Respira!

Na vida existem muitas contingências pouco contingentes. Para conforto, o melhor é não relevar. É mais avisado respirar, sobretudo aspirar, eventualmente com máscara.
Agradeço a uma amiga a partilha desta canção da argentina Natalia Doco.
Giuseppe Arcimboldo. Uma alegoria do ar. Sem data (séc. XVI).
Sensualidade sombria

Lauren Sick, “escritora e realizadora que cresceu nas florestas escuras dos subúrbios” (IMDB), tem queda para o tenebroso. Constata-se no anúncio Scary Fast, para a Ford (ver Aflição fascinante: https://tendimag.com/2022/07/20/aflicao-fascinante/), confirma-o o vídeo musical para a canção Boyfriend, de Dove Cameron, “menina bissexual da Disney e da Apple”, com uma carreira no cinema e na música precoce e fulgurante, um talento em estúdio e ao vivo. Motivo para contemplar duas versões: o vídeo musical oficial e uma performance ao vivo.
Canções de luto por vivos
Nos últimos tempos, o Tendências do Imaginário tem-se sintonizado, enfadonhamente, na mesma onda: o alheamento. É assim! Quando encontro um novelo deixo-me enroscar nele. Em vez de o exorcizar, desfio, uma a uma, as pontas. Até surgir outro novelo. Importa libertar-me deste que é pouco compensador. Abrir-me, quem sabe, ao tema do reencontro. Para apressar, em vez de desfiar uma ponta por artigo, passo a juntar várias num único.
Assim como existe a expressão “viúvas de vivos”, avanço uma homóloga: “fazer o luto de vivos”. De tão satisfeito com a fórmula, vou patenteá-la! Fazer o luto por um vivo é encetar um processo mediante o qual o outro, embora vivo, passa a assumir, sem traumas, o estatuto de morto. Costuma dizer-se: “Para mim, está mort@!”.
Vou alinhar várias canções, todas de despedida, segundo uma ordem que as aproxima cada vez mais de um exemplo de luto por um vivo.
A canção Le Moribond, de Jacques Brel (1961) é uma despedida da vida/anúncio de morte. Conheceu várias retomas em língua inglesa. A versão mais célebre é, porventura, Seasons in the sun (1974), do canadiano Terry Jacks, influenciado pela leucemia de um amigo. Conheci-a em meados dos anos setenta quando comprei um single com a canção Where do I begin, de Andy Williams, inspirada no filme Love Story, também uma canção de despedida. A canção de Terry Jacks, se bem me lembro, vinha no lado B. Ao arrepio do expectável, existem muitas canções de luto de vivos por vivos. Retenho duas em língua francesa: On Ne Vit Pas Sans Se Dire Adieu, de Mireille Mathieu (1974), e Adieu, de Lynda Sherazade (2020).
Tenho que me entreter com qualquer coisa! E nunca enjeitei os assuntos mais incómodos. Acolho-os harmoniosamente, como estas canções. Coloco apenas uma condição: gostar dos conteúdos partilhados, no presente caso, das canções, que, sendo cinco num único post, ninguém vai visionar.
Um roteiro e três tenores

Assisti à apresentação do roteiro Mosteiro de São Martinho de Tibães – Uma Visita, da autoria de Aida Maria Reis da Mata, Paulo João da Cunha Oliveira, Maria João Dias Costa e Anabela Ramos. Trata-se de um belo, interessante e esmerado resultado de longos anos de proximidade, trabalho e dedicação. Regressei com vontade de ouvir os três tenores: Placido Domingo, Lucciano Pavarotti e José Carreras. Sempre que escuto, com o devido volume de som, as canções Una Furtiva Lacrima, de Donizetti, Rondine Al Nido, de Vincenzo de Crescenzo, e En Aranjuez Con Tu Amor, a partir de Joaquín Rodrigo, arrepiam-se os tímpanos.
Fantasmas
Fantasmas na paisagem, na aldeia, no cemitério e na cama. Yes, I Have Ghosts é uma canção inédita recente de David Gilmour com a filha Romany Gilmour (2020). Um toque de Leonard Cohen em David Gilmour.
Guarda-me um lugar nas tuas urgências

Ma préférence (1978), Femmes je vous aime (1982), Fais-moi une place (1990) e Les séparés (1997) são músicas de Julien Clerc, uma voz peculiar, estrela da canção francesa desde os anos setenta.
Comoção

“E que comover vem do Latim commovere, “mobilizar, mover conjuntamente”, formado de com-, “junto”, mais movere, “mexer, deslocar, mover”. Uma pessoa comovida é alguém que foi retirada do seu estado natural pelo esforço de outros” (https://origemdapalavra.com.br/palavras/comover/).
Amigo desde a adolescência, John Ferreira, pianista e guitarrista, proprietário de um estúdio de gravação no Canadá, enviou-me dois vídeos de Lara Fabian. No primeiro, interpreta a canção Je Suis Malade [do coração], um cover de Serge Lama (ver ambos: https://tendimag.com/2020/08/30/serge-lama/). O segundo vídeo, com a canção Je t’aime, é um exemplo de comoção num concerto de música, de sensibilização e mobilização recíprocas por parte da artista e da audiência. Lamechice?
Qualidade e sucesso

Existe sucesso sem qualidade; e qualidade sem sucesso. Não é preciso ser belo para ser bom, mas ajuda. Uma vida atribulada não impede a criatividade, mas corrói a credibilidade. O norte-americano Micah P. Hinson não é um Senhor Milhões de visualizações. É original, com uma voz e um som próprios. Esteve no Theatro Circo, Em Braga, no dia 1 de Fevereiro de 2019.
Quando um cego chora

O domingo é sagrado, dia de ansiolíticos e antidepressivos naturais. Há quem combine uns e outros. Na vida quotidiana também se entrelaçam (Norbert Elias e Eric Dunning, A busca da excitação, 1986). Por exemplo, durante um espectáculo de futebol as doses alternam-se (Albertino Gonçalves, Vertigens, 2009). Domingo é dia de compensação. Mais vale jogar à sueca em casa do que labirintar no poker de massas. Gosto de namorar o passado. O passado não para de crescer! O presente não o agarro e o futuro não o conheço. O meu passado é um contrabandista: atravessa as fronteiras do tempo. O domingo é dia de música. Música ultrapassada. Um rosário de pérolas barrocas, amuleto contra os carneiros de Panurgo (François Rabelais, Pantagruel, c. 1532). Já coloquei no Tendências do Imaginário a canção When a blind man cries, dos Deep Purple (https://tendimag.com/2015/10/01/when-a-blind-man-cries/). Uma espécie de gata borralheira para o Ritchie Blackmore, a música foi editado num single em 1972. Esperou pelos anos noventa para subir aos palcos e figurar nas antologias. A versão de 1999 de Ritchie Sambora, ex Bon Jovi, pouco difere do original. Mas o vídeo musical é pedagógico. Ensina que 1) não existem abraços electrónicos; 2) Os média podem estimular abraços; 3) Por detrás dos média, há sempre alguém; e 4) os sonhos existem e são humanos.
Só agora, concluído o texto, me apercebi, enquanto procurava um vídeo com melhor resolução, que esta curta-metragem foi escrita e realizada por um português: Nuno Rocha, para a LG Portugal. Pontes.