde nem desperdiça oportunidades. Cada costume, artefacto, iguaria, raiz, pedra, cascata, golpe de asa ou suspiro, cada potencialidade torna-se distinção e traço-de-união. Investe, reinveste, e o pormenor mais simples transforma-se num banco de símbolos mobilizador, sempre característico, sempre cosmopolita. Migra, regressa, assenta ou volta a migrar. Conta com os melgacenses e os amigos, para jogar dentro e fora de casa. Assim encontra, e não se cansa de procurar.
Segue uma notícia do Jornal de Notícias sobre a iniciativa recente envolvendo o marco nº1 da fronteira portuguesa, no lugar de Cevide. Acresce o vídeo musical Suprahuman, de Manuel Brásio, e o filme promocional do Parque Nacional da Peneda-Gerês premiado em 2014.
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