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O Cristo de Burgos e a Androginia da Igreja

01. Cristo de Burgos. Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas. Porto

01. Cristo de Burgos. Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas. Porto

Na Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas, na cidade do Porto, deparamos com uma pintura de Cristo com uma espécie de “saiote”, evidenciando, aparentemente, traços andróginos, nomeadamente ao nível das pernas. Na base da cruz, uma inscrição identifica-o como o “Santo Cristo de Burgos” (Figura 1).

2. Santo Cristo de Burgos. Catedral. Espanha.

2. Santo Cristo de Burgos. Catedral. Espanha.

A imagem original, uma escultura datada do séc. XIV, encontra-se na catedral de Burgos (Figura 2). Uma lenda sustenta que a escultura foi descoberta no mar a bordo de um galeão fantasma, sem tripulação, acompanhada por uma mensagem a pedir que fosse colocada em local magnificente e apropriado.

3. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. 2016.

3. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. 2016.

A escultura manteve-se à guarda do Mosteiro Real de Santo Agostinho, de Burgos, até 1833, ano em que foi transladada para a Catedral. Figura proeminente durante a Semana Santa, a escultura é articulada (Figuras 3 e 4). As articulações são cobertas com pele, o cabelo é verdadeiro, bem como as unhas. Consta que os cabelos e as unhas crescem, sinal milagroso de vida para além da morte.

4. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. Espanha.

4. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. Espanha.

A imagem do Santo Cristo de Burgos está disseminada por todo o mundo, mormente ibero-americano. No Santo Cristo de Burgos, na Igreja de S. Francisco, de Quezon, nas Filipinas (Figura 5), reconhecemos os mesmos indícios de androginia, presentes na pintura do Porto e na escultura de Burgos. Certo é que, retirando o saiote, a imagem de Cristo não se distingue daquelas a que estamos habituados.

5. Santo Cristo de Burgos. Saraya, Quezon. Filipinas.

5. Santo Cristo de Burgos. Saraya, Quezon. Filipinas.

Mas a questão não é de todo despropositada. Carl Gustav Jung sustenta, apoiando-se em Georg Koepgen (Die Gnosis des Christentums, Salzburg, 1939) , a androginia não só de Cristo mas da própria Igreja:

“Koepgen fala do conflito apolíneo-dionisíaco da Antiguidade, cuja solução cristã consiste em “que na pessoa de Jesus o masculino esteja unido ao feminino”. “Somente nele se encontra esse lado-a-lado do masculino e do feminino em vigorosa unidade”. “Se no culto cristão a Deus se encontram reunidos homens e mulheres com direitos iguais, tem isso mais do que um significado casual: é a realização da androginia (…) tornada visível em Cristo (…) A tensão e a lutas dos opostos do sexual se acha compensada em Jesus por meio da unidade andrógina”. A Igreja quanto à constituição é “hierarquicamente masculina, mas a alma da Igreja é de todo feminina” (…) Para Koepgen, pois, não apenas Cristo é andrógino, mas de modo considerável também a Igreja, conclusão cuja lógica não se pode negar” (Jung, Carl Gustav, Obras Completas de C. G. Jung – Mysterium Coniunctionis: Rex e Regina; Adão e Eva; a Conjunção – Volume 14/2. Editora Vozes, 2011, pp. 154-155).

Cristo de Burgos

01. Cristo. Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas. Porto.

01. Cristo. Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas. Porto.

Uma amiga mostrou-me uma fotografia de uma pintura de Cristo com um “saiote” denunciando, aparentemente, traços femininos, ver andróginos. Por exemplo, as pernas. Encontra-se na Igreja da Irmandade das Almas de S. José das Taipas, no Porto. A inscrição, na base da cruz, identifica-o como “o Santo Cristo de Burgos” (Figura 1).
A imagem original do Santo Cristo de Burgos está, naturalmente, em Burgos, na catedral (Figuras 2 e 3). Data do séc. XIV. Uma lenda advoga que a escultura foi encontrada no mar, num galeão sem tripulação. Acompanhavam-no umas placas a pedir que fosse colocado em local magnificente e conveniente.

2. Santo Cristo de Burgos. Catedral. Espanha.jpg

2. Santo Cristo de Burgos. Catedral. Espanha.

3. Santo Cristo de Burgos. Catedral de Burgos. Espanha.

3. Santo Cristo de Burgos. Catedral de Burgos. Espanha.

Até ao séc. XIX, esteve à guarda do Convento dos Eremitas de Santo Agostinho. Figura proeminente da Semana Santa, a escultura é articulada (Figuras 2 a 4). A zona das articulações é coberta com pele, o cabelo é verdadeiro, bem como as unhas. Consta que o cabelo e as unhas não param de crescer. Imagens do Santo Cristo de Burgos estão disseminadas por todo o mundo, nomeadamente ibero-americano.

4. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. 2016.

4. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. 2016.

5. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. Espanha.

5. Santo Cristo de Burgos. Semana Santa. Espanha.

Para fechar o ciclo e regressar ao início, observe-se a estátua do Santo Cristo de Burgos na Igreja de S. Francisco de Assis (Figura 6), nas Filipinas (Saraya, Quezon). Não sou competente para discernir a eventual androginia das imagens do Santo Cristo de Burgos. Certo é que, tirando o saiote, a imagem do Cristo de Burgos não se distingue das demais (Figura 5).

6. Santo Cristo de Burgos. Saraya, Quezon. Filipinas

6. Santo Cristo de Burgos. Saraya, Quezon. Filipinas.

Mas a questão não é descabida. Carl Gustav Jung sustenta, apoiando-se em Georg Koepgen, a androginia não só de Cristo mas da própria Igreja.
“Koepgen fala do conflito apolíneo-dionisíaco da Antiguidade, cuja solução cristã consiste em “que na pessoa de Jesus o masculino esteja unido ao feminino”. “Somente nele se encontra esse lado-a-lado do masculino e do feminino em vigorosa unidade”. “Se no culto cristão a Deus se encontram reunidos homens e mulheres com direitos iguais, tem isso mais do que um significado casual: é a realização da androginia (…) tornada visível em Cristo (…) “A tensão e a lutas dos opostos do sexual se acha compensada em Jesus por meio da unidade andrógina”. A Igreja quanto à constituição é “hierarquicamente masculina, mas a alma da Igreja é de todo feminina” (…) Para Koepgen, pois, não apenas Cristo é andrógino, mas de modo considerável também a Igreja, conclusão cuja lógica não se pode negar” (Carl Gustav Jung. Mysterium Coniunctionis: Rex e Regina; Adão e Eva; A Conjunção. Editora Vozes, 04/03/2011, pp. 154-155).